Por Flávia Cé Steil, Joana Giacomassa e Leticia Negrello
Edição: Alice Lima
Fotos: arquivos pessoais
Durante o período pandêmico, mais do que nunca, os brasileiros estavam atentos às falas de cientistas, em especial, da área da saúde – médicos, infectologistas, epidemiologistas, virologistas, biomédicos, biólogos e outros. Alguns até se tornaram celebridades naquele momento. Mas o protagonismo e prestígio da produção de ciência e seus atores, infelizmente, nem sempre foi uma realidade nos discursos e recursos políticos do país.
Os anos anteriores e seguintes à pandemia foram momentos de muita instabilidade para as universidades públicas brasileiras – responsáveis por quase 95% da produção de ciência no país – que sofreram diversos ataques simbólicos e contingenciamentos orçamentários.
Foi neste contexto, em 2018, que nasceu a Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica da UFPR. A “AE”, como é carinhosamente chamada por seus integrantes e bolsistas, surge com o objetivo de realizar um trabalho de posicionamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) como ator relevante no cenário regional, nacional e internacional ao conferir maior visibilidade à produção científica e cultural nela desenvolvida ou por ela estimulada.
AE em ação na pandemia: trabalho realizado no período foi fundamental para formação dos bolsistas.
Cinco anos se passaram desde então e muita coisa mudou: na AE, no Brasil, no mundo e, inclusive, nas pessoas. Fazem parte da história da AE mais de 100 bolsistas de oito cursos de graduação e três pós-graduações. Mas mais do que isso, muitos também tiveram sua trajetória pessoal, acadêmica e/ou profissional marcada pela Agência.
O slogan da campanha institucional deste ano em comemoração aos cinco anos é: Movimente o futuro. Inspire ciência. E para além de tudo que já foi divulgado e produzido, movimentar o futuro e inspirar ciência é, também, traçar novos futuros possíveis para inúmeros jovens estudantes que passaram por aqui e carregam até hoje, consigo, frutos do aprendizado na AE. Nesta reportagem, há cinco histórias de jovens muito diferentes, mas que têm em comum o carinho e gratidão por sua trajetória com a AE.
O início da luta pela ciência
Yasmin Fabris tem 30 anos e é natural de Francisco Beltrão, no interior do Paraná. Veio para Curitiba no ensino médio, graduou-se em Design pela UTFPR e por lá também tornou-se mestre em Tecnologia e Sociedade. Sua história na UFPR começou em 2017, instituição que conferiu a ela o título de doutora em Design. Yasmin foi bolsista de pós-graduação da Agência do fim de 2018 até parte de 2019 e pôde presenciar o início do projeto. Ainda que por pouco tempo, ressalta a importância das ações realizadas no momento sensível em que o país e as universidades se encontravam:
“Lembro dos primeiros contingenciamentos do governo Bolsonaro em que tivemos uma reunião emergencial justamente para tratar da importância da divulgação científica neste contexto, para que fosse dada devida relevância ao papel social da universidade pública, que estava sendo tão atacada naquele momento. Tivemos ações que destacavam esse papel, tanto a nível de hospitais universitários, ações extensionistas, descobertas científicas e uma série de outras informações que, por diversas vezes, não chegavam até às pessoas.”
A pesquisadora, que saiu da Agência para começar outro doutorado em Ciências Sociais na Universidade do Chile, comenta sobre sua ação preferida durante o período na AE. “Uma das primeiras ações que a gente desenvolveu em reação aos cortes nas universidades em 2019 foi uma série de lambes chamativos que condensam números, estatísticas e dados que destacavam a importância da UFPR no contexto estadual e nacional.
“Foi um trabalho bem legal que eu lembro com carinho, especialmente pela ideia de que as pessoas podiam difundir pelas ruas essas informações, para que a comunidade de fora da academia também pudesse entender o alcance que a universidade tem no dia a dia delas.”
A ação a qual Yasmin se refere foi parte da campanha #UniversidadePública #EuDefendo. O material circulou nas ruas e na internet e pode ser acessado na íntegra aqui.
Leitora, corredora, pesquisadora, doutora, mãe de pet — os vira-latas Shoyo e Camino —, apaixonada por natureza e, agora, professora da instituição de ensino que tanto se orgulhou em defender. Atualmente, Yasmin é professora adjunta do Departamento de Design da UFPR e ministra disciplinas como História do Design e Teoria da Arte. Como docente, ela comenta a importância da AE também na integração do Setor de Artes, Comunicação e Design, por abrigar bolsistas de todos os departamentos.
“Nosso setor tem uma característica que cada departamento fica em um cantinho diferente da cidade, né? Então acho que a Agência Escola, além do papel fundamental que desempenha na universidade, também tem um papel muito importante para o nosso setor de aglutinar esses estudantes e possibilitar uma multidisciplinaridade essencial.”
