A vigilante Katlin Marques, o entregador de aplicativos Philipe Dutkevicz, a psicóloga Ana Maria Lucca e o analista ambiental Gilberto Sales contam como a ciência afeta o cotidiano #AgenciaEscolaUFPR
Por Isabela Stanga e Maria Fernanda Mileski
Com edição e sob supervisão de Chirlei Kohls
A partir de pesquisas, de iniciativas de extensão, do ensino e de projetos voltados à sociedade, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) atravessa os seus próprios muros e impacta diretamente a vida das pessoas. É o caso do pai de Katlin Marques, seu Valdair, que conseguiu o diagnóstico de Covid-19 através do teste imunológico produzido por pesquisadores da UFPR e oferecido gratuitamente pela instituição, depois de três palpites médicos equivocados. E também da Ana Maria Lucca, que voltou à UFPR depois de 26 anos e passou por uma experiência de aprendizado que mudou sua visão de mundo.
Além da saúde e da área social, a Universidade presta apoio ao meio ambiente e às populações que vivem ao seu entorno, como as comunidades costeiras do litoral paraense, em uma iniciativa com reconhecimento nacional. Assim como a ciência afeta a vida da população, esta, por sua vez, também contribui para os estudos conduzidos na universidade. Philipe Dutkevicz é entregador de aplicativos e participou de uma pesquisa coordenada pela UFPR, a fim de gerar conhecimento sobre a aplicação dos direitos desses trabalhadores durante a pandemia da Covid-19.
Em meio à crise sanitária que vivemos, a ciência tem mostrado cada vez mais a diferença que exerce na vida da população brasileira. Neste texto, quem relata suas experiências são pessoas que viram a produção científica da UFPR impactar de diferentes formas a sua vida, o seu trabalho ou a sua saúde.
No Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador, que aconteceu no último mês de julho (8), a Agência Escola UFPR publicou uma reportagem especial que mostrou exemplos de projetos e pesquisas científicas de diferentes áreas produzidas na UFPR que beneficiam diretamente a sociedade. Pesquisadores da Universidade produziram mais de 100 mil litros de álcool 70%, que foi distribuído gratuitamente para ajudar instituições no combate à pandemia, por exemplo – veja mais dados no infográfico abaixo.
Para o pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UFPR, Francisco de Assis Mendonça, a ciência contribui de maneira direta no desenvolvimento econômico, social e político da sociedade. O professor ressalta que as universidades públicas brasileiras formam profissionais qualificados que atuam na comunidade. No entanto, o conhecimento produzido dentro dela, por pesquisadores, ultrapassa os muros e corredores e retorna para a população.
“Eu falo do conhecimento produzido por estudantes de graduação, mestrado, doutorado e especialização, que são base para o desenvolvimento da sociedade. Deter o conhecimento é poder atuar na comunidade, desenvolvendo e oferecendo o que melhor se consegue avançar para garantir qualidade e condições de vida à população”, defende.
“Se não tivéssemos séculos de ciência, a crise seria ainda pior”
Há três anos, Katlin Marques trabalha como vigilante no Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná. Em junho deste ano, toda a sua família descobriu que tinha sido contaminada pela Covid-19 através dos testes imunológicos desenvolvidos por pesquisadores do Laboratório de Microbiologia Molecular da UFPR Litoral, coordenado pelo professor Luciano Huergo. Com custo aproximado de produção de R$ 5, o teste diagnostica o coronavírus em aproximadamente sete minutos e está disponível para toda a população do Litoral do estado.
Katlin e seus familiares agendaram o seu atendimento em junho, após seu pai receber diagnósticos de dengue e a contaminação pelo coronavírus ter sido descartada por dois médicos. Como ele possui uma doença na próstata, é comum ter febre, então os profissionais de saúde acreditaram que não se tratava da Covid-19. Além disso, uma semana antes de apresentar os primeiros sintomas da doença, o pai de Katlin realizou um teste de farmácia, que apresentou resultado negativo.
“Depois de doze dias, meu pai estava bem mal de saúde, nem levantava mais da cama. Já tinha feito vários exames, até da dengue, que leva uma semana para sair o resultado. Então, resolvemos fazer novamente o teste de Covid [dessa vez da UFPR]. E o resultado foi positivo”, lembra Katlin.
Para ter uma confirmação do resultado, a família decidiu realizar os testes da UFPR, conduzidos pelo professor Luciano. Assim, descobriram que todos os familiares tinham sido infectados pelo coronavírus, inclusive a mãe de Katlin, sua irmã, seu cunhado e seu sobrinho, que na época tinha apenas um mês de idade.
A irmã da vigilante, a auxiliar administrativa Nicole Marques, relata que a mãe das duas também recebeu um diagnóstico equivocado. “Minha mãe foi várias vezes à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e achava que tinha pneumonia. Pelo teste da Universidade, ela descobriu que estava com a Covid-19 e, a partir disso, descobrimos que várias pessoas da casa estavam contaminadas”, relata.
