Conheça os “fungos do bem”, pesquisados por cientistas da UFPR
17 de junho de 2025
Microrganismos estabelecem uma relação harmônica com a planta hospedeira e podem produzir compostos benéficos à agricultura e à medicina
Por Cecília Comin
Fotos: Cecília Comin
Supervisão: Maíra Gioia
Ao falar em fungos, geralmente se pensa em mofo, bolor, alguns organismos adeptos a locais quentes e úmidos que atrapalham a vida quando contaminam os alimentos ou mancham as paredes de casa. Agora, imagine um fungo que, além de fazer bem para o ser vivo em que se instala, fabrica substâncias de grande utilidade aos humanos. Pode parecer bom demais para ser verdade, mas esses são os fungos endofíticos.
Os endofíticos são microrganismos que se alojam no interior das plantas, comumente nas folhas e nas raízes, mantendo uma relação de mutualismo onde os dois são beneficiados. Enquanto a planta garante abrigo e nutrientes o suficiente para a sobrevivência e reprodução do fungo, ele produz compostos capazes de melhorar a absorção da raiz, auxiliar no crescimento da hospedeira e controlar pestes e patógenos que possam adoece-la, melhorando sua resistência ao estresse causado por fatores externos.
Esses fungos não são considerados nocivos, pois podem completar boa parte ou todo o seu ciclo de vida sem prejudicar a planta infectada de qualquer maneira. Podem ser endofíticos obrigatórios, quando dependem do metabolismo da planta para sobreviverem, ou então, endofíticos facultativos, organismos que vivem estágios fora do corpo do hospedeiro e tendem a se associar à plantas próximas no solo.
Os compostos proveitosos para as plantas são chamados de metabólitos secundários. Como o nome sugere, estão associados ao metabolismo que não é essencial para a sobrevivência ou reprodução do corpo vegetal, mas para a autoproteção contra microrganismos que possam causar algum mal. A diversidade de compostos é enorme e, enquanto muitos ainda estão sendo descobertos, é possível condicionar os endofíticos (mas nem todos) a produzi-los em laboratório. Foi o caso de um estudo do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Os fungos endofíticos e a Universidade na citricultura
Laboratório de Bioprospecção e Genética Molecular de Microrganismos da UFPR. Foto: Cecília Comin
Um grupo de pesquisa liderado pela professora Chirlei Glienke, que é doutora em Agronomia e atua no Setor de Ciências Biológicas da UFPR, é especializado nos endofíticos. A equipe se dedica a explorar espécies novas e espécies já identificadas, mas pouco estudadas. Uma das descobertas dos pesquisadores foi a possibilidade de utilização da espécie de fungo Diaporthe cf. heveae — coletada do Barbatimão, planta medicinal endêmica do Brasil que é muito presente no Cerrado — no controle de duas doenças que acometem plantas de cítricos: pinta preta e podridão floral dos citros. As doenças também são causadas por fungos: Phyllosticta citricarpa e Colletotrichum abscissum, respectivamente.
O grupo observou que o fungo que isolaram (fungo Diaporthe cf. heveae) impedia que os organismos causadores da pinta preta e da podridão floral se desenvolvessem. A partir da descoberta, os cientistas passaram a investigar o que exatamente era capaz de inibir os patógenos. A técnica utilizada foi a extração dos metabólitos secundários do endofítico e, em seguida, a aplicação do composto sobre os fungos que causavam as doenças, cujo crescimento foi evitado. Dos oito compostos extraídos, apenas um foi eficiente.
Laboratório de Bioprospecção e Genética Molecular de Microrganismos da UFPR. Foto: Cecília Comin
Mais experimentos provaram que o metabólito não é tóxico para células vegetais, tampouco para células humanas. O estudo indica que a substância é um primeiro passo no controle químico de pragas de forma segura para o meio ambiente e para os consumidores.
Endofíticos no dia a dia
Os fungos endofíticos podem ser encontrados em qualquer lugar; de desertos a geleiras, passando por oceanos e florestas tropicais. Na prática, pode-se isolá-los de qualquer planta, em qualquer ambiente. É comum que as plantas tenham esse tipo de microbiota associada (conjunto dos microrganismos que habitam um ecossistema), assim como os seres humanos. No entanto, sempre haverá diferenças de fungo para fungo, conforme o espaço a que estão adaptados.
Ao redor do mundo, culturas como arroz, trigo, milho, cítricos, banana, soja, tomate, batata, girassol e algodão são beneficiadas pelos endofíticos. Os recursos biológicos são muito procurados para combater os patógenos agrícolas que prejudicam o plantio, inclusive economicamente. Mas a agricultura não é a única área impactada; na medicina, os fungos endofíticos também estão presentes.
Se o uso da planta já é tradicionalmente conhecido, é bem possível que os microrganismos associados a ela produzam compostos interessantes à saúde. No Laboratório de Bioprospecção e Genética Molecular de Microrganismos da UFPR, o combate a patógenos humanos é igualmente investigado. Durante a pandemia, os integrantes do grupo passaram a trabalhar com compostos antivirais que pudessem inibir o vírus da Covid-19, além de metabólitos secundários que combatem bactérias causadoras de infecções hospitalares.
A biomédica e mestre em microbiologia pela UFPR, Bárbara Fanaya Mayrhofer Carmona, atua no laboratório e é especialista nos fungos endofíticos. Ela, que atualmente é doutoranda, explica que a coleta de material começa com a escolha de folhas sem sinais de lesões ou doenças, que depois passam por um processo de desinfecção com álcool e hipoclorito. Em seguida, a parte interna da planta é exposta por meio de um corte em quadradinhos, depositados em placas de cultura. Durante cerca de 30 dias, o fungo é alimentado para crescer e se desenvolver fora da planta. Quando isso acontece, ele é transferido e isolado em uma nova placa, onde uma colônia pura de endofíticos irá se proliferar.
A identificação do fungo coletado ocorre com a descrição do código genético de seu DNA, que será comparado ao de outras espécies descritas em um banco de dados do laboratório, de maneira automatizada. A partir desse processo, novos endofíticos são descobertos, ou então, o potencial daqueles já conhecidos segue sendo pesquisado.
Biomédica e mestre em microbiologia pela UFPR, Bárbara Fanaya Mayrhofer Carmona, que é especialista nos fungos endofíticos. Foto: Cecília Comin
“Tem muito a ser explorado. A gente conhece muito pouco, e muitos desses compostos podem se tornar algo que beneficie o humano, assim como um dia foi com a penicilina [algumas espécies do gênero penicilinium podem ser endofíticas]. Hoje, ainda tem muita dificuldade nesse tipo de pesquisa, porque demanda muito dinheiro, vai muito tempo para chegar num produto. Também demanda muitos alunos de pós-graduação, e acaba tendo que ser continuada, muitas vezes, por pessoas diferentes. Carece um pouco de investimento, mas é uma área muito promissora, com diversos usos na sociedade. É muito importante, apesar de estarmos caminhando lentamente no processo”, declarou a biomédica.
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