Conheça pesquisas de estudantes de graduação da UFPR sobre diferentes perspectivas artísticas no mês em que se comemora o Dia Mundial da Arte #AgenciaEscolaUFPR
Por Cecília Sizanoski e Paula Bulka
Sob supervisão de Chirlei Kohls
Pesquisar e produzir conhecimento científico durante a graduação pode parecer um desafio para quem está entrando no mundo acadêmico. Para ajudar os alunos a aprender os processos da ciência existem as iniciações científicas, ou para os chegados, “IC’s”. Nelas, os universitários podem estudar a fundo um tema de interesse recebendo orientações constantes dos professores orientadores. No mês em que se comemora o Dia Mundial da Arte, em 15 de abril, conheça pesquisas de estudantes de graduação sobre diferentes perspectivas artísticas: história da arte, performance e música.
No Departamento de Artes (DeArtes) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) existem projetos de iniciação científica que desenvolvem uma série de pesquisas com os mais variados focos. “A pesquisa em arte não só conversa com todos os campos como precisa fazer isso”, diz a graduanda em Artes Visuais Rafaela Guebert.
A interdisciplinaridade das pesquisas busca descobrir de onde vem as representações, modelos, simbologia e origem de cada aspecto nas artes, quais são os processos de criação, como eles funcionam e a importância de entender tudo isso. “A pesquisa vem para pensar outras possibilidades de constituição de imagens e pensar mais sobre o meio em que a gente está inserido”, como afirma Rafaela.
Dentro de uma iniciação científica é o ambiente ideal para começar a pesquisar, porque “você não está sozinho fazendo a pesquisa”, como acredita a artista e estudante de Artes Visuais Talita Rauber. “O que você aprende lá [na IC] acaba se tornando um conhecimento que você usa em toda a vida acadêmica”.
Para entender mais sobre pesquisas de estudantes de graduação do DeArtes da UFPR, confira algumas delas a seguir:
Decifrando um artista
Afinal, todo mundo pode ser um grande músico? A pergunta, aos moldes do “todo mundo pode cozinhar”, lema do personagem Auguste Gusteau na animação Ratatouille, é uma meia verdade. A pesquisa “A psicologia da expertise do pianista popular brasileiro”, do Grupo Pesquisa Música e Expertise da UFPR (Grume) surge em meados de 2011 para investigar o que há por trás do talento e genialidade dos grandes pianistas brasileiros. A análise da expertise, ou seja, da habilidade desses artistas, foi uma linha de estudo recentemente aderida pelo grupo, que até então estudava a música e a emoção.
Jonas Wawcziniak é estudante de mestrado em Música na Universidade e foi convidado em 2018 para ingressar na equipe do professor Danilo Ramos, quando Jonas era estudante de graduação. Atualmente, a iniciação científica foca em três pianistas: Cristóvão Bastos, Nelson Ayres e Hércules Gomes. A pesquisa se baseia na Teoria Geral da Expertise, do sueco Karl Anders Ericsson e Clemens Tesch-Römer, que constatou que músicos alemães atingem o nível de habilidade com a prática deliberada média de 10 mil horas ao longo da vida.
“Como metodologia eles [Karl e Clemens] faziam entrevistas e retrospectivas, que é quando o entrevistado fala do passado e tenta lembrar de situações, no caso dessa pesquisa de prática musical. Preciso reforçar que é uma prática deliberada, não é uma prática qualquer. É bem estruturada com metas estabelecidas”, complementa o estudante.
Porém, Jonas reforça que o próprio Ericsson publicou uma pesquisa posterior, para tentar dissociar a ideia de que qualquer um pode se tornar um grande pianista e atingir níveis exorbitantes, é preciso muita prática de dedicação. “A teoria da expertise é muito importante para desmistificar o senso comum, por exemplo, que para uma pessoa tocar bem um instrumento ela precisa ter um dom, isso já foi desacreditado faz muitos e muitos anos, mas ainda tem muita gente que acredita nisso”, explica Jonas.
O gótico em vídeo performance
Outra maneira de fazer pesquisa na graduação é dentro do Trabalho de Conclusão de Curso, o TCC, mas o processo de produção é diferente de uma iniciação científica, como afirma a artista e estudante de Artes Visuais Talita Rauber: “No TCC você é mais sozinho e pode explorar temas que não existem materiais ainda. Eu por exemplo comecei a estudar o gótico nas Artes Visuais e é uma das primeiras pesquisas no Brasil sobre isso”.
Ao começar a pesquisar e se aprofundar em vídeo performances góticas, Talita decidiu começar a produzir materiais semelhantes. Assim a artista criou o projeto Latin Grufti, uma série de produções audiovisuais compostas por várias formas de expressão autorais dentro do gótico, englobando desde música até performance. O vídeo “Organic Synthesis” foi premiado pelo edital de Ações Emergenciais no Setor da Cultura, de 2020, da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais.
