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“Cultura da automedicação familiar também para pets pode intoxicar animais”, alerta pesquisadora da UFPR

Coordenadora do Laboratório de Farmacologia e Metabolismo da UFPR, Alexandra Acco fala sobre riscos da medicação imprópria que pode levar à intoxicação e morte dos pets #AgenciaEscolaUFPR

Por Bruno Caron
Edição: Chirlei Kohls

Preocupadas com a medicação incorreta de animais pelos tutores, as estudantes de Medicina Veterinária Janaína de Paula de Oliveira e Marina Balbuena produziram o vídeo “Riscos da Medicação sem Prescrição em Animais”. O material traz um alerta para os perigos de administrar medicamentos para os pets sem a indicação de um profissional, que podem ir desde reações alérgicas até uma intoxicação mais grave que pode levar à morte do animal.

O vídeo foi publicado pelo perfil no Instagram do Laboratório de Farmacologia e Metabolismo da UFPR (@farmacoemetabol) dirigido pela professora Alexandra Acco, que também é responsável pela disciplina de “Vivências em Farmacologia”, na qual a atividade foi desenvolvida.

Marina e Janaína explicam que tiveram a ideia do vídeo a partir do conhecimento de que nem todos os medicamentos de uso humano podem ser utilizados para pets. Ao pesquisar sobre o tema observaram que a automedicação (termo relacionado ao uso humano de medicamentos sem prescrição médica) é uma prática relacionada à administração de remédios em animais sem prescrição, visto que geralmente são medicamentos humanos os mais observados em intoxicação medicamentosa em pets.

“O tutor que realiza a automedicação pode pensar que ao administrar um medicamento que ele sempre usa está fazendo o bem para seu animal, mas na realidade não tem ideia dos riscos dessa administração. A melhor conduta é observar se há algo de diferente no animal e procurar um médico veterinário rapidamente para uma avaliação no caso de intoxicações”, explicam as estudantes.

Alexandra Acco conversou com a AE sobre riscos de medicar animais sem indicação profissional. Imagem: Bruno Caron. Projeto gráfico: Ana Polena. Diagramação da arte: Luiza Talamini

A professora Alexandra, médica veterinária, doutora em Farmacologia e pesquisadora na Universidade Federal do Paraná, conversou conosco explicando os riscos de medicar seu animal sem a indicação de um profissional e a importância de sempre procurar um médico veterinário antes de tomar qualquer atitude com seu pet.

Bruno Caron – Por que você acredita que é tão comum a prática da medicação sem prescrição médica, tanto em humanos quanto em animais?
Alexandra Acco – Acredito que seja pela facilidade de aquisição de medicamentos tanto de uso humano, em farmácias, quanto medicamentos de uso veterinário ou adquiridos em farmácias veterinárias, pet shops e casas agropecuárias. Existe isso porque a maior parte é vendida sem prescrição, sem controle regulatório e podem ser adquiridos em grandes quantidades, com isso há uso sem orientação de um profissional. Há também a falsa ideia de que os medicamentos sempre são bons e que são inócuos, o que não é verdade.
Muitos medicamentos são ótimos para tratar determinadas enfermidades, mas os efeitos benéficos podem vir associados a efeitos adversos que podem induzir intoxicação e outros efeitos no organismo que não são os esperados. Também existe no Brasil uma cultura de automedicação familiar: se o medicamento foi prescrito para uma pessoa da casa e outra desenvolve alguma enfermidade, o pensamento é dar a medicação também, seja para a mãe, tia, criança e inclusive para os animais.

Bruno – Remédios desenvolvidos para humanos também podem ser administrados em animais?
Alexandra – Essa é uma questão importante, porque de fato muitos medicamentos utilizados para humanos são utilizados para tratamentos de animais, especialmente os pets: cães e gatos. Com a prescrição correta, esses medicamentos podem ser utilizados e isso ocorre com frequência, porque para muitos medicamentos humanos não há equivalente veterinário. Porém, nem todos os remédios de uso humano devem ser utilizados para animais, porque os fármacos reagem de maneira distinta nos diferentes organismos. Então não necessariamente o que é bom para o humano vai ser bom na mesma proporção para cães e gatos, por exemplo.

