Por Alice Lima
Fotos: arquivo pessoal
Supervisão: Maíra Gioia
Professora na UFPR Palotina e física três vezes premiada, Rita de Cássia dos Anjos estuda os mistérios do universo e faz de sua carreira acadêmica uma referência para jovens na ciência
Ao ser questionada sobre seu maior sonho, Rita não pensa muito antes de responder: “É ter o meu laboratório de pesquisa de alto nível em Palotina, ter o meu grupo de pesquisa, em que eu não precise conversar on-line, onde eu bata na porta e veja meu grupo trabalhando”. Tal sonho, declarado com determinação, começou em Olímpia, São Paulo, cidade natal de Rita de Cássia dos Anjos, a primeira física a receber o Prêmio Anselmo Salles Paschoa, criado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), para homenagear pesquisadores negros da área que tenham contribuído significativamente para o avanço da Física, através da pesquisa ou do ensino da disciplina no Brasil.
A cientista estuda astrofísica de altas energias, em especial, a origem dos raios cósmicos que chegam à Terra.
Tal fenômeno é formado por partículas vindas do espaço com altíssima energia que atingem continuamente o planeta. Não por acaso, o ser humano e o ambiente são formados também por partículas. Quando aplicadas, os pequenos pedaços de matéria podem gerar tecnologias úteis à vida humana, como o raio-x, a TV e até o celular. Assim, o objeto de pesquisa de Rita é tão obstinado quanto ela mesma, que deseja descobrir a origem dos misteriosos raios cósmicos! A docente é formada em Física Biológica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), também é mestra e doutora em Física pela Universidade de São Paulo (USP), e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Setor Palotina. Em sua jornada acadêmica, foi professora visitante em diversos laboratórios internacionais; já morou na Bélgica, Alemanha, Estados Unidos, Portugal e Itália, deixando sua marca de pesquisa em Universidades reconhecidas mundialmente, como Harvard e Coimbra.
“A ciência, você faz para o mundo”, declara, ao contar o motivo de tantas viagens.
Atualmente, Rita reside em Heidelberg, na Alemanha, e atua como professora visitante através de uma bolsa de pesquisa promovida pela UFPR em parceria com o Max Planck for Nuclear Physics, um laboratório que pesquisa, de forma experimental e teórica, o campo das astropartículas, buscando respostas sobre o universo. Ela também faz parte do Observatório Pierre Auger, na Argentina, e participa de projetos como Cherenkov Telescope Array (CTA), que atua na construção de telescópios projetados no Chile, nas Ilhas Canárias e na Espanha para estudar os raios gama que chegam ao planeta.

Apesar de ser a primeira cientista de sua família, cresceu em uma casa que emanava pesquisa, com mais sete irmãos. Isso porque, segundo Rita, sua mãe, Antônia Santos dos Anjos, que era Técnica em Enfermagem, e a ciência, têm muito em comum.
“Minha mãe é muito curiosa e eu poderia definir a ciência como curiosidade […] ela sempre nos incentivou muito a estudar, uma pessoa além do tempo […]!”, conta.
Segundo a pesquisadora, ela deve à mãe muito do que é hoje, e redesenha as memórias das vezes em que a dona Antônia contava as moedinhas para que pudesse comprar os kits de ciências vendidos na escola. E, talvez tenha sido ali, ouvindo o barulho das moedinhas, que Rita sonhou alto sobre o que gostaria de desvendar sobre a vida.

Caçula e egressa do ensino público, chegou à universidade graças a uma irmã mais velha, que pagou por um cursinho pré-vestibular para Rita. Dentro do estudo preparatório, a um passo de entrada do curso superior, ela teve o seu primeiro contato mais profundo com as ciências exatas, em especial com a física.
“Eu fiquei encantada, vi que eu gostava de física, eu poderia ter visto antes, mas não tive tanta oportunidade no Ensino Médio”, lembra.
A estudiosa entrou, então, no curso de Física Biológica, na Unesp. Durante a faculdade, decidiu que até gostava da ciência que estuda a vida, mas sua paixão era mesmo a física. Concluiu o curso e fez mestrado em física na USP. Lá, conheceu um professor que futuramente viria a ser o seu orientador no Doutorado. Ele ensinava sobre Astrofísica, uma ciência que investiga o universo e o cosmos. Assim, encantada com as possibilidades, mudou de área, e seus novos estudos lhe renderam, até o momento, três prêmios: o prêmio Programa para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal Brasil, Unesco Brasil e Academia Brasileira de Ciências (2020); o Prêmio Anselmo Salles Paschoa, da Sociedade Brasileira de Física (2022); e Prêmio Carolina Nemes (2023). Foi reconhecida como pesquisadora destaque pela UFPR em 2023.

