Por Letícia Negrello
Edição: Alice Lima
A população global deve chegar a 9,8 bilhões até 2050. Com isso, a demanda por alimentos deve aumentar em mais de 50%, e alimentos de origem animal em quase 70%, segundo dados do World Resources Institute. Nesse contexto, alternativas alimentares são pensadas no mundo todo a fim de resolver e suprir essa demanda — como as carnes veganas à base de plantas, e a mais recentemente, a carne celular.
O terceiro episódio do Bate-Pop AE, Bife sem bicho: a carne do futuro chegou?, traz um panorama sobre as evoluções dessas alternativas pelo mundo, com uma discussão que passa pela necessidade das pessoas de se alimentarem da proteína animal, veganismo, crueldade animal e os possíveis futuros da indústria alimentícia.
As convidadas da edição são Carla Molento, professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora dos Laboratórios de Zootecnia Celular (ZOOCEL/UFPR) e de Bem-estar Animal (LABEA/UFPR) e Patricia Marin, advogada, especialista em Direito Animal e coordenadora dos Grupos e Núcleos Locais da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).
A carne celular
Diferente da indústria convencional de carne, em que uma média de 70 bilhões de animais terrestres são criados e abatidos por ano no mundo, essa inovação na produção inicia a partir de uma única célula animal extraída por meio de biópsia, sem dor ou abate, que é multiplicada em um biorreator até chegar ao produto final — uma carne animal com propriedades idênticas à que já existe no mercado, em um processo semelhante ao da fabricação de cerveja, por exemplo.
A carne celular ou cultivada é realidade em um restaurante de Singapura desde 2020, quando a startup Eat Just recebeu aprovação regulatória do país para vender cubos de frango cultivados. Países da Europa e Estados Unidos também já contam com iniciativas. Além disso, a JBS, multinacional brasileira e uma das líderes globais da indústria de alimentos, anunciou um investimento de US$ 100 milhões para se tornar uma das principais fabricantes de proteína cultivada do mundo.
“É a primeira vez na história que o interesse em lucro está do lado dos animais”, é o que afirma Carla. A professora comenta que, por ser uma inovação radical, há um tempo necessário para que os custos de produção se igualem ao que já existe no mercado, o que já vem ocorrendo. “O que faz cair o preço é investimento em pesquisa”, complementa
Na UFPR, os Laboratórios de Zootecnia Celular (ZOOCEL/UFPR) e de Bem-estar Animal (LABEA/UFPR) são responsáveis pelos estudos desses avanços a fim de melhorar a qualidade de vida dos animais. No episódio, a professora Carla Molento destaca um dos diferenciais do laboratório:
“Ele não tem o foco só de pesquisa, mas de ensino. Se a gente vai desenvolver uma nova cadeia de produção de alimentos, a gente precisa formar pessoas”, afirma.
Pela primeira vez, a gravação do Bate-Pop AE contou com convidados especiais: estudantes de graduação e pós-graduação que fazem parte do Bife sem Bicho, projeto de extensão em zootecnia celular da UFPR, assistiram ao programa enquanto era gravado, e depois também visitaram os bastidores do vodcast.
Isabela Vallim, aluna de graduação de Medicina Veterinária da UFPR, conta que sempre foi curiosa sobre os bastidores e o processo de gravação de um podcast. “Ter a oportunidade de acompanhar a gravação, conhecer o estúdio e todas as pessoas por trás da produção foi uma experiência incrível”. A estudante comenta também sobre a experiência de fazer parte de um projeto inovador como esse e a importância de divulgá-lo:
“Estou verdadeiramente grata e honrada em colaborar com profissionais tão dedicados e brilhantes, cujo comprometimento com a inovação e o cuidado com os animais é inspirador. […] No projeto Bife sem Bicho e no Laboratório de Zootecnia Celular da UFPR, sempre defendemos a divulgação científica de maneira acessível. Trazer a carne cultivada como tema para o vodcast, em uma conversa descontraída e próxima da comunicação cotidiana das pessoas, é uma forma eficaz de disseminar conhecimento e promover a compreensão sobre os benefícios da carne cultivada nos diferentes setores da sociedade”, conta.
O veganismo
Durante a gravação, Patricia Marin destacou a questão ética e a necessidade de repensar tradições. “Tudo acontece sempre para reforçar como se os animais fossem instrumentos pra gente usar, estão aqui ao nosso favor, e não é assim”, argumenta. Para ela, embora a carne e diversos outros produtos que resultam da exploração animal estejam presentes culturalmente na sociedade há séculos, é possível que isso seja reconsiderado.
Diferente de uma ideia ainda bastante disseminada, Patrícia ressalta que é totalmente possível obter todos os nutrientes em uma alimentação 100% vegana, prática reconhecida como uma opção saudável pelo Ministério da Saúde desde 2014.
Sobre a carne celular, a advogada comenta que, como já existe um universo de carnes alternativas à base de vegetais, ela não é necessariamente direcionada a um público vegano, mas para as pessoas que comem carne convencional, é uma alternativa melhor para os animais, meio ambiente e saúde das pessoas.
“Ela abre uma oportunidade de escolha para quem ainda não conseguiu se desfazer daquele apego ao paladar”, afirma.
Por trás da gravação
O Bate-pop AE, produto da Agência Escola UFPR lançado oficialmente em junho deste ano, tem a proposta de discutir, divulgar e trazer questionamentos sobre temas relacionados a ciência, pesquisa, cultura e democracia. Desde a sua idealização, o vodcast envolve um pouquinho de cada um da equipe da AE — em trabalhos que vão desde o roteiro à montagem do estúdio, a gravação, a edição e a divulgação dos episódios.
Ângelo Biase, estudante do curso de Música da UFPR e bolsista do Núcleo de Audiovisual da AE, é responsável pela parte de preparação, montagem e edição de áudio do Bate-Pop AE. “O trabalho com o áudio começou logo no planejamento do Bate-Pop. A gente estava discutindo cenografia e o áudio tem que levar em consideração onde os convidados vão estar para escolher o melhor microfone e os melhores posicionamentos”, conta.
Esse trabalho continua durante a gravação, com a realização de testes de áudio e monitoramento enquanto o episódio é gravado, e também na pós-produção, com ajustes de pequenos ruídos e a masterização do áudio para ser distribuído.
Ângelo enfatiza a importância da produção, que é feita em equipe e integrada entre diferentes áreas. “Sempre vão surgindo problemas e imprevistos que você tem que resolver na hora e isso é uma das coisas que eu destaco porque mostra nossa evolução como equipe, trabalhando junto, e também a evolução individual como profissional”, relata.
O episódio Bate-Pop AE: Ciência em Play com as convidadas Carla Molento e Patrícia Marin sobre o tema “Bife sem bicho: a carne do futuro chegou?” foi apresentado por Joana Giacomassa, estudante de Jornalismo da UFPR e bolsista da AE, e Hertz Wendell, professor do Departamento de Comunicação da UFPR e Doutor em Estudos da Linguagem.
Assista ao episódio sobre Carne Celular e veganismo
Apoio à pesquisa
O Laboratório de Zootecnia Celular da UFPR (ZOOCEL) foi criado em setembro de 2022, como parte do projeto Novos Arranjos em Pesquisa e Inovação – Proteínas Alternativas (Napi-PA), financiado pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná. É o primeiro laboratório de pesquisa e ensino de Zootecnia Celular da América Latina.