Uma outra grande defensora da Universidade e bolsista da mesma época da professora Yasmin é Karen Sailer, jornalista, de 26 anos, que passou pela AE quase no fim da sua graduação em jornalismo e relembra o quanto a Universidade e o projeto mudaram os caminhos da sua vida.
“A UFPR me formou como pessoa e a Agência Escola foi parte essencial desse processo. Quando eu entrei na faculdade, tinha um pouco de medo do jornalismo de ciência e no fim da graduação eu já tinha feito um pouco de tudo, menos isso. Tinha medo desse processo de traduzir a linguagem científica pra população, achava que não ia conseguir, mas quando eu entrei na AE, foi o oposto disso. Eu me apaixonei pela comunicação de ciência em todas as suas vertentes e foi aí que eu percebi: é isso que eu quero pra minha vida, levar a ciência pra vida das pessoas.”
Karen se tornou mestre em Ciências da Comunicação – Cinema e TV pela Universidade Nova de Lisboa e sua dissertação teve como tema “Ciência no TikTok: o uso da plataforma como suporte midiático para divulgação científica”. Atualmente, atua em Eventos Técnicos e Científicos na Fiocruz Paraná — Instituto Carlos Chagas. A jornalista, que é natural de Florianópolis (SC), apaixonada por música, fotografia, viagens e sua gata, conta que mesmo antes de entender o que é comunicação de ciência, já a fazia.
“Lembrei que quando eu estudei no Sesi no ensino médio eu era de um projeto de divulgação científica, mas não sabia nem o que era isso. O projeto se chamava Sesi Amiga, a gente tinha aula de educação sexual com nossa professora e aí íamos em outras escolas e projetos de meninas mais novas e a gente tirava dúvidas sobre o tema. Era uma conversa de menina pra menina mesmo. Porque muitas vezes não são coisas que as meninas se sentem confortáveis pra falar na sala de aula. Eu sempre fui apaixonada por aquele projeto, sabia que queria levar conhecimento pras pessoas, por isso entrei no Jornalismo, mas com a AE eu tive certeza de que queria trabalhar com comunicação de ciência”.
Em sua época de AE, Karen atuou veiculada à UFPR TV e relembra dois produtos que teve mais orgulho em participar: a série “Juntas”, que tinha como objetivo dar voz às mulheres que lutam coletivamente por seus direitos dentro e fora da UFPR. Cada episódio contava um pouco da história e das pautas de diferentes coletivos feministas da universidade; e o Primeira Pesquisa, programa que abordava as atividades científicas iniciais de estudantes e ex-estudantes da graduação sobre diversos temas trabalhados durante seus TCCs ou ICs.
Você pode conferir a playlist do Juntas aqui. E a primeira e segunda temporadas do Primeira Pesquisa, aqui.
Uma luta ainda maior é travada
Em 15 de março de 2020, as atividades da Universidade Federal do Paraná foram suspensas por conta do coronavírus. Na época, acreditava-se que seriam 15 dias dentro de casa, mas o que se sucedeu foi uma pandemia que matou, só no Brasil, mais de 700 mil pessoas e, mundialmente, mais de 5 milhões. As universidades e institutos federais que em 2019 começaram a travar uma luta contra o governo, no que ficou conhecido como Tsunami da Educação, agora teriam de lidar com um inimigo ainda mais mortal, adaptar todo o seu sistema de ensino para o formato online e, ainda, contribuir para o estudo e compartilhamento de informações sobre esse novo vírus.
Breno Antunes é jornalista, tem 22 anos, é natural de Ponta Grossa, já trabalhou na Fundação Cultural de Curitiba, no portal G1 e atualmente é trainee da Folha de São Paulo. O jovem era estudante de graduação na UFPR e bolsista da Agência Escola quando a pandemia chegou ao Brasil.
“O cenário da UFPR já estava um caos. A gente corria o risco de fechar se o dinheiro contingenciado não voltasse, era muita instabilidade. Eu lembro até hoje, era uma sexta-feira e estávamos na antiga sala da AE quando ficamos sabendo que a UFPR ia paralisar as atividades por causa da covid. Esse momento me marcou muito porque acho que ali começou também uma nova fase da Agência Escola, da UFPR, da ciência brasileira e do Brasil”.
O jornalista lembra da dificuldade pessoal que foi se adaptar ao cenário pandêmico, mas também ressalta a importância da divulgação científica neste período.
