Projetos de divulgação científica, como a Agência Escola UFPR, mostram importância de diálogo com a sociedade e formação de estudantes e toda a comunidade acadêmica #AgenciaEscolaUFPR
Por Maria Fernanda Mileski
Edição por Chirlei Kohls
O ano era 2018. Um projeto inovador surgiu na Universidade Federal do Paraná com a proposta de formar, experimentar e unir o conhecimento de professores, alunos de graduação e pós-graduação e profissionais de diversas áreas para trabalhar com divulgação científica. A Agência Escola UFPR era, naquela época, uma ideia que saiu do papel e colocou em prática a missão de romper as barreiras entre a ciência e a sociedade. De lá pra cá o projeto cresceu e contribui cada vez mais com a divulgação científica na universidade, o que ajuda no combate à desinformação, principalmente, no último ano com a pandemia da Covid-19.
A divulgação científica tem uma relação estreita com o cotidiano da população, pois busca a democratização do acesso ao conhecimento científico. Já a pandemia mostrou a necessidade de alcançar a verdadeira educação para a ciência, com o objetivo de construir uma sociedade que avance na compreensão do mundo. Nesse sentido, a formação e a experimentação de projetos que se dedicam à divulgação científica torna-se fundamental.
Para o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, a pandemia da Covid-19 deixou claro para a sociedade que apenas a ciência é capaz de encontrar respostas seguras. “As universidades públicas e a UFPR, mesmo com cortes de verbas, se sobressaíram nesse momento tão delicado realizando um trabalho imprescindível, desde pesquisas até ações que ajudam diretamente a população. A comunicação foi de vital importância nesse momento para que pudéssemos popularizar e democratizar o conhecimento e também combater essa cultura, cada vez mais crescente, de desinformação e fake news”.
Quem endossa a opinião de Ricardo Marcelo é a pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e coordenadora da Agência Escola UFPR, Regiane Ribeiro, ao afirmar que a desinformação muitas vezes nasce do desconhecimento do processo de fazer ciência pela sociedade. Aí está a importância da divulgação científica se colocar cada vez mais próxima das casas da população brasileira.
O último estudo “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), revelou que 73% dos 2,2 mil entrevistados em todo o Brasil acham que a Ciência e Tecnologia trazem só benefícios ou mais benefícios que malefícios para a sociedade. Fica a dúvida: por que o aumento de desinformação e fake news são tão efetivos no contato com as pessoas?
As fake news são notícias exageradas, imprecisas ou incorretas, publicadas frequentemente na internet ou redes sociais como se fossem informações reais e com embasamento científico. Em relação à Covid-19 não foi diferente. A desinformação é um campo minado, uma vez que deixou os cidadãos mais vulneráveis ao vírus. A comunidade científica reagiu a isso de forma rápida e a divulgação científica acompanhou, ao traduzir e tornar mais acessíveis as informações sobre a pandemia para a sociedade.
A pesquisa do MCTIC e CGEE, que contou ainda com a parceria do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mostrou também que 82% dos brasileiros são capazes de entender o conhecimento científico se for bem explicado. O dado se relaciona com o que Regiane comenta, de que a pandemia da Covid-19 mostrou a importância para que universidades e meios de comunicação despertassem para a divulgação científica.
“A gente viu aí um aumento considerável de divulgadores científicos no YouTube, Twitter e outras redes sociais. Grandes pesquisadores que acabaram convergindo para a área da divulgação científica e sendo considerados influenciadores digitais. Acho que isso é muito positivo, pois amplia nosso espaço de interlocução com a sociedade”, afirma a professora.
A Agência Escola: um projeto de divulgação científica da UFPR
A Agência Escola UFPR está completando três anos neste mês de setembro. Sua missão é criar e fortalecer relações acessíveis e informativas entre as pessoas e a ciência. A AE se dedica à prática da divulgação científica a partir dos meios de comunicação e incentiva a experimentação de diferentes linguagens criativas e na produção de materiais e conteúdo para a comunicação das pesquisas produzidas por cientistas.
Regiane relata que o projeto tem como conceito norteador a Comunicação Pública da Ciência e permite que os alunos, professores e profissionais envolvidos aprendam, experimentem e pratiquem a divulgação científica. A Comunicação Pública da Ciência propõe comunicar a ciência para a sociedade com linguagem acessível e de fácil compreensão, além de alfabetizar midiática e criticamente a população.
A professora ressalta que a Agência Escola UFPR se preocupa em desenvolver seus conteúdos pensando no diálogo com o cidadão, para que ele não se sinta estranho ao que o cientista faz. A ação Pergunte aos Cientistas é um exemplo claro dessa ponte com a comunidade, pois recebe dúvidas sobre a Covid-19 de todo o Brasil para que sejam respondidas por pesquisadores da UFPR.
“Para comunicar a partir de uma Comunicação Pública, é preciso pensar na linguagem do processo científico para um cidadão comum, a fim de que seja capaz de entender, contextualizar, criticar e refletir sobre a ciência. É um processo de tradução e a formação está muito nisso, na relação direta entre ensinar e dialogar com todos os integrantes da Agência Escola, pensando a melhor forma de traduzir nossos conteúdos”, complementa Regiane.
