Por Alice Lima
Supervisão: Maíra Gioia
Fotos: Arquivo Pessoal
Dados coletados no continente gelado são essenciais para compreender e lidar com as mudanças climáticas na América do Sul
Após mais de dois meses navegando ao redor do continente antártico para analisar a relação entre ciclones extratropicais e o gelo marinho, a expedição na Antártida chegou ao fim. Ao todo, foram mais de 20 mil km navegados ao redor do continente mais inóspito do planeta Terra, num trabalho conjunto de 61 cientistas de sete países, pesquisando diversas frentes, e 43 radiossondas lançadas pela equipe da professora Camila Carpenedo, cientista da Universidade Federal do Paraná, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Variabilidade e Mudanças Climáticas (Nuvem), e coordenadora do projeto Polar Connections do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). As informações coletadas na 1ª Expedição Científica Internacional de Circum-navegação Antártica (ICCE, International Antarctic Coastal Circumnavigation Expedition) serão utilizadas para a previsão mais assertiva de eventos climáticos extremos, além de complementar os dados antes escassos sobre o clima antártico.
Primeiros resultados
As radiossondas são sensores acoplados a balões meteorológicos para medição sobre temperatura do ar, umidade, velocidade do vento e pressão atmosférica. Quando lançados, os balões podem chegar a até 30 km de altura. A equipe de meteorologia do navio, formada por Camila Carpenedo (Universidade Federal do Paraná), Gonzalo Bertolotto (Universidade de Magalhães e Instituto Antártico Chileno), Cláudia Klose Parise (Universidade Federal do Maranhão) e Luis Felipe Mendonça (Universidade Federal da Bahia), foi responsável pelo lançamento dessas radiossondas.
Para saber mais sobre a coleta de dados atmosféricos, confira a matéria da série aqui.
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De novembro de 2024 a janeiro de 2025, a equipe coletou dados do perfil vertical atmosférico da região para compreender a relação entre o gelo marinho e os ciclones extratropicais, sistemas atmosféricos frequentemente associados a chuvas intensas, ventos intensos, granizo e eventos de ressaca do mar.
“Conseguimos coletar dados para além do que havíamos planejado, conseguimos monitorar rios atmosféricos, frentes frias, e diferentes condições do oceano (com e sem gelo marinho)”, conta Camila.
Como resultado imediato, o material oferece informações atualizadas sobre a troposfera, camada baixa da atmosfera, e a estratosfera, a segunda camada da atmosfera, no Oceano Austral, e supre a falta de dados em uma das regiões mais sensíveis do sistema climático global. Essas novas análises serão assimiladas em um modelo de previsão do tempo, o Weather Research and Forecasting Model (WRF, Modelo de pesquisa e previsão meteorológica, em tradução livre), para maior acurácia das previsões.
Os resultados obtidos através das radiossondas buscam explicar as interações entre o gelo marinho e sistemas atmosféricos de grande escala, como frentes frias e ciclones, que contribuem para o regime de chuva na América do Sul. Camila explica que essa relação entre o gelo marinho e os sistemas atmosféricos já era conhecida, a diferença é que, agora, os dados coletados permitem estudar a fundo essa conexão, inclusive identificando o papel do gelo marinho antártico como componente importante para a previsão de tempo na América do Sul. A pesquisadora também conta que os parâmetros serão utilizados para construir melhores representações da circulação e sistemas atmosféricos:
“Também iremos desenvolver e implementar um sistema de modelagem atmosférica de alta resolução no Oceano Austral assimilando os dados observados in situ (no local) durante a 1ª ICCE”, afirma a cientista.
Previsão de eventos climáticos extremos
Apesar das contribuições para a área científica, se engana quem pensa que a pesquisa da equipe de meteorologia não afeta o nosso dia a dia. De acordo com Camila, os dados coletados são essenciais no contexto de mudanças climáticas globais. Com maior conhecimento das características atmosféricas e do gelo marinho da Antártida e suas influências em outras regiões da Terra, é possível aumentar a capacidade de previsão de sistemas atmosféricos que impactam a América do Sul, incluindo o desenvolvimento de ferramentas para a previsão de eventos climáticos extremos que têm origem nas frentes frias antárticas. Assim, os dados coletados são ferramentas para melhor preparar uma cidade ou até mesmo um país diante de episódios climáticos intensos, como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024.
