Fio da Ciência – Opinião
Por Helen Abdom – bióloga, pedagoga, mestra e doutoranda em Educação pela UFPR
Produção: Gabriel Domingos
Foto: Acervo Pessoal – Palestra Infância, Alfabetização e Autismo no Espaço Escolar
Eu me chamo Helen Abdom, sou bióloga, pedagoga, mestra e doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná. Além disso, sou uma mulher parda, autista nível um de suporte, com múltiplas neurodivergências e mãe de um menino autista nível 3 de suporte e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Essas condições e características implicam na forma como percebo o mundo de maneira distinta das outras pessoas. O mundo possui barreiras que me impedem de ter uma plena e efetiva participação na sociedade.
A pesquisa que trabalho hoje envolve um campo chamado de ecofenomenologia, a partir da fenomenologia, que nada mais é do que o estudo dos fenômenos e acontecimentos. Busca evidenciar os significados da experiência vivida no meio ambiente, respeitando cada um deles. Indo além de responder a dualidade ser humano x natureza, a ecofenomenologia visa desenvolver uma relação de pertencimento entre os seres envolvidos.
Esse texto não busca trazer explicações sobre as pesquisas ou teorias que estudo. Entretanto, é interessante refletirmos como e por quê enquanto mulher autista, TDAH e com transtorno do processamento sensorial, investigo de maneira etnográfica, no contato com a natureza, as relações estéticas e afetivas que crianças realizam no espaço escolar.
Pessoas com deficiência – visíveis ou invisíveis – que ocupam espaços em diferentes lugares, com diversas formações ou até mesmo sem formação nenhuma, são pessoas comuns e também são cientistas e acadêmicos. Estar dentro de uma universidade é estar em um espaço coletivo, no qual também compartilhamos questões políticas, éticas e estéticas – aqui falo no sentido de afecção/afeto. Sejam em grupos de pesquisas, em salas de aula, pelos corredores, no Restaurante Universitário (RU), nos eventos que participamos, nos artigos científicos que publicamos, tudo isso denota a nossa participação enquanto seres ativos e de direito na sociedade.
Mas agora gostaria de voltar à questão que fiz sobre como e por quê escolhi trabalhar com etnografia sendo uma pessoa autista, TDAH e com transtorno do processamento sensorial. A percepção possui influência de diferentes fatores, externos ou internos. Isso independente se você é uma pessoa com/sem deficiência ou neurodivergente. Mesmo que se busque ser imparcial é muito difícil, pois a sua concepção sempre vai estar ali. Suas ideias, história, visão de mundo vão interferir de alguma maneira, principalmente quando se refere a questões subjetivas. Isso não se trata de induzir respostas, mas de compreender que quando se observa um espaço estando nele, o ambiente não é mais o mesmo. Os seres que ali habitam não vão se comportar da mesma forma, pois a sua existência naquele lugar o modifica.
As barreiras que o mundo impõe para mim são inúmeras e não cabem aqui neste breve texto. Contudo, compreender a relação entre o ser humano e a natureza na infância no espaço escolar é dar voz às percepções de uma pessoa com deficiência que utiliza dos sentidos que a sociedade considera como “errados”, mas que na verdade são apenas desviantes do denominado padrão.
Pessoas com deficiência e neurodivergentes também produzem ciência e ciência de qualidade, em silêncio, muitas vezes invisíveis. Em cima de bancadas estudando DNA, fazendo divulgação científica em projetos, estudando sobre história da infância, alimentação saudável, farmacologia, fazendo residência em medicina, direito, entre tantos outros.
Eu poderia escrever sobre todos os cursos existentes, pois sei que tem ou teve pelo menos uma pessoa com deficiência em algum lugar fazendo o seu melhor e produzindo ciência à sua própria maneira. Agora pergunto a você que chegou até o final deste texto: será que você sabe quem é essa pessoa e o que você tem feito para dar suporte a ela?