Pesquisadores explicam como os dois universos se conectam e as consequências dessa relação
Por Cecília Comin e Murilo Ferreira
Fotos: Leonardo Calesso
Supervisão: Maíra Gioia
O 9° episódio do Bate-pop AE evidenciou a complexidade e a urgência de se discutir a relação entre aves e drones. Embora os drones representem um grande potencial transformador da tecnologia para a coleta de dados e na intervenção em prol da vida selvagem, é necessário muito conhecimento ecológico e comportamental das aves para que essa tecnologia seja utilizada de forma responsável. O diálogo entre os especialistas que participaram do episódio reforça que o futuro da conservação e do monitoramento das aves depende de uma abordagem multidisciplinar, em que a inovação tecnológica caminhe de mãos dadas com a especialização biológica e um sólido compromisso com a ética ambiental.

A reflexão sobre a junção de saberes para o futuro da conservação contou com a participação de Carlos Wroblewski, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb), e o ornitólogo especializado em aves migratórias e professor da UFPR, André Guaraldo. Eles exploraram a dinâmica de circulação de drones e aves (com enfoque nas que se deslocam em grandes distâncias) e as semelhanças entre o comportamento desses animais e a operação dos dispositivos voadores.
A conversa ainda abordou a utilização desse tipo de aparelho na pesquisa científica e como a biologia e a engenharia de drones colidem, nem sempre sem nenhuma inconveniência — como o birdstrike. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), desde 2012, o Brasil registra em média 2.100 colisões de pássaros contra aeronaves por ano. Confira abaixo alguns dos temas apresentados no episódio:
Drones como aliados da pesquisa e da vida selvagem

Ao apresentar sua pesquisa, Carlos Wroblewski trouxe à conversa o termo tomada de decisão mais que humana, uma perspectiva que reconhece que entidades não-humanas podem influenciar em projetos de design e nesse processo os humanos atuariam como facilitadores.
Essa abordagem sugere que os drones podem ser desenvolvidos para se integrar de forma mais harmoniosa com o comportamento animal, reduzindo impactos negativos e ampliando os benefícios para a pesquisa e a conservação. Com os avanços recentes, atualizações nos drones permitem com que eles tenham a capacidade de operar em ambientes complexos e identificar elementos cruciais – uma habilidade que se estende ao reconhecimento e estudo de aves em seus habitats naturais.
Essa visão ressalta o drone não apenas como uma máquina, mas como uma ferramenta inteligente capaz de aprimorar nossa compreensão e interação com o mundo natural. Podemos observar a versatilidade e o potencial ilimitado dos drones em diversas áreas, desde o monitoramento ambiental até aplicações militares, mostrando que a imaginação é o único obstáculo para seu desenvolvimento e aplicação.
“Na verdade, o drone é o mundo. A gente consegue monitorar milhares de coisas, o céu é literalmente o limite”, destaca o pesquisador.
Carlos também mencionou como a aviação se inspira no design natural das aves, citando como exemplo o famoso B-2 Spirit, cuja aerodinâmica remete ao voo de aves de rapina.
Aves, migração e o impacto da tecnologia
André Guaraldo complementou a discussão do vodcast ao trazer a perspectiva do comportamento das aves e os desafios que elas enfrentam em um mundo cada vez mais tecnológico. Sua ampla pesquisa abrange temas como a migração e a distribuição de aves, o uso de plataformas de ciência cidadã para estudar esses movimentos e análises sobre o modo com que fatores como o tamanho do bando e a perturbação humana afetam a vigilância de espécies ameaçadas.
O ornitólogo abordou o impacto de estruturas tecnológicas, como as turbinas eólicas, na fauna voadora, reforçando a necessidade de estudos ambientais rigorosos para o licenciamento de projetos que possam afetar rotas migratórias e os habitats. Um ponto crucial de seu trabalho, diretamente relacionado ao tema, é a validação de radares para contagem e identificação visual de espécies de aves durante a migração – processo onde aves são contadas por observadores e por drones.
Essa abordagem evidencia o drone como uma ferramenta promissora para aprimorar a precisão e a eficiência do monitoramento de aves, fornecendo dados valiosos para a conservação. No entanto, é importante destacar a falta de investimento nas tecnologias para esse monitoramento, uma realidade que contrasta com o cenário observado em países da América do Norte.
Um dos pontos mais relevantes trazidos por André diz respeito ao valor particular das aves e às suas contribuições para o equilíbrio ecológico. Ele ressalta a dificuldade de qualquer tecnologia replicar a complexidade desses serviços, o que reforça a importância de preservar a vida aviária em vez de tentar substitui-la.
“É muito difícil destituir tanto serviço em um sistema. Esses serviços prestados pela natureza em si são bastante relevantes, e fica meio obscuro às vezes, não fica tão exposto o que está acontecendo”, observa o professor.
Birdstrike
Mais ao final da conversa, o tema birdstrike foi abordado. Embora seja um fenômeno que ocorra com frequência, o professor André Guaraldo explicou que não representam uma preocupação significativa, pois essas colisões não têm muito impacto à segurança de grandes voos.
Já em relação aos drones, o pesquisador Carlos observa que, na maior parte das vezes, as aves optam por desviar do drone, evitando colisões. Ele explica que, essas aves podem interpretar o drone como sendo outro pássaro, e o comportamento quanto a isso varia de acordo com a espécie. Águias e outras aves de rapina, por exemplo, podem identificar pequenos drones como presas, enquanto urubus, ao perceberem o fluxo gerado pelo equipamento, podem até se juntar a esse movimento para descansar.
Bastidores

A integração entre os cientistas André Guaraldo e Carlos Wroblewski foi nítida e, depois de um troca produtiva de conhecimentos, os dois saíram dispostos a trabalharem juntos alinhando a atuação dos drones à pesquisa científica sobre aves.
O episódio Bate-pop AE: Ciência em Play “BIRD STRIKE | Como as aves e os drones coexistem” foi apresentado e mediado por Cecília Sizanoski, mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom) da UFPR e bolsista da parceria da Agência Escola UFPR com o Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (LAGEAMB), e pela professora Valquíria John, doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora do PPGCom e dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas da UFPR.
Confira o Bate-pop AE #09 na íntegra: