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Além da ficção: Centro de Ciências Forenses da UFPR atua na autenticação de obras de arte

A principal metodologia utilizada é o espalhamento Raman, uma técnica óptica não destrutiva, considerada extremamente eficaz na análise química forense

 

Por Gabriel Costa 

Fotos: Centro de Ciências Forenses/UFPR e divulgação 

Supervisão: Maíra Gioia

 

A lavagem de dinheiro é um processo que envolve diversas operações comerciais com o objetivo de disfarçar a origem ilícita de recursos financeiros. Um dos métodos mais retratados em filmes e séries — e também um dos mais difíceis de rastrear — é a compra e venda de obras de arte com valores supervalorizados. Isso porque o valor da arte é, muitas vezes, subjetivo e difícil de ser comprovado.

Obra de arte em processo de análise de identificação no Centro de Ciências Forenses da UFPR. Foto: Centro de Ciências Forenses/UFPR

E não é só em roteiros de ficção: na vida real, criminosos ao redor do mundo já movimentaram milhões de dólares em galerias e leilões. No Brasil, essa estratégia foi usada por investigados da Operação Lava Jato, deflagrada em 2014. Diversas obras foram apreendidas durante as fases da operação, suspeitas de servirem como instrumentos para ocultação de patrimônio.

Foi aí que a ciência entrou em cena. O Centro de Ciências Forenses da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com o Setor Técnico-Científico da Superintendência da Polícia Federal no Paraná, com sede em Curitiba, passou a realizar análises técnicas em pigmentos retirados das obras suspeitas.

A principal metodologia utilizada é o espalhamento Raman, uma técnica óptica não destrutiva, considerada extremamente eficaz na análise química forense. Ela permite identificar com precisão os pigmentos usados nas pinturas, estabelecendo comparações entre obras questionadas e outras já certificadas.

 

“Existem diferentes tipos de movimentos que os átomos podem fazer, e cada molécula tem sua própria sequência de modos de vibração. A técnica que usamos permite identificar esses modos — e, conhecendo-os, conseguimos determinar qual é a molécula. No caso das pinturas, por exemplo, é possível identificar exatamente qual tinta foi usada pelo artista, seja no vermelho, no verde, no azul. Se ele usou diferentes tons de azul, conseguimos descobrir quais foram. É uma técnica bastante poderosa do ponto de vista da identificação molecular”, explica o professor Evaldo Ribeiro, do Departamento de Física da UFPR, e que integra o Centro de Ciências Forenses da Universidade.

 

Um dos objetivos dos pesquisadores envolvidos na investigação é criar um banco de dados com os espectros dos pigmentos de tinta, algo que ainda não existe no Brasil e que poderia fortalecer ainda mais o trabalho da perícia. Com essa base, seria possível comparar o espectro de uma obra suspeita com os registros do banco e, assim, identificar com precisão as substâncias utilizadas em uma pintura.

 

Contato inicial

Apesar da seriedade do caso, Evaldo lembra com humor sobre como a polícia o contatou: “O primeiro contato foi um baita susto. Eu estava na minha sala, trabalhando normalmente, quando de repente entraram três policiais. Me chamaram pelo nome: ‘Professor Evaldo?’ Eu respondi: ‘Sou eu’. Meu Deus, que susto! Pensei: acabou tudo.” Mesmo com a situação curiosa, o susto de Evaldo acabou virando uma parceria frutífera.

 

“Eles explicaram que um ex-aluno meu, que trabalhava com eles, indicou meu nome. Disseram que estavam precisando usar a técnica do Raman e queriam saber como funcionava. Aí eu relaxei, a gente conversou, e começamos a trabalhar”, conta o professor.

 

Inicialmente, as amostras foram enviadas pela Polícia Federal para São Paulo, onde seriam analisadas por uma especialista da Universidade de São Paulo (USP), mas o processo avançou lentamente. Foi então que surgiu a possibilidade de realizar os exames em Curitiba. Evaldo já utilizava a técnica do espalhamento Raman em suas pesquisas, embora nunca tivesse aplicado o método especificamente para pigmentos.

 

“Coletamos as amostras e, rapidinho, consegui entregar os primeiros resultados”, destaca Ribeiro.

 

A parceria foi dividida de forma estratégica.

 

“Como eu e meu grupo não tínhamos muita experiência com arte, ficamos com os quadros de pintores vivos. Assim, podíamos entrar em contato com eles, pedir mais material, sem precisar conhecer tanto sobre história da arte. A professora  da USP por outro lado, ficou com as obras de pintores já falecidos, ela conhece muito sobre estilos e escolas artísticas”, afirma.

 

Obras analisadas

Artista brasileiro Sérgio Telles. Foto: divulgação

As primeiras obras enviadas foram uma série de quadros do artista brasileiro Sérgio Telles. Pintor consagrado, Telles foi diplomata e percorreu o mundo, registrando em telas os mais diversos cenários e influências culturais. Essa trajetória extensa e plural torna a verificação da autenticidade de suas obras ainda mais complexa, já que ele utilizou materiais de diferentes origens ao longo dos anos. A proposta do pesquisador era verificar se os pigmentos utilizados nos quadros apreendidos eram compatíveis com os padrões conhecidos da produção do artista.

 

“Se identificamos tintas modernas, comerciais de hoje, em pinturas que supostamente são do século XVIII, por exemplo, conseguimos detectar a fraude rapidamente. É muito fácil identificar esse tipo de falsificação”, explica Evaldo Ribeiro.

 

Apesar das suspeitas de fraude, todas as obras analisadas até agora foram reveladas autênticas. A constatação, no entanto, não muda o contexto do crime. Mesmo sendo originais, elas foram utilizadas em esquemas de lavagem de dinheiro. A lógica é simples e eficiente: uma obra de arte — verdadeira ou falsa — pode receber um valor elevado em uma transação, desde que venha acompanhada de uma nota fiscal. Com isso, o bem passa a ter uma justificativa legal para seu valor, permitindo que recursos de origem ilícita sejam inseridos no sistema financeiro sem levantar suspeitas.

 

“Se você compra um quadro por R$ 500 mil, com nota fiscal de uma galeria, ninguém pergunta de onde veio o dinheiro. O quadro está lá, registrado, é um bem. Se um dia você vender, o dinheiro entra limpo”, destaca o professor.

 

Em muitos casos, criminosos chegam a pagar altos valores por obras falsas, justamente porque o que importa é o documento da compra, e não a autenticidade da peça.Por isso, o mercado de arte é um dos alvos preferenciais de esquemas internacionais de lavagem de dinheiro. Seu caráter subjetivo, a dificuldade em avaliar valores com precisão e a ausência de mecanismos regulatórios robustos tornam esse comércio altamente vulnerável. Evaldo Ribeiro também já atuou em casos de falsificação em que criminosos tentaram envelhecer artificialmente obras de arte para driblar a investigação forense. Nessas situações, o pesquisador concluiu que a análise do solvente da tinta pode ser decisiva para a autenticação.

 

“Conseguimos detectar uma diferença no solvente da tinta, o que não esperávamos. Estamos escrevendo um artigo para publicar essa descoberta, que representa um avanço importante na identificação de falsificações”, destaca o professor.

 

Seja na saúde, artes, substâncias químicas ou desaparecimentos, a ciência forense permeia a nossa sociedade. Ao longo dessa série observamos que sua importância vai muito além do retratado na ficção. Ciência forense não é só morte, e a UFPR é uma das maiores responsáveis por provar isso em todo o Brasil.

 

Você pode ler as demais reportagens da série ‘Além da ficção’ aqui:

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Além da ficção: a arma invisível da investigação forense

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