Katlin e Nicole contam que sua experiência com a testagem foi positiva. Elas se cadastraram através do site de agendamento dos testes, disponível no portal da UFPR Litoral, que é aberto para a comunidade em geral. “É bem rápido e simples de fazer o cadastro. No final da tarde, já sai o resultado”, explica Katlin.
Acerca da importância da ciência, as duas reconhecem que a pandemia de Covid-19 ressaltou os efeitos que o conhecimento produzido nas universidades possui para a sociedade, sobretudo pelo rápido desenvolvimento de testes e de vacinas. “Falo isso olhando para o passado e comparando com situações semelhantes a que estamos vivendo. Se não tivéssemos séculos de ciência, a crise seria ainda pior”, afirma Nicole. Sua irmã, funcionária terceirizada da Universidade Federal do Paraná, acrescenta que se orgulha de fazer parte da comunidade acadêmica. “Os cientistas das universidades públicas estão realizando um importante trabalho neste momento. Tenho muito orgulho de trabalhar na UFPR, uma instituição que está contribuindo demais para o combate da pandemia”, completa.
Além dos testes imunológicos, pesquisadores da UFPR estão desenvolvendo uma vacina contra a Covid-19 que usa matéria-prima nacional, tem baixo custo e tecnologia que também poderá ser usada para combater outras doenças. A estimativa é que em 2022 sejam realizados os testes clínicos (em seres humanos) para que, com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), possa ser disponibilizada para a população brasileira.
“Eu já tinha a busca por justiça social, mas faltava a luta coletiva”
Em 1985, Ana Maria Lucca se formou em Psicologia pela UFPR. Em seu último ano de graduação, ela participou de um projeto de extensão que atuou na cidade de Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba, e gostou muito da experiência. Vinte e seis anos depois, Ana Maria voltou para a Universidade através do projeto Promotoras Legais Populares – Mulheres que ousam lutar constroem o poder popular (PLPs), do Setor de Ciências Jurídicas.
O projeto, coordenado pela professora da Faculdade de Direito da UFPR Melina Fachin, oferece um curso capacitante para mulheres do meio popular, sobretudo periféricas, marcadas por vulnerabilidades. Em 2012, Ana Maria ouviu falar do projeto através de sua filha, que cursava o primeiro ano de Direito da Universidade.
“Eu comecei a me empolgar com os relatos que eu ouvia da minha filha sobre as vivências de mulheres catadoras, das que participavam das lutas por moradia e da construção coletiva do curso por todas essas lutadoras”, lembra.
Interessada pelo projeto, Ana decidiu ingressar nas PLPs no ano seguinte, em 2013. “Eu já tinha dentro de mim a busca por justiça social para todos e todas desde a infância. Mas faltava sair do individualismo, que eu vivia trabalhando em empresa pública com projetos sociais e partir para uma luta coletiva”, recorda.
A partir da formação das PLPs, que tem como foco a educação popular, Ana Maria passou a compreender as violências que as mulheres não brancas e periféricas enfrentavam, além de interagir com movimentos sociais. O curso também ampliou as suas capacidades de comunicação e a fez refletir sobre a importância do engajamento coletivo de todas as mulheres.
Durante a sua graduação, nos anos 1980, Ana conta que os tempos eram outros, uma vez que o Brasil passava pelo final da ditadura militar. “Quando eu me graduei em Psicologia a universidade era mais fechada para a sociedade”, afirma. Segundo ela, a educação popular era pouco comentada em sala de aula.
Quase 30 anos depois de sua graduação, a psicóloga reconhece que a sua segunda experiência na UFPR, por meio das Promotoras Legais Populares, mudou a sua vida. “Comecei a ter mais senso crítico e fui me tornando capaz, por exemplo, de criticar piadas, machistas, racistas e LGBTQIA+. Fazer amizades com pessoas lésbicas, bissexuais, mulheres trans me ajudou a desenvolver empatia”, relata.
“Estudos com trabalhadores trazem conhecimento para um futuro melhor”
Philipe Dutkevicz trabalha com plataformas digitais de entregas há cerca de cinco anos. Atuante, o trabalhador já se envolveu na organização de manifestações e participou de audiências públicas que discutiam as relações trabalhistas de entregadores de aplicativos. Em 2020, foi contatado por pesquisadores da Clínica de Direito do Trabalho da UFPR para participar da pesquisa “Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19”. Atenta ao impacto da pandemia, a investigação apontou o aumento da precariedade, maior jornada de trabalho e menor remuneração desses trabalhadores.
A Clínica de Direito do Trabalho é vinculada à Faculdade de Direito da UFPR e coordenada pelo professor do Departamento de Práticas Jurídicas Sidnei Machado. Além de realizar atendimentos jurídicos, pesquisadores e alunos atuam no acompanhamento de processos judiciais e movimentos sociais relevantes, com a elaboração de relatórios para órgãos de proteção aos Direitos Humanos do Trabalho.
