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Pesquisadoras da UFPR resgatam histórias de mulheres artistas do Museu Paranaense

Livro e exposição revelaram o acervo pouco explorado de artistas, trabalhadoras e escritoras

 

Por Gabriel Costa 

Fotos: acervo pessoal e Grupo de Trabalho Modos de Vestir e Cultura Material e Gênero

Supervisão: Maíra Gioia

 

Em 1949, Simone de Beauvoir explorou a história da feminilidade e do apagamento das mulheres ao longo do tempo. O livro “O Segundo Sexo” revolucionou a maneira como o mundo é visto a partir de uma perspectiva de gênero. E, hoje, 76 anos depois, a obra continua mais atual do que nunca. Mas existem projetos que buscam minimizar os efeitos de séculos de esquecimento. E um deles nasceu na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O livro “As Histórias das Mulheres no Museu Paranaense”, que teve como organizadores a professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da UFPR Priscila Piazentini Vieira e o ex-diretor do Museu Paranaense Renato Carneiro, busca registrar, divulgar e dar visibilidade a um acervo pouco conhecido do Museu Paranaense relacionado à história das mulheres. Em especial, à artistas, trabalhadoras e representações femininas que não apareciam no circuito expositivo tradicional do museu, historicamente dominado por narrativas políticas e masculinas. O projeto teve início no Programa de Educação Tutorial (PET) de História da UFPR. Vinculado ao Ministério da Educação, o PET envolve estudantes de graduação em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os integrantes, sob orientação de um tutor, desenvolvem ações extracurriculares nesses três campos, com o objetivo de complementar sua formação acadêmica.

“As Histórias das Mulheres no Museu Paranaense” teve início entre os anos de 2014 e 2016, a partir da análise das fichas de acervo do Museu Paranaense. Durante esse trabalho, um grupo de alunas percebeu que havia um acervo significativo relacionado a mulheres, mas que era pouco conhecido, estudado ou exposto. A partir dessa constatação, a professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da UFPR Renata Senna Garraffoni, então coordenadora do PET, entrou em contato com a professora Priscila, que era recém-chegada ao Departamento de História. Juntas, perceberam o potencial de unir suas formações — museologia, arqueologia e estudos de gênero — para desenvolver um projeto que desse visibilidade às mulheres no circuito expositivo do museu. As duas, então, apresentaram a proposta a Renato Carneiro, diretor do Museu Paranaense na época, que acolheu a ideia e concedeu acesso à reserva técnica da instituição.

 

Projeto de extensão

 

Após a iniciativa, foi criado um projeto de extensão de mesmo nome, estruturado em três eixos temáticos de pesquisa: mulheres trabalhadoras; mulheres artistas; e moda e revistas femininas. Ao longo do processo, foram realizadas entrevistas com mulheres da comunidade, revisões nas fichas de catalogação do acervo e promovidas oficinas acadêmicas e rodas de conversa, que contribuíram para ampliar o debate sobre gênero e memória no espaço museológico. Segundo Priscila, “As rodas de conversa trouxeram um público muito mais diversificado do que se a gente fizesse só na UFPR. […] Isso acabou se tornando uma parte fundamental do projeto de extensão.”

O projeto foi um sucesso entre as alunas do curso de História, que puderam se aproximar de movimentos sociais e foram estimuladas a abordar novos assuntos em pesquisas acadêmicas. Para Priscila, foi surpreendente a disposição das extensionistas.

 

“Nos surpreendeu a disposição das estudantes em compartilhar o que pesquisaram e os materiais aos quais tiveram acesso, com o objetivo de tornar esse acervo mais conhecido e acessível para futuras pesquisas e para quem se interessar por ele”, afirma a professora.

 

Parte da exposição “As histórias das Mulheres no Museu Paranaense”. Foto: GT Modos de Vestir e Cultura Material e Gênero: A História das Mulheres no Museu Paranaense

 

Com o sucesso do projeto, as pesquisadoras conseguiram organizar uma exposição temporária, em 2018, com os resultados da pesquisa. O que era para durar um mês acabou sendo estendido por muito mais tempo, devido ao sucesso de público. Com isso, foi gerado um acervo inédito, com fotografias, vídeos e entrevistas.

Todo o material exposto veio da reserva técnica do Museu Paranaense, e grande parte nunca havia integrado o circuito expositivo. Entre as artistas selecionadas, estavam nomes como a pintora Iria Correia e a escritora Helena Kolody. Além de dar visibilidade a esse acervo inédito, a exposição inovou ao valorizar também as trabalhadoras do próprio museu, com um painel final composto por fotos de funcionárias da limpeza, segurança e conservação.

 

Os chapéus compõem o acervo de vestimenta do museu, geralmente doados por famílias de elite do Paraná. Foto: GT Modos de Vestir e Cultura Material e Gênero: A História das Mulheres no Museu Paranaense

 

Mais do que uma mostra de objetos, a proposta era provocar reflexão e diálogo. Como destaca Renata:

 

“A exposição foi pensada para ser um ponto de discussão e reflexão. Ela não era apenas uma apresentação.”

 

 

Livro

 

Para as professoras, a elaboração do livro foi um desdobramento natural do projeto de extensão e da exposição, não uma intenção inicial. A decisão de transformar a experiência em publicação surgiu diante da riqueza do material reunido, da boa recepção do público e da necessidade de registrar a memória do projeto. A obra foi dividida em cinco partes principais: Introdução histórica do museu — escrita por Renato Carneiro, contextualizando o Museu Paranaense; capítulo teórico-metodológico — escrito por Renata e Priscila, abordando os caminhos percorridos e as escolhas feitas ao longo do projeto; três capítulos temáticos — cada um correspondente a um dos eixos da pesquisa: mulheres trabalhadoras, mulheres artistas, e moda e revistas femininas (esses capítulos foram escritos por estudantes da graduação e da pós-graduação que participaram ativamente do projeto) e capítulo final sobre a exposição — também de autoria de Renata e Priscila, funciona como uma memória da montagem da mostra, incluindo fotografias, bastidores e metodologia curatorial. Houve ainda a inserção de um anexo com as entrevistas feitas e o registro de suas vozes.

O principal objetivo da obra é documentar a experiência coletiva do projeto e da exposição, além de tornar público o acervo pesquisado, facilitando futuras investigações. A publicação foi realizada pela Editora da UFPR, em 2022, com apoio institucional e bolsas de extensão. O livro foi pensado para ser acessível tanto à comunidade universitária quanto ao público geral, reforçando o caráter público, participativo e coletivo da iniciativa.

 

“A gente fez questão de fazer com que ele circulasse. […] A universidade aceitou publicar, e somos gratas por isso”, destaca Priscila.

 

“As Histórias das Mulheres no Museu Paranaense” é um reflexo de como funciona a pesquisa no âmbito de uma universidade: um projeto pode nascer de forma despretensiosa e ganhar corpo por meio de ações de extensão, programas como o PET e o diálogo com a comunidade externa. Mais do que seus resultados, o livro é um exemplo da importância de valorizar o processo científico em sua forma mais ampla.

 

Foto de destaque: Ellen Cunha do Nascimento

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