Bruno – Quais são os principais medicamentos que causam adversidades nos animais?
Alexandra – Não existe uma estatística muito boa de quais são os principais medicamentos que causam intoxicação em animais, mas os de uso humano mais corriqueiro que podem levar a essas adversidades nos animais são especialmente os anti-inflamatórios. Os levantamentos feitos em artigos [científicos] mencionam sempre em primeiro lugar como causadores de reações adversas os anti-inflamatórios do tipo não-esteroidais que compreendem vários medicamentos como a aspirina, diclofenaco, meloxicam e paracetamol. Os antidepressivos também são relatados como medicamentos relacionados a adversidades, nesse caso, porque o animal ingere o remédio inadvertidamente, por exemplo ao encontrar a caixa do medicamento na residência, especialmente filhotes têm este comportamento.
Até medicamentos veterinários prescritos como a ivermectina e os antibióticos conhecidos como quinolonas podem levar a problemas quando administrados em doses incorretas. A ivermectina em quantidade errada pode causar intoxicação e os antibióticos podem levar a problemas ósseos e de articulações. Além dos medicamentos, os animais podem se intoxicar com venenos que geralmente se tem em casa, como veneno para ratos e formigas. Drogas de abuso também podem causar intoxicação como álcool e cannabis, inclusive alguns alimentos como chocolate e alho.

Bruno – Como identificar os principais sintomas de intoxicação nos pets?
Alexandra – Essa é uma pergunta complicada de responder, porque pra cada agente tóxico, você vai ter um sintoma, um sinal clínico diferente. A recomendação é procurar o quanto antes um atendimento profissional mesmo. Alguns cuidados com o animal são importantes, por exemplo no transporte até uma clínica, se o animal está tendo convulsão, se ele está tendo salivação, manter o animal numa posição adequada e colocá-lo numa coberta para ele não se debater muito e não se machuque. Se estiver salivando muito, tentar conter a cabeça para ele não se engasgar com a saliva, manter a cabeça numa posição que ele consiga respirar. Essas são as orientações básicas de manuseio do animal, sem administrar outras substâncias que ainda possam induzir outros efeitos.

Bruno – Existe uma ideia popular acerca de alguns medicamentos de que eles não são nocivos para humanos e possivelmente os donos de pets estendem isso para animais, como a dipirona, paracetamol e ibuprofeno. Contudo, o risco de intoxicação em animais é diferente do que em humanos. Por que isso acontece?
Alexandra – Está ligado à fisiologia e ao metabolismo. Os organismos são diferentes e eles reagem de maneira diferente aos medicamentos. Se nós pegarmos os pets, como cães, gatos e coelhos, especialmente os gatos, são animais que têm uma metabolização muito diferente. Os gatos têm uma deficiência de algumas enzimas que são importantes na metabolização de compostos no organismo. Geralmente quando se administra o medicamento, o organismo processa isso como os alimentos que nós ingerimos e transforma os medicamentos em outros compostos. Essa transformação acontece na dependência de certas enzimas e para os gatos que têm deficiência de algumas delas, importantes na metabolização dos medicamentos, a consequência é um maior tempo desses compostos no organismo, com um efeito mais prolongado ao invés de serem apenas eliminados. São diferenças metabólicas como essa que tornam os efeitos diferentes nas espécies.

