Por João Vítor Corrêa
Foto: Agência Escola UFPR
Supervisão: Maíra Gioia
Do Candy Crush ao console de última geração, os videogames estão em todos os lugares. Mais do que passatempo, eles movimentam bilhões de reais, criam novas profissões e moldam comportamentos. Mas também levantam questões delicadas: até que ponto a diversão é saudável? Os impactos dos games no cérebro, na saúde mental e na sociedade foram os temas centrais do episódio 10 do Bate-pop AE, vodcast da Agência Escola da UFPR.

O episódio reuniu o médico-psiquiatra Marco Antonio Bessa, professor adjunto do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR, com longa atuação em serviços e residências médicas voltadas à saúde mental, e o fisiologista Marcelo de Meira Santos Lima, professor associado do Departamento de Fisiologia e coordenador do Laboratório de Neurofisiologia da UFPR, onde pesquisa de que forma estímulos diversos impactam a atividade cerebral e moldam o comportamento humano. Eles interagiram com as mediadoras: Karin Cristina da Silva, que é relações-públicas e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPR, e Cecília Comin, que é graduanda em Jornalismo.
O programa transitou entre memórias afetivas, explicações científicas e críticas à indústria dos jogos, mostrando que a relação com os videogames é muito mais complexa do que parece.
Da paixão ao objeto de pesquisa
Karin Cristina levou o interesse pelos jogos para a vida acadêmica. Hoje ela pesquisa a inserção de mulheres negras na indústria gamer, seja como jogadoras profissionais, streamers ou narradoras.
“Muito da minha trajetória vem desse desejo de entender como acontecem as relações sociais dentro da indústria de games”, contou.
Ela também destacou como sua própria relação com os games mudou ao longo dos anos. Se na juventude passava noites em frente ao computador, hoje encara os jogos de forma diferente.
“Quando eu era mais nova, precisava jogar todo dia. Hoje, quase aos 40, consigo ter uma relação mais saudável, entender o jogo como hobby”, afirmou.
Essa mudança de perspectiva abriu espaço para refletir sobre como diferentes gerações lidam com os videogames. Para Karin, crianças e adolescentes são mais suscetíveis ao vício e a comportamentos problemáticos, enquanto adultos tendem a equilibrar melhor o tempo de tela.
O cérebro em jogo
A ciência ajuda a entender por que os games exercem tanto fascínio. Marcelo Lima, professor do Departamento de Fisiologia da UFPR, explicou que os jogos ativam o sistema dopaminérgico, responsável pelas sensações de prazer e recompensa.
“Quando falamos em passar de fase ou conquistar algo dentro do jogo, estamos falando em recompensa. O sistema dopaminérgico é recrutado e gera aquela sensação de bem-estar que nos faz buscar repetir a experiência”, explicou.
Segundo ele, essa ativação pode ser positiva, estimulando aprendizado e motivação. No entanto, em excesso, também pode reforçar comportamentos compulsivos. Pesquisas com jogos como Tetris já mostravam, nos anos 1990, alterações no padrão de atividade cerebral de jogadores.
Infância diante das telas
O psiquiatra Marco Bessa chamou atenção para os riscos do uso precoce de jogos e telas.
“Quanto mais cedo a criança for exposta, maior o risco de desenvolver algum tipo de dependência. O córtex pré-frontal só amadurece por volta dos 24 anos. Se essa área for estimulada de forma inadequada, há risco de gerar adultos imaturos emocionalmente”, alertou o professor.
Para ele, a questão não é demonizar os jogos, mas entender como utilizá-los de maneira equilibrada.
“Jogar faz parte da nossa formação humana. O problema não é o instrumento, mas o uso que se faz dele”, resumiu o psiquiatra.
Bessa também criticou situações em que a vida digital substitui a convivência presencial, como recreios escolares em que crianças ficam lado a lado, mas cada uma diante de sua própria tela.
Benefícios e desigualdades
Apesar das preocupações, os especialistas reforçaram que os videogames também oferecem oportunidades. Podem favorecer a socialização, especialmente na adolescência, fase marcada pelo isolamento.
“Mesmo quando o adolescente passa muito tempo no quarto, ele está interagindo com outros jovens, compartilhando interesses”, destacou Karin.
Além disso, determinadas tarefas visuais e motoras em jogos podem melhorar outras capacidades cognitivas, segundo Marcelo Lima.
“O potencial de produzir efeitos benéficos é grande”, afirmou.
O acesso, no entanto, ainda é restrito. Consoles, jogos e tecnologias de realidade virtual seguem inacessíveis para grande parte da população.
“Ser gamer virou até profissão, mas os equipamentos continuam muito caros”, observou Karin.
O jogo das apostas
Um dos pontos mais intensos da conversa foi a aproximação entre videogames e apostas online. Para Marco Bessa, o risco está no engano comum de acreditar que entender de futebol basta para vencer as probabilidades.
“O brasileiro acredita entender de futebol e acaba confiando que a aposta é segura. Mas é um engano: a probabilidade sempre favorece a banca”, disse.
Marcelo Lima acrescentou que a ligação entre apostas e futebol potencializa o problema.
“Existe um pareamento perverso quando a aposta se mistura ao futebol, que já é uma paixão nacional. Isso cria um efeito de confiança no apostador que é muito difícil de escapar”, analisou.
Entre diversão e dependência
Ao final do debate, o consenso foi de que o equilíbrio é o maior desafio. Os games podem educar, socializar e até auxiliar em terapias, mas também podem gerar isolamento, sedentarismo e dependência.
“O que não pode é substituir a vida virtual pela vida social”, concluiu Marco Bessa.
O episódio Bate-pop AE: Ciência em Play “Sequestro das mentes: bets, games e big techs” foi apresentado e mediado por Cecília Comin, graduanda de Jornalismo e bolsista da Agência Escola UFPR, e por Karin Cristina da Silva, doutoranda do PPGCom da UFPR, pesquisadora de gamers e autora da dissertação “Gamer, substantivo feminino: as expressões do net-ativismo de mulheres gamers em redes sociais digitais”.
Confira o Bate-pop AE #10 na íntegra: