Por Priscila Murr, Alice Lima e Gustavo Beghetto Dias
Fotos: arquivo pessoal
Supervisão: Maíra Gioia
Ela optou pela pedagogia e conseguiu realizar o sonho de trabalhar com astronomia, tema pelo qual é apaixonada desde a infância
Roberta Chiesa Bartelmebs, professora. Ela quem disse que a sua biografia deveria começar assim e, se for pra Agência Escola UFPR elaborar um texto que fale sobre essa pedagoga – que na infância tinha o sonho de ser astrônoma, mesmo sem saber direito o que isso significava -, tem que ser desta forma.

“Por contexto social, eu não pensava ‘o que eu queria fazer’ além da possibilidade que me era apresentada naquela época: ser professora. E isso vem dos meus pais, porque eles eram trabalhadores braçais, então falavam: ‘estuda pra você ser como a sua professora’, e fui me encaminhando pra isso. Mas o que eu queria fazer, o que eu queria mesmo, era ser astrônoma. Eu nem sabia direito o que era ‘uma astrônoma’, mas queria ser porque via umas reportagens na televisão e achava tão legal…”, conta.
Roberta narra o início de sua juventude como um momento de descobertas. Mas não deixa de trazer boas pitadas daquilo faz de um adolescente, um adolescente: medos e inseguranças também fazem parte de sua história de realizações.
“Quando entrei no Ensino Médio, eu adorava. No primeiro ano, tive física pela primeira vez, e a professora trabalhava as Leis de Newton, por exemplo. Aquilo, pra mim, era maravilhoso! Eu tinha uns livros de Física, que eram de uma prima minha, ela me deu porque não usava mais, então comecei a olhar e achava tão legal… Tudo que tinha sobre astronomia eu ia lendo! Mas, quando chegou no segundo ano do Ensino Médio, eu já não dava conta daqueles conteúdos… E a gente não tinha vários professores, faltavam muitos, ou vinha um e já trocava. Aquela professora que eu tinha do primeiro ano, já não estava mais… começou a ficar tudo difícil, e eu me deparei com dificuldades para entender o conteúdo, não me sentia capaz. E comecei a pensar: ‘acho que isso não é pra mim?!’. Eu lembro claramente de pensar isto: ‘se eu não consigo entender isso, aqui, no Ensino Médio, imagina na faculdade, imagina o quanto vai ser mais difícil, eu não vou dar conta’. É muito comum as meninas e mulheres, quando vão ou desejam ir pra área de exatas e não têm nenhum incentivo, acabarem desistindo. Eu entrei nessa estatística!”, afirma.
Mas, se você está pensando que a Roberta não realizou o ‘sonho da astronomia’, tente criar em sua mente, mediante a leitura emocionada do trecho que segue, imaginando uma voz suave, com timbre que atinge notas médias e agudas com equilíbrio, o momento exato em que tais palavras são expressadas, com nostalgia, pela docente natural de Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul, para a Agência Escola.
“Eu sou formada em pedagogia. Na graduação, temos uma série de disciplinas que formam para atuarmos em instituições de ensino. E uma dessas é a Didática das Ciências. Foi nessa aula que eu falei: ‘bah, mas que interessante, trabalhar ciências!’. Eu já gostava bastante de temas relacionados à astronomia, e isso está bem presente no currículo dos anos iniciais… Lembro de fazer alguns trabalhos com uma professora que me encaminhou para uma outra, de outro departamento da universidade. Então, essa professora e o marido dela me levaram para fazer um tour no laboratório de física deles… eu nunca me senti tão acolhida. E ela me deu um livro, que tenho até hoje, guardadinho – na verdade é uma revista, mas era num formato de livro -, falando sobre o ensino de ciências nos anos iniciais. Ela falou: ‘você pode estudar isso aqui no mestrado, no doutorado…’. Foi aí que eu comecei. Já mais pro final da graduação, vi que tinha pessoas que estavam começando a pesquisar o ensino de astronomia nos anos iniciais, professores-pedagogos, e percebi as mesmas dificuldades que eu tinha com relação a conteúdo, insegurança de dar isso em sala de aula – e não só relacionado à astronomia, mas sobre todos os conteúdos de ciências que o professor dos anos iniciais tem que dar conta”, explica.
A cronologia, portanto, é esta: licenciada em Pedagogia pela Universidade de Passo Fundo (UPF); Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); professora adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Setor Palotina, no Departamento de Educação, Ensino e Ciências há cerca de dez anos, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Além disso, foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Educação Matemática e Tecnologias Educativas (PPGECEMTE) entre 2021 e 2024; de 2024 até 2026, está como vice.
Nesse entremeio, além de fazer parte da Sociedade Brasileira de Astronomia, a cientista atua continuamente num projeto de extensão chamado “Astro Pop”, que visa à popularização da astronomia, e tem como foco estudantes da área de exatas. Roberta explica que o projeto de extensão tem duas vertentes: a primeira é a de divulgação científica, com postagens periódicas sobre temas de astronomia; e a segunda parte tem como foco a formação de professores da Educação Básica e oficinas formativas com os alunos nas escolas. “Então, assim… acabou que, sim, eu cheguei aonde sonhava, consigo trabalhar tangenciando conceitos da astronomia, da parte educacional e de divulgação científica!”, declara sorridente.