Bruno – No vídeo vocês alertam que um dos riscos envolvidos são as interações medicamentosas que podem ser desencadeadas nos animais, quais seriam elas?
Alexandra – Interações medicamentosas é algo que pode acontecer com humanos e com animais quando são administrados mais de um medicamento ao mesmo tempo. Isso é bastante comum, por exemplo, tanto para humanos quanto para animais, se há uma doença cardíaca crônica, vai ser tratado com anti-arrítmico, com diurético, com anti-hipertensivo etc. Esses medicamentos podem interagir no organismo e essa interação pode levar a efeitos adversos, inclusive intoxicação. Efeitos que não aconteceriam se esses medicamentos fossem administrados isoladamente.

Bruno – O laboratório desenvolve outras pesquisas envolvendo animais e medicamentos?
Alexandra – De certa maneira. No Laboratório de Farmacologia e Metabolismo [da UFPR] temos alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Uma das linhas de pesquisa é a da hepatotoxicidade, que se refere à intoxicação do fígado. Temos estudos de modelos de intoxicação com consequências sobre o fígado, e especialmente a relevância dessa linha de pesquisa é tentar descobrir fármacos e compostos que possam tratar essa condição clínica, tratar uma intoxicação hepática e diminuir os danos causados no fígado por medicações.

Bruno – Como é a coletividade de pesquisa no Laboratório de Farmacologia e Metabolismo da UFPR? Acredito que pesquisadores e estudantes de diferentes cursos participam das pesquisas e gostaria de entender como são essas trocas.
Alexandra – Nós temos realmente uma multidisciplinaridade no laboratório, o que eu acho super interessante, porque cada aluno traz uma experiência do seu curso. O laboratório tem alunos de graduação em Medicina Veterinária, de Farmácia, de Biomedicina. E os alunos de pós-graduação, mestrado e doutorado, também têm diferentes formações. Com isso acabamos fazendo pesquisas de interesse da medicina humana e da medicina veterinária, tentando confluir os interesses das duas áreas ao pesquisar medicamentos que são ou que possam ser utilizados na terapêutica humana e veterinária ou pesquisando algum problema que existe nas duas áreas. A minha formação é em medicina veterinária. Sempre procuro relacionar essas duas áreas e isso na verdade está muito interligado com o conceito que se utiliza muito atualmente, que é o de Saúde Única ou One Health: a interação entre a medicina humana, a medicina veterinária e o meio ambiente. A saúde desses três componentes depende dos demais. Então no laboratório aplicamos de certa maneira isso com a nossa multidisciplinariedade.

Bruno – Gostaria de deixar orientações gerais sobre os cuidados envolvendo medicamentos e pets?
Alexandra – Os tutores devem evitar fazer a medicação sem prescrição, acreditando na “inocência” dos medicamentos. É preciso procurar sempre uma orientação profissional e informações adequadas. Sabemos que existe muita informação errada circulando nas redes sociais, inclusive quando se trata de prescrição de medicação em animais. A principal orientação é para cuidar bem do seu pet, porque você o terá por muitos anos e ele está sob sua responsabilidade e sempre que necessário procurar uma orientação profissional para qualquer problema de saúde.
Tanto para a medicina humana quanto para a medicina veterinária tem o Centro de Informações Toxicológicas (CIT) que atende por telefone, 24 horas, e que presta informações sobre fármacos e compostos que possam induzir à intoxicação. Então é sempre possível telefonar para o CIT diante de casos de intoxicação. O CIT está ligado ao Sinitox, que é o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Algo importante nesses casos é o médico veterinário sempre fazer a notificação para o Sinitox em caso de intoxicação, para contribuir com a estatística nacional, porque ainda temos poucos dados sobre agentes causais e casos de intoxicação.

Foto destaque: J C por Pixabay/Divulgação

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Sobre a Agência Escola UFPR

A Agência Escola UFPR, a AE, é um projeto criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (SACOD) para conectar ciência e sociedade. Desde 2018, possui uma equipe multidisciplinar de diversas áreas, cursos e programas que colocam em prática a divulgação científica. Para apresentar aos nossos públicos as pesquisas da UFPR, produzimos conteúdos em vários formatos, como matérias, reportagens, podcasts, audiovisuais, eventos e muito mais.

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