“No início foi muito difícil, eu tinha dificuldade de produzir em casa, saudade das pessoas, muitos sentimentos ruins, eu adorava ir pra Sucom [Superintendência de Comunicação Social e Marketing] e fazer pauta, visitar outros campi. E do dia pra noite, eu tava sozinho com meu celular e computador e todo mundo foi ficando maluco, sabe? Acho que pra gente que é jovem era uma sensação de que uma parte da nossa juventude foi roubada. O que deu uma força pra gente naquele momento foi justamente entender que a UFPR estava produzindo muita coisa para gente se proteger da pandemia e aquilo precisava muito ser divulgado.”
O jovem relembra uma reportagem feita em um momento que o álcool gel estava em falta no mercado e a preços muito altos. “Lembro que um laboratório UFPR conseguiu fazer uma grande produção para hospitais e postos de saúde”.
Kamilla Schreiber é formada em Comunicação Institucional, atualmente estudante de Ciências Sociais, tem 23 anos, entrou como bolsista do núcleo de Planejamento, como social media, um mês antes da paralisação das atividades da UFPR e também comenta sobre o quanto fazer parte da AE a ajudou a encontrar sentido em um momento tão difícil.
“Durante a pandemia a Agência teve um grande papel pra mim, eu precisava ter um objetivo. Além de ocupar a cabeça, era algo que eu considerava muito importante, porque a gente focou bastante na pandemia e em saúde, eu sentia que eu tava fazendo alguma coisa para ajudar as pessoas. Eu mesma aprendi muito sobre o tema com as produções da AE”.
A comunicadora também conta que, além de todo o aprendizado profissional que a AE proporcionou, o ambiente acolhedor foi algo que a marcou pessoalmente e ajudou a enfrentar momentos difíceis, como a pandemia.
“A universidade é um local que tem muitas possibilidades de adoecer, pela quantidade de coisas, inseguranças, competitividade e acho que realmente a Agência tem esse diferencial do acolhimento. Em outros lugares que eu frequentei na universidade não tinha essa preocupação com as pessoas que estão ali participando do projeto. Me marcou muito e foi importante pra mim encontrar um lugar que se importa não só com o resultado do que vc ta fazendo, mas também com o seu bem-estar.”
Movimente o futuro. Inspire ciência.
Ana Polena tem vinte e quatro anos, é artista, apaixonada por livros, arte têxtil, animais, jogos e cultura pop, atualmente é graduanda de Artes Visuais pela UFPR e Design Gráfico pela Uninter e bolsista do núcleo de Design e Criação da Agência Escola. É, também, a bolsista atual com mais tempo de casa e costuma brincar que é a anciã da AE.
A estudante entrou na Agência já no período de pandemia, em 2021 e, portanto, passou um bom tempo trabalhando de forma remota. Ela conta que uma das suas melhores lembranças foi o primeiro dia de volta ao presencial, quando pôde conhecer os rostos das pessoas a quem já tinha se afeiçoado por trás das telas. Nessa trajetória, a artista diz que o “Pergunte ao Cientista” é o seu produto preferido da Agência Escola justamente por tirar as dúvidas da população, levar até os cientistas e transformar em uma resposta acessível.
“O mundo estava em crise e ninguém sabia direito o que estava acontecendo e o que pensar e o trabalho da AE em relação às fake news durante a pandemia foi extraordinário. A gente passou a tratar quase exclusivamente deste tema e a gente nunca precisou discutir com ninguém, nem difamar ou prejudicar ninguém. Mesmo quando tratamos de assuntos políticos, nós trouxemos à luz da ciência em um momento tão difícil, pudemos mostrar que a gente não faz balbúrdia, a gente faz pesquisa e ciência”.
Como estudante de Artes, o seu campus é no Batel, e ela agradece à Agência pela oportunidade de conhecer mais do Setor e das pessoas que nele estão, além de comentar que “é um ambiente de qualidade profissional, que temos muito preparo, auxílio e formação”, além de existir muito incentivo para “entender o que você gosta na sua área e criar confiança”. A jovem se considera mais introvertida e tímida e ressalta que “nunca teria conhecido meus melhores amigos se não fosse pela AE, porque eu não frequentava o campus deles.”
Ela também fala com muito carinho do acolhimento que recebeu no projeto. Um ponto citado por todos os personagens desta reportagem. Nos últimos cinco anos, o mundo e o Brasil passaram por diversas crises: econômica, de desinformação, política, sanitária e diversas outras, mas para os mais de 100 jovens que passaram por aqui, a AE trouxe perspectivas de mudança e futuro. Um futuro onde todos inspiram ciência.
“Por mais que a essência seja um negócio super profissional, a melhor coisa que eu tirei da AE são as relações. É um lugar que dá pra saber que as pessoas se acolhem e elas estão interessadas em quem você é, do que você gosta e não só no que você tem a oferecer”, reforça a estudante de Artes Visuais.