Na pesquisa aplicada por meio de questionários com trabalhadores de plataformas digitais de entrega constatou-se, entre outros dados, que mais de 57% dos 298 respondentes trabalhavam acima de nove horas diárias, percentual que aumentou para 62% durante a pandemia. O estudo mostra ainda que 58,9% dos entregadores tiveram queda remuneratória nesse período. Veja mais resultados aqui.
Philipe afirma que a sua participação na pesquisa foi importante não só para a contribuição com a comunidade científica, mas também para o fortalecimento da discussão sobre as relações de trabalho de entregadores de aplicativos para a sociedade. Pelo projeto da Clínica ser desenvolvido em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e organizações de coletivos de trabalhadores, Philipe teve acesso aos resultados e viu o estudo da UFPR auxiliar na prática o seu cotidiano de trabalho. “Com os resultados, acompanhei o trabalho do MPT e julgamentos dos tribunais do trabalho com relação aos direitos dos trabalhadores”, afirma.
A união da universidade com a comunidade é um dos impactos que as pesquisas da Clínica de Direito do Trabalho desempenham em favor da população, finaliza Philipe. Para ele, os estudos desenvolvidos, principalmente em relação aos trabalhadores, são importantes já que retornam conhecimento em favor de um futuro melhor para todas as pessoas.
Atualmente, a Clínica de Direito do Trabalho realiza outras pesquisas relativas à Covid-19 e trabalho, e estuda dados de 160 plataformas digitais de trabalho no Brasil, não somente de entregas. A iniciativa já identificou que houve um aumento da digitalização de serviços no país, como de saúde e educação.
“Cuidar dos animais e monitorar as espécies mostra a importância do trabalho”
As ações da UFPR também alcançam a sociedade através de pesquisas e programas de extensão universitária no campo da preservação ambiental que colaboram, inclusive, com órgãos públicos. Esse é um trabalho do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC), do Centro de Estudos do Mar da UFPR, que está à frente de importantes ações no litoral do Paraná.
O LEC desenvolve a pesquisa e a extensão com o objetivo de conservação da biodiversidade marinha, sob a supervisão da professora Camila Domit. Entre alguns de seus objetos de atuação estão a formação de pesquisadores e profissionais da Universidade, a implementação de ações educativas e ambientais, a realização de projetos acadêmicos, estudos aplicados, o monitoramento e resgate de animais encontrados nas baías litorâneas e a elaboração de materiais didáticos e informativos para a popularização da ciência.
Em cinco anos, o Laboratório já resgatou mais de 12 mil animais de praias do Paraná e já colaborou em mais de seis Planos de Ação Nacional, no suporte de discussões e no planejamento de ações de conservação e de gestão pública pela conservação de espécies, como aves, tartarugas e mamíferos marinhos. Essa atuação é realizada em interface com uma rede de instituições, como o Ministério Público do Estado do Paraná (MP) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).
Quem dá mais detalhes dessa parceria é Gilberto Sales, analista ambiental do ICMBIO que atua no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas e da Biodiversidade Marinha do Leste – Tamar. Ele conta que o LEC desempenha um trabalho no litoral paranaense em colaboração com a rede de instituições, em relação ao conhecimento e pesquisas sobre biodiversidade marinha, participação nos processos de licenciamento ambiental, proteção das espécies ameaçadas e monitoramento das praias.
“Os resultados conseguidos através dessa rede, da qual a UFPR faz parte há muito tempo, são bastante amplos e dentro do Plano de Ação Nacional para a conservação das espécies. Quem acompanha esses processos, principalmente empreendedores, órgãos de licenciamento e de gestão, como o Ministério Público, valorizam e reconhecem a importância do trabalho do LEC”, relata Gilberto.
O ICMBIO desenvolve ações com o intuito de propor, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar unidades de conservação em todo o Brasil. Além disso, cabe a ele ainda fomentar pesquisas de proteção e preservação da biodiversidade e de espécies ameaçadas, que no Paraná é realizado junto à UFPR.
Gilberto ainda destaca que esse trabalho de conservação não retorna benefícios somente ao meio ambiente, mas também na vida das pessoas, principalmente para comunidades costeiras do litoral paranaense. “O fato de ter quem cuide dos animais, daqueles encalhados ou com algum ferimento, de quem esteja monitorando e trabalhando pelas espécies, me parece o principal fator de percepção pública da importância do trabalho que é feito”.
O Laboratório é mais um exemplo de pesquisas e ações da UFPR que possuem o objetivo de realizar ciência de qualidade, tornando-se útil e objeto de melhoria na qualidade de vida dos seres vivos. Esta reportagem é a continuação de uma primeira matéria sobre o impacto das pesquisas científicas da UFPR na sociedade. Desta vez, os projetos foram abordados sob olhares e depoimentos de diferentes atores sociais, que mostram que a ciência está próxima e contribuindo com o cotidiano da população brasileira.
Foto destaque: Luciano Huergo/ Arquivo Pessoal