Entenda essas relações com exposição sobre Maria Falce de Macedo realizada por projeto de pesquisa e extensão da UFPR em parceria com a Santa Casa de Curitiba
Por Chananda Lipszyc Buss
Sob orientação de Chirlei Kohls
Neste mês, fui ao médico. Ele me receitou diversos exames. Fui em uma das unidades do laboratório de análises clínicas Frischmann Aisengart para ser atendida. Em alguns dias, tinha os resultados em mãos. Se você é curitibano, em algum momento deve ter visto nas ruas ou ouvido falar nesse laboratório, já que existem 40 unidades na Grande Curitiba. Às vezes não pensamos em como as coisas surgiram e podemos fazer o que fazemos hoje em dia. Eu só pude realizar meus exames nesse dia porque alguém no passado fundou o laboratório. Esse alguém foi Maria Falce de Macedo, que com o marido criou o empreendimento que viria a ser conhecido como Frischmann Aisengart.
Maria Falce de Macedo nasceu no dia 15 de janeiro de 1897 em Curitiba. Em 1914, na primeira turma, se matriculou na UFPR (Universidade Federal do Paraná) em Medicina. Em meio a tantos homens, no final do curso, em 1919, se tornou a primeira médica do Paraná. Na Biblioteca Central da UFPR, um espaço de memória, é possível encontrar um manuscrito de Victor Ferreira do Amaral, fundador da UFPR, em que escrevia de cada estudante da época. Com letras de caligrafia, escreveu sobre Maria Falce: “tendo sido aprovada com distinção, celebra o grau de Doutor em Medicina, sendo-lhe expedido o competente diploma”. Foi pesquisando sobre essas e outras informações que o projeto de pesquisa de Divulgação Científica em Museus, o projeto de extensão Meninas e Mulheres na Ciência, da UFPR, e os profissionais do Museu da História da Medicina do Paraná conseguiram traçar o histórico dela. E assim, criaram a exposição sobre Maria Falce.
Na mesma data em que é comemorado o Dia do Médico no Brasil, a partir desta terça (18) até o dia 23 de maio de 2023, no Museu da História da Medicina do Paraná, localizado na Santa Casa de Curitiba, o público pode visitar a exposição que conta a trajetória de Maria Falce, além do acervo do Museu. A visitação é guiada e gratuita e precisa ser agendada pelo site, e-mail museu@santacasacuritiba.com.br ou telefone (41) 3320-3502.
Camila Silveira, coordenadora do Meninas e Mulheres na Ciência, considera que a chave da exposição é demonstrar o protagonismo e pioneirismo da médica. A pesquisadora também conta que Maria Falce, além de primeira médica do Paraná, foi a primeira professora catedrática do Brasil, categoria mais elevada da carreira docente universitária. E para isso, aplicou grande esforço na vida profissional e acadêmica. “Durante todo o período de formação no curso de Medicina teve um bom desempenho. Na trajetória dela, tem sempre um interesse em se especializar. O que estava acontecendo de inovador na ciência, ela iria em busca”, relata.
Maria Falce foi uma mulher pioneira e protagonista e que, através da luta e de auxílio para outras mulheres, abriu caminhos para pessoas do mesmo gênero. “Coragem de estudar, de ocupar um espaço de predomínio masculino. Foi um grande feito que fez com que ocupasse tantos outros espaços de relevância. Mesmo as pessoas dizendo que esse não era um local para as moças”, explica Camila Silveira, que também é professora e pesquisadora do Departamento de Química da UFPR. Ela conta como Maria Falce sentia os julgamentos da sociedade, como o choque que uma moça entrando em contato com os corpos nus causava e as proibições de amizades com outras garotas por ela estudar.
Para a coordenadora, a médica se destacou não apenas nas análises clínicas e na pesquisa, mas também na bondade e no auxílio às pessoas. “A gente tem um indicativo de que ela [Maria Falce] cria esse laboratório de análises clínicas [hoje Frischmann Aisengart] para que pudesse atender as pessoas, mas também que as alunas pudessem estagiar lá. Ela fala que se fosse clinicar não teria pacientes, porque as pessoas não se atendiam com mulheres”, relata. Diogo Falce de Macedo, bisneto de Maria Falce, concorda com a questão da bondade: “faziam o processo laboratorial. A pessoa não tinha dinheiro, não cobravam e ainda davam dinheiro para pagar o remédio”.
Na carreira de Maria Falce, a Santa Casa, o mais antigo hospital de Curitiba, esteve presente em diversos momentos. Logo um ano depois do ingresso na faculdade, foi acadêmica-auxiliar no projeto de análise da Santa Casa. Dez anos depois, cuidou da direção do laboratório de análises clínicas. Já em 1928, ela foi médica-chefe da seção de bacteriologia, parasitologia e química médica do laboratório de pesquisas e análises do Estado. Por essas razões e pelo pioneirismo e protagonismo, os projetos responsáveis realizam a exposição sobre a médica.