O reitor Ricardo Marcelo parabeniza a Agência Escola pelo trabalho em divulgação científica desenvolvido. “Fico feliz em ver o amadurecimento da Agência Escola como projeto de formação e divulgação em comunicação para ciência e orgulhoso em ter incentivado e acreditado nessa iniciativa que muito contribui para a nossa UFPR”, finaliza.
Estudantes que aprendem e experimentam divulgar ciência
A Agência Escola é também um projeto formativo e de experimentação, que foi criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (Sacod) a partir de um convênio com a Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar) e parceria com a Superintendência de Comunicação e Marketing (Sucom) da UFPR. Regiane explica que a preocupação por esses eixos significa formar alunos para a reflexão crítica e a prática da divulgação científica. Por outro lado, há também a intenção de alfabetizar os cientistas de diversas áreas da UFPR para os meios de comunicação, contribuindo assim com o diálogo e diminuindo a distância entre ciência e sociedade.
Segundo a coordenadora do projeto, essa diversidade de sujeitos envolvidos desde a produção de conteúdos até o pensar a ciência reafirma o compromisso com o combate à desinformação de dentro para fora da Universidade. “São professores que orientam alunos de graduação, há também alunos de pós-graduação que participam do processo formativo do aluno da graduação e temos os profissionais que também estabelecem uma relação formativa”.
Breno Antunes é estudante do curso de Jornalismo e bolsista de graduação na Agência Escola UFPR desde 2019. A divulgação científica se tornou um universo repleto de aprendizados e possibilidades para o estudante, inclusive de um futuro profissional. Ele conta que através do projeto aprendeu sobre Jornalismo Científico, teve experiência com as rotinas da sua profissão e estreitou o seu conhecimento pessoal sobre ciência.
Há quase dois anos fazendo parte da equipe, Breno trabalha com a produção de reportagens para o site da Agência Escola e portal UFPR, na parceria do projeto com a Sucom. Também experimentou fazer atendimentos para a imprensa e se envolveu com produções audiovisuais e sonoras. Além de tudo isso, participou de cursos de formação em divulgação científica, workshops e outros eventos. Através de seu trabalho, o estudante viu pesquisas da UFPR serem publicadas em grandes veículos de comunicação regionais e nacionais, como a RPC TV, afiliada da Rede Globo no Paraná, rádio CBN, Correio Braziliense e Folha de S. Paulo.
No entanto, entre todos os aprendizados que teve como bolsista da Agência Escola UFPR, ele considera que o maior foi sobre o impacto da divulgação científica fora dos muros da universidade. “A Agência Escola me deu um empurrão muito forte nessa percepção do contexto em que a ciência se aplica e como pode contribuir na vida das pessoas. Isso faz com que eu tenha um entendimento da importância do meu trabalho e faz eu valorizar muito mais a universidade e a minha graduação”, defende.
Outro bolsista da Agência Escola UFPR que destaca a função da divulgação científica, especialmente durante a pandemia, é Angelo Biase. O estudante do curso de Música da UFPR defende que a aproximação da ciência e sociedade é importante no combate à desinformação e a única forma de enfrentar o que todos estão passando. “Eu posso dizer que estou ali no backstage, dando forma a alguns produtos da Agência Escola UFPR e é bastante satisfatório contribuir dessa maneira”.
Desde o início de 2021, Angelo faz a edição do podcast “Fala, Cientista!”, desenvolvido pela Agência Escola UFPR e que explica de forma descomplicada a relação cotidiana entre ciência e a sociedade, através de entrevistas com pesquisadores de dentro e fora da Universidade. Além disso, o estudante considera que um exemplo de formação e experimentação que vivenciou no seu trabalho como bolsista foi a criação da nova identidade sonora da AE.
“Foi um trabalho bem criativo e envolveu bastante experimentação no sentido de transparecer musicalmente as ideias que foram propostas. Além disso, posso dizer que os trabalhos que faço na Agência Escola me permitem certa liberdade, seja para experimentar e aprender algo diferente na edição dos podcasts ou na criação de trilhas, que são minhas atividades preferidas”, conta Angelo.
Contribuição para experiências profissionais fora da Universidade
“O que eu aprendi na Agência Escola UFPR foi pensar nos formatos, linguagens e na percepção de traduzir a informação científica. O projeto potencializou a minha formação e me permitiu experimentar ideias de divulgação científica na minha área”. É Ivo Gomez quem dá esse depoimento, sobre a sua passagem como bolsista de graduação na Agência Escola UFPR. O estudante de Publicidade e Propaganda trabalhou no projeto desde o seu início, em 2018, até quase dois anos, quando se despediu da equipe em 2020.
Ivo relata que participou de diversas atividades de formação e experimentação, que permitiram o contato com mídias sociais, planejamento e estratégias de comunicação e marketing, organização de eventos, entre outras ações. Para ele, as experiências foram essenciais para o caminho profissional que está trilhando depois de sair da Agência Escola UFPR. “Atualmente trabalho como assistente de marketing em uma empresa de saúde. Assim como na Agência Escola, preciso fazer muita pesquisa e traduzir a informação científica para a sociedade. O projeto deixou esse rastro na minha formação e não tenho palavras para agradecer”.
