Territorialidade negra e a exclusão da população afro-brasileira são tema do 4º episódio do Bate Pop AE “CWBlack: pretitude curitibana e outras histórias”
Por Giovani Pereira Sella e Flávia Cé Steil
Edição Priscila Murr
Supervisão de Alice Lima
Curitiba é a capital mais negra da região Sul do Brasil, segundo o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 24% da população autodeclarada preta ou parda. Há 12 anos, esse número era de 19,7%. Apesar do aumento do percentual, a cidade ainda é marcada pela segregação racial e espacial que foi construída historicamente e contribui para a desigualdade social. Segundo o 5º Fórum Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU), Curitiba é a 17ª Cidade mais desigual do Mundo.
Esse tema, assim como de que maneira a segregação acontece, foi investigado por Gláucia Pereira, em sua dissertação do mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A produtora cultural Brenda dos Santos também pesquisa o assunto. Elas foram as convidadas do novo episódio do Bate Pop AE, CWBlack: pretitude curitibana e outras histórias, que fala sobre a Curitiba preta e a história que tentaram branquear.
A Curitiba preta e a história que tentaram branquear
Desde a adolescência, Gláucia Pereira é engajada em ações e movimentações da negritude em Curitiba, que, diz a pesquisadora, fortalecem sua identidade enquanto mulher negra. A doutoranda em Geografia pela UFPR desenvolveu, em 2021, um estudo que discute a segregação espacial urbana circunscrita à questão racial e as territorialidades negras na capital paranaense.
“Evidenciar a desconstrução desse mito da não existência negra em Curitiba” é o objetivo de Gláucia com o desenvolvimento do seu estudo. A pesquisadora afirma que “a segregação racial em Curitiba foi potencializada pelo plano diretor da década de 1960”. Esse plano, responsável por encarecer o preço de terrenos e restringir o modelo de construções para apenas alvenaria, dificultou o acesso da população negra e majoritariamente pobre à terra e a imóveis na capital paranaense.
“É bem perceptível que a população branca está concentrada na parte central e ao redor e a população negra nos bairros mais distantes da cidade. Isso não é algo natural, mas foi construído politicamente na cidade de Curitiba através do planejamento urbano”, reforça a estudiosa.
Mapa de 14 espaços negros de Curitiba
Em sua dissertação, Gláucia define 14 territorialidades negras em Curitiba, espaços que foram levantados a partir do diálogo com o movimento negro da cidade. Porém, a cientista salienta que “existem muitos mais”. Confira abaixo as territorialidades listadas na pesquisa:
Afoxé | A manifestação ocorre apenas durante no período de carnaval. |
Festa do Rosário | A festa do Rosário ocorre no mês de novembro, semana da Consciência Negra. |
Encontro da Negritude | O Encontro da Negritude ocorre uma vez por mês ou, dependendo da época, de dois em dois meses. |
Roda de Rua | A Roda de Rua de capoeira ocorre em média duas vezes ao mês. Em média, foram realizadas seis participações. |
Um baile Bom | Um Baile Bom ocorre em média uma vez ao mês. Em média, foram realizados sete campos. |
Deby Salão | Salão de Tranças que promove oficinas realizadas em outros espaços. |
Marcha do Orgulho Crespo | A Marcha do Orgulho Crespo ocorre, pontualmente, no mês de novembro, mês da Consciência Negra. |
Pontes Móveis em Travessias Afrocontemporâneas | As oficinas das Pontes Móveis ocorrem por ciclos. Em média, uma oficina realiza encontros durante um mês e/ou também são realizadas oficinas gratuitamente. |
Neab | O Neab realiza diversas atividades ao longo do ano. |
Cursinho Ubuntu | Cursinho Ubuntu: é um cursinho pré-vestibular gratuito destinado para pessoas negras e carentes que querem ingressar no ensino superior |
Bloco Afro Pretinhosidade | O Bloco Afro Pretinhosidade realiza todo final de semana ensaios e diversas apresentações. |
Ka-naombo | O Grupo Afro Cultural Ka-naombo (@grupokanaombo) nasceu nos anos 90 através de uma iniciativa do movimento negro de Curitiba. O grupo tinha e tem o intuito de combater as injustiças através da dança, do canto e do teatro |
Feira Afroempreendedorismo | A feira realiza suas atividades em média uma vez no mês. |
Rede de Mulheres Negras | A rede de mulheres Negras efetua suas reuniões todo o primeiro sábado do mês |
FONTE: Tabela adaptada do trabalho de Gláucia Pereira do Nascimento
Outro ponto relevante no estudo é a Linha Turismo de Curitiba. Glaucia destaca que o trajeto do ônibus prestigia diversos grupos migratórios, mas não favorece a cultura negra da cidade. A Sociedade 13 de Maio é uma das territorialidades analisadas que poderiam ser mais valorizadas, segundo a pesquisadora. O espaço é histórico na cidade e sedia a Um Baile Bom, festa idealizada por Brenda, também presente no episódio do Bate Pop.
Pretitude curitibana e outras histórias
O ponto de convergência entre os estudos das convidadas é a existência de uma Curitiba preta e a investigação da história que tentaram apagar. Um Baile Bom, que tem como objetivo a afirmação e a conscientização racial, teve sua primeira edição em abril de 2015.
Nesse espaço, negros e negras podem (re)afirmar suas identidades, a partir de música e dos passinhos, fazendo referência aos bailes negros das décadas de 1970 e 1980. Essa iniciativa vai ao encontro da perspectiva dos estudos de Glaucia e contribui com a ampliação do acesso e a divulgação da temática.
O Livro “Dos traços aos trajetos: Curitiba Negra entre os Séculos XIX e XX”, que também virou site, foi escrito por Brenda dos Santos, Geslline Braga e Larissa Brum. As autoras exploram a relação entre a abolição e a fundação da Sociedade Operária 13 de Maio, seus tempos de glória e dificuldades ao longo dos séculos, além de lançar um olhar sobre a sociedade e segregação da época.
Assista o Bate Pop AE
Confira o Episódio Completo e todas as discussões trazidas por essas especialistas no 4º episódio do Bate Pop AE: “CWBlack: pretitude curitibana e outras histórias”.