Entre as honrarias recebidas, o Anselmo Salles Paschoa salta aos olhos: ela foi a primeira pessoa a recebê-lo em toda a história. Em sua carta ao comitê avaliador do prêmio, Rita deixa seu sensível manifesto de resistência que atravessa a vida de tantas outras pessoas que a tem como referência.
“Sinto-me uma negra especial diante de todas as oportunidades que tive na minha carreira científica. Que mais negros e negras sejam reconhecidos em nosso país e as assimetrias e desigualdades possam diminuir. Com meu trabalho como docente, pesquisadora e orientadora, espero tornar o futuro de nossos pequenos negros e negras um pouco mais esperançoso e mais leve”.
Durante a conversa com a Agência Escola, Rita fala sobre como foi receber tal reconhecimento.
“Você sair na mídia e poder falar sobre representatividade negra é muito importante, ainda mais no Brasil. Por isso, pra mim, foi muito especial, como representante da raça negra, ouvir das pessoas: ‘Ela ganhou, ela tem uma pesquisa, ela trabalha com seriedade, ela é uma mulher negra!”, afirma.
Tal discurso, reproduzido pela vencedora, não é feito apenas do senso comum, que marca a luta racial no Brasil, a importância do prêmio diz respeito à própria história da cientista, que teve que contar com muita resiliência, dedicação e uma pitada de destino para chegar aonde sonhava. Nas próprias palavras de Rita, ela teve ‘muita sorte’, até mesmo dentro de casa. “Por ser a última dos irmãos, eu fui a única que não precisei trabalhar cedo, é triste falar isso, que foi sorte…”. E enquanto mulher negra, a história não é diferente, segundo ela: ‘foi sorte’. É aquela velha história de estar no lugar certo na hora certa.

A física lembra, ainda, que, na graduação, diferente de alguns colegas, não podia considerar trancar o curso, porque sentia que não tinha tantas possibilidades de recomeçar quanto outras pessoas. Por isso, persistiu. Após a graduação, passou em um concurso e se deparou com outro desafio: um campi ainda sem estrutura ou fomento para pesquisa. Ao chegar no Setor Palotina da UFPR para dar aulas de Iniciação Científica, Rita logo percebeu as muitas lutas que teria que enfrentar, para garantir um ensino de qualidade na área da física.
“Quando eu cheguei lá, a gente dividia sala. Isso foi desafiador, você começar sua carreira científica em um ambiente que não tem a mesma estrutura de onde você veio”, relata.
Sem deixar-se vencer pela inicial falta de recursos, diz que foi incentivada pelos professores dedicados do setor, e declara, hoje, ter vencido essa etapa, ao começar a conquistar o espaço acadêmico de incentivo: “[…] a gente recebe ‘100 nãos’ até receber um sim, é a realidade do professor de universidade pública e do pesquisador”. Por ironia do destino, a maior dificuldade na trajetória acadêmica de Rita também foi a origem do seu maior sonho atualmente, mencionado logo no início deste texto: ter um laboratório avançado de pesquisa em Palotina, onde ela possa ensinar todos de perto, incentivando e criando ciência de alta qualidade.

“Desde quando a gente pode começar de fato a fazer ciência? Ainda há muito a se fazer; já participei de muitas disciplinas em que eu era a única mulher da turma. A gente até se questiona se está no lugar certo…”, afirma.
Mulheres na Ciência
Não à toa, nossa próxima entrevistada, Roberta Chiesa Bartelmebs, que também é professora da UFPR Setor Palotina, menciona Rita como uma de suas referências: “Obviamente, a professora Rita é uma pessoa que me inspira muito! Ela é uma das poucas mulheres negras que a gente tem na ciência brasileira – e merece cada reconhecimento, nacional e internacional. Eu vivo falando que ela tem que se exibir mais porque são muitos prêmios. Ela é uma pessoa incrível!”. A história da Roberta, último perfil da Série Mulheres na Ciência, será publicada no próximo dia 13, não perca!
A Agência Escola UFPR acredita que quando a gente vê mulheres sendo reconhecidas nessas áreas, outras veem que isso é possível também.