Assim como Ivo, Priscila Zimermann é uma ex-bolsista da Agência Escola UFPR. A então doutoranda do Programa de Pós-graduação em Design trabalhou, aprendeu e experimentou a divulgação científica na sua área por quase um ano. Segundo ela, a experiência lhe rendeu enxergar um novo olhar para a sua profissão. “O olhar da divulgação científica é complementar ao campo do design, especialmente no que se preocupa em divulgar, comunicar para diversos públicos e mostrar através de imagens a informação científica”, defende.
Atualmente, Priscila trabalha como professora, mas reconhece a importância e impacto da divulgação científica na sociedade, mesmo na sua rotina profissional atual. De acordo com a ex-bolsista, o grande mérito da Agência Escola em sua formação foi ter contribuído para que ela encontre caminhos de “falar a mesma língua” das pessoas fora da universidade, com argumentos e narrativas não só interessantes para o público mais amplo, mas com função de combater a desinformação e a pandemia. “Falo disso não apenas em sala de aula, que é a que me dedico agora, mas enquanto uma pesquisadora que entendeu ser preciso contar para as pessoas o que se faz dentro dos muros da UFPR”.
Incentivos e recursos para o desenvolvimento de projetos de divulgação científica
Mesmo diante da redução dos investimentos nas universidades brasileiras, as pesquisas científicas resistem e desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do país, proporcionando melhorias diretas para a sociedade. Nesse sentido, se faz necessário o incentivo ao desenvolvimento de projetos de divulgação científica, para aumentar o espaço de interlocução com a população. De acordo com o professor Helton José Alves, que é gestor da Superintendência de Parcerias e Inovação (SPIn) da UFPR, o cenário orçamentário cada vez mais reduzido impõe que as universidades inovem e busquem formas de ampliar a captação de recursos e incrementar suas parcerias. Projetos de divulgação científica podem ajudar nesse processo.
“As universidades precisam se conhecer para ampliar a divulgação da ciência, dos projetos e das iniciativas, seja no campo científico, da extensão ou da inovação. Isso pode e deve ser feito de uma forma mais profissionalizada, o que colabora na apresentação para a sociedade e no diálogo sobre o que fazemos de bom aqui dentro”, afirma Helton.
Com esse objetivo, a SPIn busca aproximação com a sociedade e com agentes públicos e privados, para trazer à universidade novas parcerias, projetos e oportunidades. Além disso, o professor conta que para potencializar essa operação, foi criada na Superintendência da UFPR a Diretoria de Prospecção e Portfólio, que tem o intuito de mapear pesquisas científicas, teses e dissertações, pedidos de patentes e patentes concedidas, entre outros estudos e inovações, para uma organização sistemática dos dados da instituição, que devem ser mostrados para a sociedade.
Além desse esforço, a UFPR lançou no último mês de julho, por meio da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proec), a Rede de Divulgação Científica, que visa aproximar diferentes ações de divulgação científica dentro da Universidade, para construir novas formas de diálogo com atores externos. Podem participar da Rede professores e técnicos que possuam projetos de extensão, iniciativas, disciplinas e demais ações que promovam a popularização da ciência para a comunidade. Veja mais informações aqui.
Incentivos e iniciativas para projetos de divulgação científica se mostram cada vez mais importantes para as universidades brasileiras, frente à relevância que a ciência possui diante dos desafios impostos pela desvalorização da pesquisa no Brasil e pela pandemia. Helton defende que à medida que as universidades se abrem e investem na vitrine tecnológica, na divulgação e popularização da ciência, é possível enxergar um novo horizonte para o país.
“Contribui para que as pessoas estejam mais próximas e se sintam mais envolvidas com aquilo que a universidade faz, rompendo as barreiras que temos entre UFPR e população. Cumpre, portanto, o papel das instituições públicas em devolver para a sociedade os investimentos públicos que são feitos aqui dentro”, sugere o professor.
A professora Regiane acrescenta que existem projetos de divulgação científica relevantes no Brasil, como a RedeComCiência que agora é parceria da Agência Escola UFPR. O diferencial do projeto da Universidade Federal do Paraná é aliar à divulgação científica a formação e experimentação. “Poucas universidades têm a sorte como nós temos na UFPR de uma gestão disposta a criar projetos como o nosso, que contribui com o estreitamento do diálogo com a sociedade por meio dos nossos produtos de comunicação. Creio que, cada vez mais, as instituições vão se abrir para iniciativas como essa”.
Por fim, Breno acredita que a Agência Escola UFPR, assim como os demais projetos de divulgação científica, são essenciais dentro do contexto atual do Brasil. O bolsista destaca que é um trabalho árduo, mas que impacta diretamente a vida de cada cidadão. “É da divulgação científica que podemos fazer uma conexão, para que as pessoas possam entender o papel da ciência e a importância dos cientistas para a construção da nossa sociedade e para a recuperação da pandemia”, finaliza o estudante.
Foto destaque: Angelo Biase / Arquivo Pessoal