Artigo alerta para riscos no desenvolvimento fetal e recomenda a supervisão médica no uso do medicamento; pesquisador da UFPR é o único brasileiro coautor do trabalho #AgenciaEscolaUFPR
Por Maria Fernanda Mileski
Edição por Chirlei Kohls
Um grupo internacional de 91 cientistas publicou no final do mês de setembro uma declaração de consenso que emite um alerta e sugere recomendações para o uso do paracetamol por gestantes de todo o mundo. O medicamento, usado para aliviar dor leve a moderada e reduzir a febre, é consumido por metade das grávidas do planeta e tem apresentado risco de alteração no desenvolvimento fetal, aumentando as possibilidades de distúrbios neurocomportamentais, reprodutivos e urogenitais (relativos aos órgãos genitais e urinários). A preocupação surge diante da isenção de prescrição do paracetamol na maioria dos países e o risco de gestantes o usarem sem a orientação médica é alto. Entre os autores da declaração, está o professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Anderson Martino Andrade.
O documento foi publicado na revista médica Nature Reviews Endocrinology e faz um trabalho de revisão dos estudos científicos dos últimos 25 anos. Os autores, apoiados por 91 cientistas e médicos de diferentes países, revisaram pesquisas observacionais em humanos, experimentos em animais e in vitro (estudo feito fora do organismo vivo). Como resultado, afirmam que os trabalhos existentes ainda não são conclusivos, mas demonstram ser preciso cautela no uso do paracetamol durante a gravidez, porque mostram danos ao desenvolvimento dos fetos.
“Nesta Declaração de Consenso, resumimos pesquisas epidemiológicas e estudos com animais que têm examinado desfechos neurológicos, urogenitais e reprodutivos, associados a fatores maternos e uso de paracetamol na gestação. Com base nesta pesquisa, acreditamos que sabemos o suficiente para nos preocupar com os riscos potenciais de desenvolvimento associados à exposição”, relatam os pesquisadores na publicação.
O estudo foi liderado e assinado por 13 cientistas internacionais. Anderson Martino Andrade, que é um dos autores do documento, professor e pesquisador dos programas de pós-graduação em Fisiologia e em Farmacologia da UFPR, destaca que uma revisão das pesquisas já realizadas envolve olhar para estudos com seres humanos, em modelos animais e outros modelos experimentais para tirar conclusões mais seguras sobre a evidência encontrada.
“É importante destacar que quando falamos de uso de medicamentos na gestação, não podemos fazer estudos de intervenção, ou seja, não posso administrar medicamentos para gestante e colocar em risco o desenvolvimento de bebês para testar um efeito. Temos que nos basear em estudos nos quais se recrutam grupos de gestantes que usam ou usaram e que não usam paracetamol para a verificação. Portanto, às vezes essas evidências são difíceis”, relata Andrade.
Quem complementa é o pesquisador David Kristensen, da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca. Ele é também um dos autores da declaração de consenso e afirma que quanto melhores as ferramentas utilizadas na pesquisa, mais forte será a conclusão. “Quando a exposição do paracetamol foi medida usando amostras biológicas em vez de relato materno de exposição, efeitos mais fortes foram observados. Portanto, devemos confiar nos estudos observacionais e experimentais em humanos (in vitro e in vivo, respectivamente)”.
Kristensen e Andrade ressaltam que o alerta da declaração de consenso deve ser realizado com cautela, pois o paracetamol é o medicamento de escolha na gestação, uma vez que os outros disponíveis já têm o risco bem estabelecido. O problema envolvendo o paracetamol se encontra no uso repetido, em que o risco aumenta com a administração longa e doses mais altas.
“O alerta e recomendações que esse artigo traz não diferem muito das recomendações que já existem na bula do paracetamol. Nossa ideia é reforçar que o paracetamol não é um medicamento isento de riscos e essa parece ser a percepção de algumas gestantes e alguns profissionais”, defende o professor da UFPR.
Riscos ao uso sem cautela
Os estudos evidenciados no documento de consenso indicam que a exposição intrauterina ao paracetamol está possivelmente associada ao maior risco de alterações no neurodesenvolvimento, que é o aperfeiçoamento do sistema nervoso, incluindo motricidade, competências sensoriais e cognitivas, a comunicação e linguagem, comportamentos, emoções, entre outros. Além disso, também está relacionada a alterações reprodutivas e urogenitais.
Andrade exemplifica e cita alguns dos riscos citados pelo estudo internacional. São eles: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista (TEA), má formação genial, criptorquidia (quando o testículo não desce ao escroto, que é a bolsa de pele que carrega órgão do sexo masculino), entre outros. “Apesar das incertezas em relação aos estudos, a crescente evidência sobre esses efeitos nos motivaram a fazer esse alerta a respeito dos possíveis riscos do paracetamol”, completa.