Na entrevista 1º Dark Congress, no canal Dark Fusion Brazil, Talita conta o que busca com seus produtos audiovisuais: “Que a experiência tenha um caráter gótico e passe esse sentimento, seja sofrimento, culpa, repugnância. Tudo isso a gente pode trabalhar em forma de arte”. Mas ela também explica que o gótico não é só isso, mas também remete a características que vão desde o estético até o filosófico, como a busca por emocionalidade excessiva e pelos antagonismos, como bem e mal ou belo e grotesco. Ela afirma na entrevista: “O gótico entende que o eu é fragmentado, que somos várias partes e que não necessariamente umas têm relação com as outras”.
A artista conta que trabalha com poéticas visuais: “é você se formar enquanto artista, apresentando sua própria produção e fazendo autorreflexão sobre o que você fez”, diz Talita. A estudante Rafaela Guebert complementa que a pesquisa em poéticas visuais entende a própria produção como uma pesquisa. “A gente costuma brincar que nunca tem fim. O resultado é o próprio caminho em que se faz a pesquisa”.
A ideia inicial de TCC de Talita era entender a história das vídeo performances góticas, e com o tempo mudou para poéticas visuais do projeto Latin Grufti sob a orientação da professora Luana Veiga. O tema surgiu do gosto da artista pela história da arte, que vem de uma iniciação científica sobre as representações de gênero nas artes.
Confira o vídeo premiado “Organic Synthesis”:
O gênero na arte
A estudante Talita Rauber explica que a pesquisa “O corpo no palco de gênero: representações corpóreas de feminilidades e masculinidades na arte brasileira no século XX e XXI”, orientada pela professora Stephanie Dahn Batista, é necessária para entender de onde vem as representações na arte e quem ela realmente representa. “A forma como a história da arte é estudada é predominantemente europeia, com artistas homens representando mulheres, geralmente nuas”.
A iniciação científica estuda vários artistas e o objeto de pesquisa de Talita foram obras da série Sonetos produzidas entre as décadas de 1970 e 1980 pelo artista Luiz Henrique Schwanke, que são parte do acervo do Museu Oscar Niemeyer. A série de colagens se destaca por representar corpos nus masculinos ao invés das tradicionais “musas” e abre espaço para estudar como se dá a “apropriação, descontextualização e ressignificação na arte”, por ter como base imagens de revistas, com “corpos publicizados”. “Estávamos fazendo esse pensamento crítico acerca da produção e ao mesmo tempo desenvolvendo parte da história da arte dos museus de Curitiba”, conta Talita sobre pesquisar artistas na iniciação científica.
A força do feminino
Denise Queiroz (1967-1994), mulher, artista e revolucionária. A estudante de Artes Visuais Rafaela Guebert se encantou com o trabalho da pintora curitibana que traçava a feminilidade e sexualidade ainda nos anos 1990. Rafaela analisou obras da artista na iniciação científica que também faz parte da ampla pesquisa da professora Stephanie Dahn Batista: “O corpo no palco de gênero: representações corpóreas de feminilidades e masculinidades na arte brasileira no século XX e XXI”.
As obras e a vida da Denise foram tema da exposição Christofêmea, em 2019, no Museu de Arte da UFPR (Musa). Foi ali que a Rafaela conheceu mais de perto o trabalho da Denise, que faleceu precocemente ainda nos anos 1990 em decorrência de um nódulo no útero. O traço autobiográfico nas obras de Denise também é uma característica importante da artista, já que seu repertório é repleto de autorretratos.
“Ela fazia pinturas utilizando o próprio corpo como instrumento, ficava se carimbando como uma gravura no papel. A grande revolução da Denise, em comparação a outros artistas que já utilizavam seus corpos nos anos 1950 e 1960, foi justamente ser uma mulher, que inclusive pintava outras mulheres”, conta Rafaela.
Para Denise, corpo e obra são indissociáveis e sua coletânea causa um incômodo que rompe com o papel imposto ao feminino, ao esculpir uma vagina e pintar iconografias cristãs, por exemplo. A pressão de uma sociedade curitibana de mais de 20 anos atrás pode ser o indicador do porquê a artista não pode contentar-se só com suas produções, formando-se em Odontologia em 1991. A iniciação científica rendeu dois artigos acadêmicos assinados pela professora Stephanie, um deles com a estudante Rafaela: “Denise Queiroz (1967-1994) e sua poética do corpo”.
Com a experiência na iniciação científica, Rafaela relaciona a pesquisa nas Artes Visuais com o poder da imagética, o que possibilita se situar melhor em um mundo extremamente visual. “A pesquisa em arte se difere um pouco dos estudos puramente científicos. Está sempre em andamento. Então esses resultados eu sinto que são mais abertos, não são fechados. Uma conclusão sobre por que a Denise fazia isso ou aquilo: ela está muito mais para uma tentativa de mediação, de conversas e de expansão da obra do que um fechamento dela”, reflete a estudante.
Saiba mais sobre arte e pesquisa nesta reportagem
Foto destaque: Exposição Christofêmea. Foto: Cristine Siqueira/Divulgação