“Os resultados podem contribuir para a redução de perdas humanas, sociais, ambientais e econômicas, além de contribuir para a segurança alimentar, gestão de recursos hídricos e planejamento de infraestruturas, fortalecendo a resiliência do país frente à emergência climática”, explica Camila.
Fim do ano no fim do mundo
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O navio quebra-gelo deixou o Brasil no dia 22 de novembro, com previsão de retorno para o dia 30 de janeiro, ou seja, as festas de fim de ano foram comemoradas em alto mar. A pesquisadora da UFPR narra sua experiência de estar longe de casa durante o Natal e o Ano Novo:
“Foi estranho não estar com a família nas festas de fim de ano, mas mesmo assim participei do amigo secreto de forma on-line e ao vivo! No navio tinha enfeites, árvore de Natal e teve amigo secreto. Na noite de Natal tivemos alguns petiscos”.
Apesar do clima natalino dentro do navio, na noite do dia 24, uma equipe que coleta amostras de gelo ficou presa no continente devido a condições meteorológicas adversas. Os cientistas foram surpreendidos com uma mudança repentina no tempo e, com ventos fortes e tempestade de neve, não conseguiram retornar ao navio. Por ser uma expedição que contorna o continente antártico, na maior parte do tempo os integrantes ficam dentro do navio e saem em ocasiões específicas para coleta de amostras. Felizmente, aqueles que saíram a campo estavam devidamente preparados com kits de acampamento básico, e conseguiram se proteger em uma barraca até as condições melhorarem. Eles ficaram abrigados no continente por cerca de 30 horas.
“Por isso, o Natal não foi tão comemorado. Na noite de Ano Novo houve uma festa, com direito a Papai e Mamãe Noel russos!”, lembra a cientista.
Os elementos culturais russos no navio se dão pelo próprio navio quebra-gelo ser russo! A expedição a bordo do Akademik Tryoshnikov foi uma parceria entre a Rússia, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Argentina.
Último diário de bordo
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Na primeira reportagem da série Expedição Antártida, contamos que Camila esperou mais de 10 anos pela oportunidade de ir até o continente que mais a fascinava desde muito nova. Ao longo das entrevistas, ela compartilhou um vislumbre do que é estar pessoalmente diante de geleiras descomunais, que já presenciaram o virar dos séculos, e o sentimento de fazer ciência onde o sol não se põe e o mar parece não ter fim. E como um último diário de bordo desta aventura, Camila divide um pouco do que vai levar consigo na volta pra casa.
Agência Escola: Qual momento mais te marcou?
Camila: Foi na madrugada do dia 4 de janeiro. Fomos fazer o lançamento de radiossonda para monitorar um ciclone extratropical. Quando saímos no convés do navio, o céu estava cor de rosa, cheio de gelo marinho e de icebergs de formatos diversos, bem próximos do navio. Foi a paisagem mais linda e diferente que vi na vida! É difícil até de explicar…
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Agência Escola: A expedição foi como você sonhou?
Camila: Dificilmente algo é exatamente como sonhamos, pois os sonhos são idealizações. Mas, sem dúvida, nada minimiza o que foi viver essa experiência: todas as paisagens incríveis que vi, toda a experiência que adquiri com o lançamento das radiossondas, a noção de escala do planeta, todas as pessoas que tive a oportunidade de conhecer. São experiências, emoções e relações que vou levar para toda a vida.
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Retorno para o Brasil
A rota de retorno passa pelo mar de Bellingshausen, pela Ilha Rei George, localizada na Península Antártica e segue para o Rio Grande do Sul, onde o navio atraca entre 30 e 31 de janeiro.