Segundo o artigo, um levantamento mundial mostra que metade das gestantes no mundo faz uso do paracetamol em algum momento da gravidez. Dessas, 8% relatam febre como motivo. Os pesquisadores ressaltam que no combate à alta temperatura corporal, a administração do medicamento não é o maior risco para o feto, uma vez que a febre pode ocasionar vários distúrbios, como doenças cardiovasculares na vida adulta.
No entanto, o problema é que a maior parte das mulheres que faz uso do paracetamol durante a gravidez o faz para combater a dor leve a moderada, como dores de cabeça, musculares, entre outras. O professor da UFPR salienta que em algumas circunstância é necessário fazer o uso do medicamento, mas é preciso orientação. “Às vezes é usado para combater uma dor leve ou um incômodo que poderia ser tratado não com medicamento, mas com outro tipo de terapia. Nesses casos, o paracetamol não deveria ser indicado”.
Recomendações dos cientistas
Os autores da publicação apresentam algumas recomendações e medidas de precaução para as mulheres grávidas. David Kristensen recomenda que as gestantes abandonem o uso do medicamento, a menos que haja indicação médica, e que minimize o risco usando a menor dose efetiva e pelo menor tempo possível. Além disso, sugere que consulte um médico ou farmacêutico se não houver a certeza de que o uso é indicado ou de consumir por um longo prazo.
“Também acreditamos ser importante a educação, para aumentar a conscientização dos profissionais de saúde e gestantes sobre esses riscos, para que decisões informadas possam ser feitas”, salienta Kristensen.
De encontro com o pesquisador dinamarquês, Anderson Andrade diz que os riscos relacionados ao uso do paracetamol durante a gravidez são bastante claros na bula do medicamento. No entanto, a comunicação mais específica dos efeitos na gestação pode ser melhorada, como na embalagem ou mesmo na bula, para que se tenha alertas mais visíveis a respeito de possíveis riscos na gestação e a cautela que deve existir em relação ao uso.
O professor ainda complementa que as grávidas devem procurar orientação e supervisão médica. “Acho que a recomendação nesse momento seria essa: de seguir a recomendação que já existe, mas reforçar a comunicação dos efeitos, principalmente, pelo fato do paracetamol ser percebido como isento de risco na gestação”.
No Brasil
Especula-se que os números de gestantes brasileiras que fazem uso do paracetamol durante a gravidez não difere muito do dado mundial apresentado no documento de consentimento internacional. Segundo Andrade, existem poucas informações sobre isso no país, mas os dados preliminares de seu estudo com gestantes na capital paranaense, Curitiba, mostram que os números se aproximam dos apresentados em outros países.
O paracetamol é vendido no Brasil através de dezenas de marcas e como remédio genérico. A bula afirma: “Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista”. Uma problemática apresentada por Andrade é a disponibilidade do paracetamol nas prateleiras das farmácias, a livre alcance dos clientes. “Não é preciso solicitar o medicamento no balcão para o farmacêutico. Essa seria uma possível mudança a ser implementada, uma possibilidade de minimizar esse uso irracional do medicamento”, defende.
Além do alerta, a publicação internacional objetiva motivar novas pesquisas, para que se possa investigar melhor e ter mais conclusões sobre as possíveis associações entre o uso do paracetamol e a gravidez. Na UFPR, Andrade conta que no Laboratório de Fisiologia Endócrina e Reprodutiva Animal (Labfera), do Departamento de Fisiologia, desenvolve estudos sobre o paracetamol, a dipirona e o diclofenaco. Há também pesquisas sobre a exposição de gestantes a substâncias conhecidas como ftalatos, presentes em plásticos, perfumes, entre outros. Saiba mais nesta reportagem da Agência Escola UFPR.
Enquanto estudos mais detalhados não resolvem as dúvidas que restam sobre o paracetamol, os pesquisadores defendem que o princípio da cautela deve prevalecer. “Embora reconheçamos que o paracetamol é um medicamento importante e as alternativas para o tratamento de febre alta e dor intensa são limitadas, com base em nosso resumo desta evidência, pedimos medidas de precaução”, enfatiza Kristensen.
Andrade ainda ressalta que houve cuidado dos pesquisadores para não gerar pânico a partir do artigo. “Nosso objetivo é simplesmente dizer que existe um risco. Apesar das incertezas dos estudos, é suficiente para emitir um alerta de que as recomendações sejam cumpridas com maior rigor, ou seja, o uso com cautela. O paracetamol faz parte do arsenal disponível e recomendamos que seja usado com orientação e supervisão médica em casos que de fato é indicado”, conclui o professor.
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Infografia: Juliana Barbosa (Aspec/Setor de Ciências Biológicas/UFPR)