Além da ficção: Centro de Ciências Forenses da UFPR ajuda na identificação de pessoas desaparecidas
26 de junho de 2025
No Laboratório de Análise de Minerais e Rochas (Lamir) o trabalho chama a atenção de quem se interessa por investigações e enigmas de um bom suspense
Por Gabriel Costa
Fotos: banco de imagem e divulgação
Supervisão: Maíra Gioia
As ciências forenses são muito mais do que aquilo que normalmente acompanhamos em filmes e séries, mas o que aparece nas obras da indústria cultural não é totalmente mentira. No Laboratório de Análise de Minerais e Rochas (Lamir), que integra o Centro de Ciências Forenses da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o trabalho chama a atenção de quem se interessa por investigações e enigmas de um bom suspense.
Fundado em 2007, o Laboratório é coordenado pela professora Anelize Bahniuk, do Departamento de Geologia da UFPR. Com estrutura de alta tecnologia voltada para análises químicas, físicas e mineralógicas, o espaço também desempenha um papel estratégico no fortalecimento de um polo de excelência em caracterização de matérias-primas no país.
Atualmente, o foco do Lamir está na área de óleo e gás, com ênfase em geoquímica isotópica. Ainda assim, o Laboratório também atua de forma significativa na área forense, especialmente com análises isotópicas voltadas à rastreabilidade de materiais.
Foto: banco de imagens
As análises isotópicas funcionam como uma espécie de impressão digital dos elementos químicos. Ao estudar os isótopos — variações de um mesmo elemento com diferentes massas — os cientistas conseguem identificar a origem geográfica de um material, traçar sua trajetória e até entender hábitos alimentares.
Essa técnica é especialmente útil nas ciências forenses: ao analisar ossos, dentes, água ou alimentos, por exemplo, é possível levantar pistas sobre onde uma pessoa viveu ou se determinado produto é autêntico. No Lamir, esse tipo de análise tem sido aplicado em colaborações com a polícia científica e a Polícia Federal para rastrear materiais e auxiliar investigações.
Projeto Fim do Luto de Famílias de Pessoas Desaparecidas
Um dos projetos mais importantes desenvolvidos no Lamir recebeu o nome de Fim do Luto de Famílias de Pessoas Desaparecidas. O projeto, segundo a professora Anelize Bahniuk, busca aplicar a geoquímica isotópica na análise de ossadas humanas não identificadas. A ideia do projeto surgiu após a professora entrar em contato com um grupo de mães com filhos desaparecidos.
Professora Anelize Bahniuk
“Eu sou mãe, e esse tema foi extremamente tocante para mim. Depois da minha apresentação, uma dessas mães pediu para falar e fez um depoimento muito bonito, dizendo o quanto a ciência poderia trazer um alento para elas em um momento de tanta angústia”, conta a pesquisadora.
Além de produzir conhecimento científico, o Lamir tem como propósito amenizar o sofrimento de famílias que convivem com a dor da ausência.
“Qualquer conforto que a gente consiga trazer para quem está nessa situação já é muito importante. Esse projeto foi muito marcante, realmente muito bonito”, destaca Anelize.
Cientificamente, o objetivo era entender, a partir da composição isotópica de dentes, ossos, cabelos e até unhas, de que região geográfica aquele corpo poderia ter vindo. Embora essa metodologia ainda não permita identificar diretamente a pessoa, ela oferece um primeiro passo essencial: indicar uma provável origem. Depois, entra o trabalho da genética, com o DNA, que pode confirmar a identidade. O projeto, segundo Anelize, partiu da estrutura já existente no Laboratório e do conhecimento consolidado em análises geoquímicas.
“Primeiro fizemos uma série de estudos metodológicos, como a comparação entre água da chuva e água da torneira, para entender como as variações ambientais impactam nos isótopos”, conta.
Apesar dos avanços, o uso da geoquímica isotópica para identificação de pessoas desaparecidas ainda está em fase de consolidação. Mas para quem conhece de perto o poder dessa ferramenta, é questão de tempo até que se torne essencial nos processos de identificação humana.
“A ideia desse projeto era justamente isso: não necessariamente encontrar a pessoa desaparecida, mas ao menos identificá-la para que as famílias possam dar um fim ao luto e finalmente enterrar seus entes queridos”, lembra Anelize.
Investigação de fraudes
Antes do projeto com ossadas humanas, o Lamir já havia realizado outra aplicação pioneira da técnica de isótopos no Brasil, relacionada à investigação forense de fraude comercial.
Um grupo de empresários de Londrina (PR) comprou lingotes de zinco da China, que chegaram ao porto de Paranaguá (PR). No entanto, ao abrir o container em Londrina, ao invés do metal esperado, encontraram sacos de areia. Então, a polícia foi acionada e o caso passou para a Polícia Federal, que contatou o Lamir para realizar a análise daquele material.
A equipe do Laboratório descobriu que a troca do material — o zinco pelo areia — não havia ocorrido no porto de Paranaguá, mas em algum outro ponto do trajeto. Essa descoberta foi fundamental para desvendar o que havia ocorrido nessa fraude. A metodologia utilizada, apesar de diferente da aplicada em ossadas, mostra o potencial da análise isotópica para investigações forenses complexas no país. O Lamir é parte essencial da investigação forense no Paraná e no Brasil. Mesmo com trabalhos ainda em desenvolvimento, o Laboratório já se consolidou como um importante agente em áreas complexas de pesquisa.
“A gente não faz a perícia em si. Não somos os responsáveis por ir até a cena do crime, como aquele profissional do estilo CSI. Nosso papel começa depois: quando esse material chega ao laboratório para análise”, explica Anelize.
Os laboratórios da UFPR desenvolvem análises forenses que vão além das já abordadas nesta série. Nossa próxima pauta é o trabalho de autenticação de obras de arte — incluindo peças apreendidas durante a Operação Lava Jato — conduzido pelo Centro de Ciências Forenses da Universidade. Trata-se de uma frente que une ciência e patrimônio cultural no combate à falsificação e à lavagem de dinheiro.
Série:
Além da ficção
Com um trabalho tão amplo, é impossível contar todos os casos, histórias e curiosidades do Centro de Ciências Forenses da UFPR em apenas uma reportagem. Por isso, a Agência Escola UFPR se debruçou sobre o tema em uma série repleta de momentos marcantes.
As histórias vão desde o projeto Fim do Luto de Famílias de Pessoas Desaparecidas, que trabalha com ossadas não reconhecidas, até uma pesquisa sobre as substâncias químicas presentes em cigarros eletrônicos.
Na última reportagem da série você vai entender como o Centro de Ciências Forenses passou a realizar análises técnicas em pigmentos retirados de obras suspeitas.
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