Por Alana Morzelli
Fotos: Giovani Pereira Sella e arquivo pessoal
Supervisão: Maíra Gioia
A síria Lucia Loxca morava em Alepo e abandonou a cidade após a universidade onde estudava ser bombardeada em 2014
A vida de Lucia Loxca em Alepo, na Síria, era comum. Estudava arquitetura, tinha amigos e família por perto, a típica vida universitária. Porém, assim como outros 6,6 milhões de refugiados sírios, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), Loxca teve seus planos de vida interrompidos pela guerra. Em 2011, quando a série de protestos contra o governo de Bashar al-Assad começaram, no contexto da Primavera Árabe, ela pensou que a situação seria resolvida rapidamente. No entanto, os conflitos se agravaram e a cidade onde vivia se tornou extremamente perigosa. Lucia precisou interromper os estudos no terceiro ano do curso, quando sua universidade foi bombardeada.
Em 2014, com seus sonhos paralisados pelo risco iminente, ela e o marido decidiram vir ao Brasil junto com sua família. Eles escolheram Curitiba em uma decisão rápida feita na embaixada enquanto preenchiam um formulário. O acolhimento e carinho do povo curitibano os deixaram aliviados. Mas, apesar de estar segura, ela ainda não se sentia completa e desejava realizar seu sonho de ser arquiteta.
Loxca buscou diferentes formas de retomar sua formação, mas teve um pedido negado em uma universidade particular. O argumento foi a de que ela não sabia a Língua Portuguesa. O sonho começou a se concretizar quando foi aceita na Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio da parceria existente entre a universidade e a ONU. Com 23 anos, ela pôde prosseguir seus estudos no Brasil.
Sem compreender a língua, contou com a solidariedade de seus colegas de sala e professores que, durante seu primeiro semestre, traduziam as aulas, atividades e provas para o inglês, até que pudesse aprender o português. Com aulas no Centro de Línguas e Interculturalidade (CELIM), um projeto da UFPR que ensina diversas línguas, ela aprendeu o idioma e pôde acompanhar a graduação.
“O apoio maior que eu recebi foi dos colegas na faculdade, dos professores, que me apoiaram muito para conseguir andar junto com os meus colegas, como eu não falava a língua. Então, foi difícil um pouco”, conta.
Lucia Loxca não sabia que, ao se graduar, ocuparia o lugar de primeira refugiada a se formar na UFPR. Ela conta que sentiu uma forte responsabilidade e honra ao descobrir o fato. Ficou muito feliz por ser reconhecida e poder representar e inspirar tantas pessoas.
“Eu senti muita honra do Brasil, da Federal, que me deu essa vaga, que me deu essa oportunidade de continuar realizando o meu sonho. Eu sinto muito orgulho de representar meu país e todas as mulheres refugiadas. Nós conseguimos realizar nossos sonhos e conquistar nosso desafio”, afirma.
Hoje, 10 anos após sua chegada ao Brasil, com seus dois filhos nascidos aqui, Júlia e Pedro, Lucia reflete sobre todo o percurso, sente orgulho de si mesma, da família e de todos os refugiados que conseguiram realizar seus sonhos no Brasil. A arquiteta também resgatou as origens no trabalho de conclusão do curso: um projeto de um centro de acolhimento para os refugiados em Curitiba, cidade que a acolheu e se tornou sua casa.
“Durante todo o meu estudo, até chegar ao 5º ano com o TCC, apresentado inteiramente em português, mostrei não só para mim, mas para o mundo inteiro, que nós conseguimos realizar nossos sonhos, apesar de estarmos fora do nosso país”, diz.
Mesmo estando longe de sua terra natal, Loxca busca manter suas raízes ao ensinar árabe aos seus filhos e tocar músicas e instrumentos sírios com o Trio Alma Síria (@trio.alma.siria), além de manter a culinária. Essas são formas de garantir que os elementos de sua vida na Síria sejam mais do que apenas memórias, mas façam parte de seu dia a dia.
Semana do Migrante na UFPR
Celebrando a diversidade étnica, cultural e individual, e para evidenciar o “Dia Mundial do Refugiado” (20/06), bem como o “Dia do Imigrante” (25/06), o MOVE UFPR promove a “Semana do Migrante”, com o objetivo de reflexão sobre a importância da presença dos migrantes em nosso país. E a Agência Escola UFPR apresenta histórias daqueles que vieram para o Brasil a fim de recomeçar, ultrapassando as dificuldades enfrentadas em seu país de origem, e encontraram, na educação, todo o aconchego da Sala 28 da UFPR.
Acompanhe, nos próximos dias, mais relatos de refugiados ou migrantes em forma de perfil.