A população de jumentos, especialmente no Nordeste do Brasil, tem sofrido um declínio alarmante nos últimos anos; a principal causa é a crescente demanda por seu colágeno na China
Por Murilo Ferreira
Foto: Agência Brasil (imagem de destaque) e banco de imagens
Supervisão: Maíra Gioia
A demanda por recursos, em alguns casos, pode colocar animais em situações de vulnerabilidade, incluindo o risco de extinção. Nesse contexto, a pesquisa científica surge como um campo para explorar novas abordagens e soluções inovadoras. É com essa visão que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) se destaca com projetos que buscam alternativas éticas para desafios complexos. No Laboratório de Zootecnia Celular (Zoocel), que faz parte do Departamento de Zootecnia do Setor de Ciências Agrárias da UFPR, a professora Carla Molento e a médica-veterinária e pós-doutoranda Jennifer Cristina Biscarra Bellio fazem parte de uma pesquisa inovadora com potencial de proteger uma espécie em risco: o jumento.

Por que o jumento está em risco de extinção?
A população de jumentos, especialmente no Nordeste do Brasil, tem sofrido um declínio alarmante nos últimos anos. A principal causa é a crescente demanda por seu colágeno na China, onde é a base do “Ejiao”, um produto da medicina tradicional chinesa valorizado por suas propriedades medicinais, incluindo o tratamento para anemias, rejuvenescimento e antienvelhecimento. Além dessas aplicações, a pós-doutoranda Jennifer menciona que na medicina tradicional chinesa, o produto é indicado para equilibrar o “yin”. Essa valorização impulsiona um mercado muito intenso, que tem levado a perdas populacionais significativas, com quase 70% dos jumentos do Brasil desaparecendo nos últimos anos por conta desse comércio. A situação muitas vezes resulta em abates clandestinos e insustentáveis, segundo a pós-doutoranda, levando os jumentos à beira da extinção. No Brasil, esse tipo de produto é pouco utilizado e a pesquisadora destaca que poucas pessoas têm consciência da situação desses animais.

Para combater essa exploração e oferecer uma alternativa, a professora Carla Molento e sua equipe desenvolvem um método revolucionário: a produção de colágeno de jumento por fermentação de precisão. O projeto, que recebeu o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Fundação Araucária, consiste em utilizar micro-organismos como pequenas “fábricas”. O processo consiste na inserção de um gene de interesse na levedura que vai passar a produzir a proteína desejada.
“O que é fermentação de precisão? A fermentação consiste na inserção de um gene de interesse, neste caso o gene do colágeno do jumento em um plasmídeo e esse plasmídeo em um micro-organismo, que pode ser uma levedura ou uma bactéria, por exemplo. Esse micro-organismo passa a produzir uma proteína nos fermentadores sem a necessidade de usar o animal”, explica a pesquisadora.
A pesquisa representa um avanço científico, mas também uma ponte entre a tecnologia e a ética animal. As amostras de material biológico, como pelos da crina ou saliva, necessárias para a pesquisa, serão coletadas de jumentos resgatados e reabilitados por grupos defensores dos animais no Nordeste, o que garante que o processo seja totalmente livre de exploração. A médica-veterinária comentou também que as coletas devem começar assim que houver a aprovação no Ceua (Comitê de Ética de Uso de Animais). O Ministério do Meio Ambiente investiu em bolsas para impulsionar a pesquisa e na aquisição de equipamentos. A Fundação Araucária também investiu na adaptação do laboratório Zoocel, o que viabilizou o início das atividades da equipe. Recentemente foi aberto processo seletivo para mestrado e em breve mais um pesquisador fará parte da equipe.

Um futuro mais ético e eficiente
Jennifer Bellio, que encontrou na zootecnia celular uma forma de conciliar sua paixão pela proteção animal com a ciência, acredita no potencial transformador dessa tecnologia.
“Eu acompanho o trabalho de anos da professora Carla Molento e acredito que a zootecnia celular pode ser uma aliada importante para o bem-estar animal”, afirma.
Segundo a pesquisadora, a abordagem de fermentação de precisão não só tem potencial para proteger os animais, mas também oferece vantagens práticas, já que se houver outra forma de adquirir o produto que convencionalmente é extraído de um animal poderemos pela zootecnia celular garantir esse produto e preservar os animais. A pesquisa da UFPR é um exemplo concreto de como a ciência pode ser uma ferramenta para construir um futuro mais sustentável e de como a inovação e tecnologia podem andar lado a lado com a preservação da vida do planeta.
Série: Ciência Sustentável
Na série Ciência Sustentável, a Agência Escola UFPR pretende provocar uma reflexão sobre os princípios éticos para o avanço científico, especialmente sobre o uso de animais nas pesquisas.
Na primeira reportagem, conhecemos a pesquisa que estuda alternativas para reduzir o uso de animais nos experimentos científicos.
Na segunda reportagem, conhecemos a pesquisa que desenvolve carne celular.