A gaúcha rememora sua juventude, quando ainda precisava definir de fato o que fazer sobre o futuro. Ela conta que, naquela época, a perspectiva de acesso a uma Federal não era uma realidade próxima e que, “hoje, temos muito mais acesso”. Por isso, Roberta trabalha dia após dia para garantir não apenas o ingresso dos jovens na tão sonhada Federal, mas a permanência de todos os estudantes até que se conclua o curso escolhido.
“Em Palotina, especificamente no curso de exatas, a gente tem um fenômeno que é interessante relacionado à evasão, que inclusive é estudado pela professora Mara [primeira entrevistada da série ‘Mulheres na Ciência’]. A gente tem um número maior de mulheres que entram e saem. Majoritariamente, elas vão para matemática; na física, o número de mulheres ainda é menor, mas, mesmo assim, a gente tem várias mulheres, a maioria são mulheres, e elas entram e saem, finalizam o curso, mesmo mães. A gente percebeu que, tanto na graduação quanto na pós-graduação, meninas que engravidaram conseguiram concluir o seu curso com êxito. Então, acho que esse é um dado bem interessante!”, diz.

“Eu tinha uma amiga que fazia pedagogia, e ela me falava: ‘você vai adorar, é muito legal, tem a parte da história, da educação..’. E, de fato, quando eu entrei no curso, me apaixonei. Eu gosto muito e sempre falo que a pedagogia é um curso muito completo para quem quer ser professor e pensar a parte da educação! Eu tive a oportunidade, desde o mestrado, e depois, no doutorado, de assistir aulas da física, da astronomia… e comecei a estudar um pouco por conta própria, porque obviamente eu precisava estudar aqueles conceitos para poder fazer com que as professoras e professores dos anos iniciais, que majoritariamente são mulheres, também aprendessem, achassem mais fácil aprender e de ensinar para os alunos delas. Então eu comecei a fazer esse caminho”, afirma.
“Eu pensava: ‘será que tenho conhecimento suficiente?’, É um período de insegurança que todo mundo passa na profissão. Quando eu entrei na UFPR, comecei com disciplinas completamente novas, por mais que eu já tivesse tido contato com a filosofia da ciência no mestrado e no doutorado. Depois que tive mais prática em sala de aula, percebi que os alunos não sabiam o que significava história e filosofia da ciência… eu que apresentava para eles”, conta.
“Ela é uma pessoa que acolhe e uma pesquisadora maravilhosa, foi ela quem me disse ‘é possível estudar esse tema’. E ela não sabia quem eu era, mas me acolheu, me levou na sala dela, me levou ao laboratório… Hoje, eu trabalho junto com ela. Já participamos de reuniões juntas! É muito legal pensar que foi ela que me inspirou”, diz.
“Obviamente, a professora Rita é uma pessoa que me inspira muito! Ela é uma das poucas mulheres negras que a gente tem na ciência brasileira – e merece cada reconhecimento, nacional e internacional. Eu vivo falando que ela tem que se exibir mais porque são muitos prêmios. Ela é uma pessoa incrível, uma professora que se importa muito com os alunos!”, afirma.
“Alguém, em algum momento, me falou que a gente não pode se descrever pela profissão, mas eu me defino assim. Eu sou uma professora que busca entender seus alunos, manter-se atualizada em termos de conteúdo e metodologias, mas também quanto ao ser humano”.
Mulheres na Ciência
A Agência Escola UFPR acredita que quando a gente vê mulheres sendo reconhecidas nessas áreas, outras veem que isso é possível também. E foi com esse objetivo que elaboramos a série Mulheres na Ciência, que trouxe o perfil de professoras do Setor Palotina da UFPR.