A mostra conta a história de vida da Maria Falce através de diversos recursos com uso de itens importantes para a trajetória dela. Porta-retratos revelam fotos e o aspecto da vivência familiar. Vídeos com familiares mostram a personalidade e histórias. Jornais contam sobre sua trajetória estudantil, com notas e processos seletivos. Além disso, outros itens como livros, homenagens e microscópio compõem a construção da exposição.
Mas como se cria uma exposição? Qual é o processo de pesquisa?
Participei junto à equipe da Agência Escola UFPR e pesquisadoras que criaram a exposição do processo das entrevistas para compor a mostra. Elas sentavam juntas de frente ao entrevistado, anotando as informações nas pranchetas e fazendo perguntas. Isso tudo aconteceu no próprio Museu. Elas tentavam buscar correlações entre as informações e para isso perguntavam aos entrevistados sobre histórias, relações e opiniões. Cada uma das entrevistas que acompanhei ouvia a versão de um dos familiares de Maria Falce. Mas, para compreender melhor, vamos conversar um pouco com a coordenadora do projeto que idealizou a exposição, Camila Silveira.
Chananda Lipszyc Buss – Como foi o processo de obter essas informações sobre a Maria Falce?
Camila Silveira – Nós começamos pela busca de documentos. A partir disso, fomos chegando em algumas pessoas que conviveram com ela, para que a gente pudesse ter essa memória afetiva. Fizemos essas entrevistas. Fizemos um trabalho de visitação de diferentes espaços que pudessem ter alguma informação sobre ela, como a biblioteca, Centro Paranaense Feminino de Cultura, cemitério e local de residência dela. Visitamos os lugares mais variados possíveis para que a gente pudesse fechar melhor essa trajetória.
Chananda – Como vocês conseguem acesso aos itens para a exposição?
Camila – Foi uma tarefa difícil. Foi e está sendo. Encontramos muita dificuldade para localizar documentos e informações a respeito dela. O que encontramos estava muito disperso, muito espalhado. Segundo o bisneto da Maria Falce, o Diogo Falce de Macedo, que entrevistamos, muito do acervo dela estava num barracão, num galpão em que foi isso foi perdido. Muitas coisas importantes sobre a Maria Falce a gente, infelizmente, não tem mais. Então, por isso que a gente está assim ainda em busca de muitas informações e temos essa intenção de continuar o trabalho. Porque a gente foi puxando alguns fios e isso foi nos levando a determinados passos, a determinadas pessoas, a determinadas instituições. Então, a gente sabe que se a gente puxar mais um pouquinho essa linha a gente chega em mais peças importantes desse quebra-cabeça de contar a história.
Nós tivemos um trabalho junto à Universidade Federal do Paraná. Então fomos à biblioteca central, por exemplo, que tem um espaço ali de memória da Universidade. E muitos materiais conseguimos aqui no próprio Museu da História da Medicina do Paraná de doações vindas da Associação Médica do Paraná. Então, muitas coisas que acabaram vindo para o museu já estavam aqui [no Museu da História da Medicina do Paraná]. E nesse trabalho de explorar o acervo conseguimos localizar algumas coisas, como um relatório da UFPR de 1928. Nesse relatório, tem por exemplo o registro do que ela lecionava nas disciplinas que ela ministrava em Farmácia e Medicina. E conseguimos muitos dos documentos de familiares, como fotografias, carteira profissional e peças originais do concurso de professora catedrática.
Chananda – Como funciona o trabalho de campo?
Camila – O trabalho é cansativo e desgastante. Às vezes, em um dia você pega uma caixa de documentos antigos, folheia em um único dia 2 mil a 3 mil páginas e você não localiza absolutamente nada sobre a Maria Falce. Daí em um outro dia você abre uma caixa e puxa cinco volumes de documento e nesses cinco têm informações sobre ela.
Você passa um dia folheando e tendo que ler com atenção. Às vezes em uma linha está uma citação sobre ela e essa linha nos ajuda a puxar outro fiozinho pra que a gente chegue em outro documento, outra instituição. É emocionante e desafiador. Muitas vezes desgastante, às vezes você passa o dia e não para e quando vai ver está seis horas e você não levantou, tomou água, foi ao banheiro. Mas isso também faz parte da nossa rotina como pesquisadora.
SERVIÇO
Exposição Maria Falce de Macedo
Quando? De 18 de outubro de 2022 a 23 de maio de 2023
Onde? No Museu da História da Medicina do Paraná, localizado na Santa Casa de Curitiba (Praça Rui Barbosa, 694 – Centro, Curitiba)
Horário? Segunda a sábado, das 9h às 18h30
Como agendar? A visitação é guiada e gratuita e precisa ser agendada pelo site, e-mail museu@santacasacuritiba.com.br ou telefone (41) 3320-3502
Foto destaque: Reprodução/Espaço Cultural Museu da História da Medicina do Paraná