Por Giovani Pereira Sella
Fotos: Giovani Pereira Sella
Supervisão: Maíra Gioia
O jornalista e advogado Amr Hdiefa fugiu dos conflitos sociais e políticos da Síria e fixou residência em Curitiba depois de ficar dois anos no Líbano
Amr Hdiefa atua na área do Direito Internacional. Ele nasceu e cresceu na Síria em meio à realidade de uma vida camponesa. Ainda em seu país, se formou jornalista e advogado. Saiu da sua terra natal em 2013, devido a guerra civil síria, que começou dois anos antes. A primeira parada foi no Libano, pais vizinho no qual trabalhou como jornalista. Descreve a situação dos sírios no Líbano como “miserável” por causa do preconceito e da discriminação. Hdiefa conta que escreveu e publicou um artigo que desagradou políticos e, por isso, foi obrigado, mais uma vez, a trocar de país. Ficou em solo libanês por menos de dois anos até vir para o Brasil, o único país que lhe concedeu um visto.
Na companhia do irmão, veio diretamente para Curitiba (PR). A primeira dificuldade foi a Língua Portuguesa. Também não conhecia os costumes e não tinha conhecidos quando aqui aterrizou. Amr passou por situações que nunca havia imaginado. Nas primeiras quatro noites na terra do pinhão não tinha para onde ir. Acabou dormindo em meio a desconhecidos na praça Tiradentes, no centro da capital paranaense. Mas foi bem ali que conheceu quem o ajudaria nos dias seguintes. Com o auxílio do “Inglês”, um homem em situação de rua que incorporou o papel de tradutor, conseguiu alugar a primeira casa aqui no Brasil. Contou ainda com o auxílio financeiro de um irmão, que havia se mudado para Inglaterra anos antes.
Ganha-pão
No Brasil, exerceu muitas atividades para se sustentar. O primeiro ganha-pão foi justamente a venda de pães árabes que fazia em sua casa. Mas também foi pedreiro, ajudante de obra, instalador de mármore e faz-tudo. A primeira vez em que entrou pelas portas do prédio histórico da UFPR foi para participar de um evento sobre refugiados. Amr confessa que foi pela comida oferecida pelos organizadores e não pelo conteúdo. Mal sabia que seria ali que iria conhecer o seu futuro orientador de mestrado e doutorado, o Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel. Amr é o primeiro mestre e doutor na condição de refugiado da UFPR. Ele realizou pesquisas na área do Direito Internacional.
Atualmente trabalha em uma fábrica de carvão para narguilé de um de seus irmãos. Mas também é voluntário. Amr ajuda outros refugiados a encontrarem locais seguros para trilhar a vida. Já ajudou mais de 100 pessoas a se regularizarem no Brasil com a emissão de documentação, o ingresso em universidades e a tradução de entrevistas. A fábrica na qual trabalha foi montada no contexto da pandemia de Covid 19, quando as importações de carvão estavam caras e difíceis de serem feitas. Relata que foi lucrativo por bastante tempo, mas agora já não é mais. Apesar disso, não pretende encerrar as atividades.
“Temos 18 famílias que dependem dessa fábrica, não podemos fechar”, diz.
Família e amigos
A relação familiar para os sírios é de uma importância ímpar. Amr é muito ligado com a família, ainda que distante. A mãe ainda exerce o cultivo de uvas e maçãs e o pai faleceu recentemente. Os dois, segundo o que Amr inseriu no agradecimento da sua dissertação, são seus professores de “dignidade e generosidade”. Possui outros três irmãos: Faiz, que voltou para Síria, Fares e Baha. É casado há cinco anos com Maram, uma farmacêutica síria formada pela UFPR e nascida no mesmo vilarejo que Amr. Juntos tiveram um casal de gêmeos aqui no Brasil: Fares e Yafa.
Amr, nos 9 anos que está no Brasil, só pôde visitar a Síria em duas ocasiões: em 2022 e 2023. Pretende voltar para síria com sua mulher e filhos nos próximos anos. Agora possui doutorado e pode ser professor. Quer que seus filhos cresçam onde ele, seus pais e seus avós também cresceram, no vilarejo camponês que é mais antigo que o Brasil colonizado.
Questionado sobre o momento mais difícil de sua história, Amr conta que foi o desfecho do amigo de infância Almas, que nasceu no mesmo vilarejo e era recém-formado em Engenharia da Computação quando chegou ao Brasil no dia 11 de março de 2018. Sete dias depois Almas teve uma parada cardíaca e morreu.
“Ele precisava muito viajar e quando chegou ao Brasil pensamos que havíamos salvado a vida dele. De repente, uma semana depois ele faleceu”, conta
No seu tempo livre, produz conteúdo para a internet. Foi administrador de uma página com 180 mil seguidores no facebook chamada “O marxismo e o povo”. Segundo Amr, a página ficou ativa por 6 anos até ser derrubada por motivos políticos. Atualmente é idealizador de um canal que discute política em seu primeiro idioma, o árabe. O canal se chama Projeto Aurora – nome inspirado no navio conhecido por ser o estopim da revolução soviética.
“Acredito no papel do indivíduo na história. No meu papel na luta de classes. No meu papel na minha família”, afirma.
Não surpreende quando conta que gosta de filmes de geopolítica. Amr é produto dos conflitos do mundo. É abertamente comunista e filiado desde os 17 anos ao Bakdash (Partido Comunista Sírio). Teve contato com a ideologia leninista-marxista ainda na realidade camponesa. Não é religioso e se identifica como um homem da ciência. Devido ao conflito que presenciou e a situação política que o tornou refugiado, ficou receoso em suas respostas quando questionado sobre o tema.
As falas de Amr são coesas e certeiras, porém, ainda assim, delicadas. Vive pelas causas que luta e que segundo ele “valem a pena morrer”. Durante a entrevista para a Agência Escola UFPR, Amr mostrou um sorriso amigável quando precisou mostrar resistência em contar os detalhes de sua trajetória. Uma atitude aceitável de alguém enfrentou tantas situações extremas. Como jornalista e advogado internacional, Amr é resiliente, cativante e destemido ao deixar claro os seus ideais durante uma conversa amigável sentado em um banco do prédio histórico da UFPR com vista para a Sala 28, onde se concentra toda a ajuda a estrangeiros com questões burocráticas.
Semana do Migrante na UFPR
Celebrando a diversidade étnica, cultural e individual, e para evidenciar o “Dia Mundial do Refugiado” (20/06), bem como o “Dia do Imigrante” (25/06), o MOVE UFPR promove a “Semana do Migrante”, com o objetivo de reflexão sobre a importância da presença dos migrantes em nosso país. E a Agência Escola UFPR apresenta histórias daqueles que vieram para o Brasil a fim de recomeçar, ultrapassando as dificuldades enfrentadas em seu país de origem, e encontraram, na educação, todo o aconchego da Sala 28 da UFPR.
Acompanhe, nos próximos dias, mais relatos de refugiados ou migrantes em forma de perfil.