Por Priscila Murr
Fotos: Giovani Pereira Sella e divulgação
Supervisão: Maíra Gioia
Atendimento é concentrado na Sala 28, um espaço aberto de acolhimento e integração na UFPR
Esta história começa há mais de dez anos. Muito trabalho, erros e acertos a compõem. Os resultados ultrapassam quaisquer porcentagens: trata-se de vidas que são renovadas. A esperança paciente de um futuro melhor materializada no esforço de uma equipe que acredita. Porque o mundo é mesmo salvo dia após dia por gestos aparentemente pequenos, mas que fazem transbordar o coração.
Desde setembro de 2013, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) integra a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM). Regulada pela Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (ACNUR), a iniciativa visa à promoção da educação, pesquisa e extensão acadêmica voltada à população em condição de refúgio.
É, em outras palavras, um convênio entre a UFPR e a ONU. A parceria surge a partir do número crescente de pessoas que deixam seus locais de origem por situação de ameaça à vida, à liberdade, à segurança ou a seus direitos básicos como cidadãos. Com a chegada dessas populações a Curitiba, a UFPR garante acolhida, mapeando as principais demandas, a fim de promover ações para o desenvolvimento de políticas públicas que contemplem os refugiados. O trabalho é realizado na Sala 28 do Prédio Histórico da UFPR.
Uma universidade que abraça
Depois de longa viagem, encobertos por um céu não tão azul assim, os imigrantes precisam estabelecer uma comunicação mínima com o povo curitibano. Por isso, a primeira ação desenvolvida foi um curso de português, realizado pelo Departamento de Letras da universidade. Ao passo do desenvolvimento das aulas, percebe-se outras necessidades do público. Para além da acolhida, assessoria jurídico-administrativa e orientação psicológica figuram como fundamentais no processo de adaptação.
Elaine Cristina Schmitt Ragnini, integrante do Programa Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB) desde 2014, é professora do departamento de psicologia e também coordenadora o Projeto Movimentos Migratórios e Psicologia (MOVE). Ela conta que, logo no início dos trabalhos, os colegas de Letras e de Direito perceberam a necessidade da integração com a Psicologia.
“Com o passar dos anos, outros cursos foram sendo chamados para trabalhar com a Cátedra. Então, psicologia foi chamado em função dos eventos traumáticos relativos ao terremoto do Haiti, à guerra da Síria e à todas as situações de violência e violação dos direitos humanos que os migrantes passavam. E, aí, a gente foi agregando, tem sociologia, história, informática, medicina”, lembra.
“A UFPR é referência nacional e internacional para política de inclusão de migrantes e refugiados na universidade”, garante Ragnini.
A interdisciplinaridade do trabalho realizado na Sala 28 permite muito mais do que a recepção dos quase mil refugiados e migrantes todos os anos. Vai além: é a inserção social com possibilidade real de sentimento de pertença; é a independência financeira pela revalidação do diploma estrangeiro, garantindo o exercício da profissão outrora escolhida; é o sorriso no rosto e a certeza do futuro melhor.
…e mais de dez anos depois
Dos aproximadamente 32 mil estudantes matriculados na UFPR, quase 100 são refugiados ou migrantes em 2024. O montante é de aproximadamente 3%. Em números absolutos, pode até parecer pouco, mas não há porcentagem capaz de competir com a sorriso de Lúcia Loxca, a primeira refugiada a estudar na UFPR e concluir sua graduação em Arquitetura e Urbanismo, em 2017; ou com a emoção de Emr Houdaifa, primeiro refugiado a receber o título de Mestre (2020) e Doutor (2024) pela UFPR; ou mesmo com a satisfação de Rafael Alejandro Reina Brito, refugiado que cursa psicologia e atua na própria Sala 28, contribuindo para o acolhimento de seus pares.
A professora Elaine fala, ainda, do vínculo que se estabelece com a UFPR. Mesmo que muitos dos refugiados acabem migrando novamente após concluir os estudos, ela aponta para o desejo de continuidade do trabalho.
“A gente ainda não tem um programa sistematizado para acompanhamento dos egressos, mas a minha ideia é desenvolver isso, então, o que acontece são contatos esporádicos, mas os jovens têm total acesso à Sala 28 em qualquer momento que precisarem”, assegura.
“Eu fico feliz por poder receber, acolher, orientar com o que eu sei e dar a possibilidade de uma outra condição, uma vida digna a esses migrantes e refugiados”, diz Ragnini.
Além das aulas de português, do atendimento jurídico-administrativo e da orientação psicológica, todos os refugiados e migrantes que buscam apoio na UFPR em 2024 têm a oportunidade de acesso ao ensino da computação, aulas de produção de texto, orientação de saúde, auxílio em caso de violências, acompanhamento acadêmico desde o registro na universidade e, claro, muito amor por parte de todos aqueles que atuam na Sala 28.
Semana do Migrante na UFPR
Celebrando a diversidade étnica, cultural e individual, e para evidenciar o “Dia Mundial do Refugiado” (20/06), bem como o “Dia do Imigrante” (25/06), o MOVE UFPR promove a “Semana do Migrante”, com o objetivo de reflexão sobre a importância da presença dos migrantes em nosso país. E a Agência Escola UFPR apresenta histórias daqueles que vieram para o Brasil a fim de recomeçar, ultrapassando as dificuldades enfrentadas em seu país de origem, e encontraram, na educação, todo o aconchego da Sala 28 da UFPR.
Acompanhe, nos próximos dias, relatos de refugiados ou migrantes em forma de perfil.
Você sabe qual é a diferença entre “migrante”, “imigrante” e “refugiado”?
Migrante: aquele que se transfere de seu local de origem para outro lugar, região ou país, nem sempre em condições legais.
Imigrante: quem se desloca legalmente e passa a morar em um país estrangeiro.
Refugiado: pessoa que foge de uma guerra ou perseguição e cruza uma fronteira internacional. Todo refugiado é um imigrante, mas nem todo imigrante é refugiado.