Por Gustavo Beghetto Dias
Supervisão: Maíra Gioia
Fotos: Arquivo pessoal e reprodução
Eliane Felisbino, doutora em educação pela Universidade Federal do Paraná, fez estudo aprofundado a partir do ponto de vista de estudantes que saíram da graduação sem a formatura
O ingresso em uma universidade pública é um sonho comum para uma grande parcela dos brasileiros. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), somente pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificado), sem contar os vestibulares específicos de cada instituição, foram registradas em 2024 mais de um milhão de inscrições para aplicar a vagas em cursos de Universidades de todas as regiões do país. Apesar da alta procura, estas instituições ainda assim registram casos de evasão universitária, que é quando o aluno deixa o curso de graduação seja por cancelamento a pedido, jubilamento, transferência ou abandono. O último exemplo citado é o mais frequente, representando cerca de 75% dos números totais de evasão.
Conseguir a tão desejada vaga é um caminho árduo na maioria das vezes. O que faria então um estudante desistir do sonho depois de já ter superado as muitas horas de preparo e as longas provas? Autora de uma tese de doutorado em Pedagogia que estuda o fenômeno da evasão na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pesquisadora Eliane Felisbino explica que os casos acontecem por conta de diferentes fatores combinados.
“A evasão tem causa multifatorial, ou seja, um conjunto de fatores que impactam. Essas causas podem ser, por exemplo, de ordem econômica, acadêmica, cultural ou institucional. Fazendo o cruzamento de variáveis percebeu-se que muitos fatores impactam, mas um fator que é primário é a questão de ordem acadêmica. Tendo um bom desempenho, o estudante dificilmente vai evadir”, conta.
Eliane, que também é pedagoga na Pró-reitoria de Graduação (PROGRAD) e trabalha na Coordenadoria de Políticas de Graduação (COPAG), conduziu a tese intitulada “Infelizmente, a Federal não é para todos” utilizando um questionário enviado por e-mail a alunos que por algum motivo não concluíram seus cursos na UFPR entre os anos de 1984 e 2020. Assim, a pesquisa pode ser feita a partir da perspectiva dos estudantes evadidos. As respostas obtidas ajudaram a pesquisadora a montar perfis dos respondentes.
“Uma das perguntas do questionário era: ‘O que a universidade poderia ter feito para que você permanecesse?’. Novecentos e dezessete estudantes responderam, então, a partir destas respostas eu organizei essas sugestões na tese e no livro. Por exemplo, o perfil do estudante trabalhador, ele aponta algumas sugestões para que ele permanecesse. Entre elas estão cursos noturnos, evitar janelas pequenas entre os períodos do curso, entender que a realidade do estudante que trabalha é diferente do estudante que só estuda e outras questões também”, afirma.
Além de integrarem a pesquisa, os perfis também foram transformados em um livro com o mesmo título, lançado no início do mês de novembro.
Em seu trabalho de doutorado, Eliane discute também o processo de expansão e suposta democratização do Ensino Superior no Brasil. Segundo dados levantados por ela, cerca de 76% dos alunos de graduação no país estão matriculados em instituições privadas, e apenas 24% em universidades públicas, enquanto na educação básica a situação se inverte, com a ampla maioria da população estudando em colégios públicos.
“Não tem vaga para todos esses estudantes no Ensino Superior Público e eles procuram a rede privada, até porque muitos são da classe trabalhadora e precisam se formar o mais rápido possível para trabalhar e levar comida pra casa. Quando eu questiono a democratização da educação superior é nesse sentido. Quais cursos são ofertados? Para onde está indo a classe trabalhadora? Eles têm condição de permanecer na universidade pública?, questiona.
A pedagoga cita como outro problema a responsabilização do estudante pela evasão. Segundo ela, a responsabilidade pelo caso “não pode ser do estudante, mas sim de todos os envolvidos”.
“Quando um estudante fracassa, o fracasso não é do estudante, é da instituição. Então é tirar esse peso do estudante e perceber que ele tá em um sistema que é excludente. E ao desresponsabilizar o estudante, a gente tem que cuidar também para não responsabilizar individualmente outros sujeitos fazendo uma caça às bruxas. A instituição precisa olhar para baixo e pontuar vários aspectos”, pontua.
Apesar das dificuldades, Eliane acredita que o diagnóstico obtido do estudo pode ser útil para entender melhor a evasão, mas destaca a necessidade de aprofundamento e setorização para atender melhor às especificidades de cada realidade.
“É um fenômeno muito complexo, mas os resultados podem ajudar assim, porque um diagnóstico já auxilia a compreender melhor a evasão, ainda mais a partir dessa perspectiva que foi escolhida do indivíduo que evadiu. mas o que eu tenho percebido também com os estudos é que é necessário um estudo local. Tem um estudo geral, um diagnóstico geral, mas depois a gente tem que olhar localmente para cada setor e dentro de cada setor, cada perfil específico”, avalia.
A pesquisa de doutorado de Eliane Felisbino no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFPR foi orientada pela Prof.ª Dra. Monica Ribeiro da Silva.
O livro “Infelizmente, a Federal não é Para Todos”, contendo os depoimentos que compõem a tese de Eliane, está disponível no site do grupo de pesquisa da UFPR, Observatório do Ensino Médio, do qual a pesquisadora faz parte, e pode ser acessado através do link.