Por Rodrigo Matana, sob supervisão de Alice Lima
Ilustração: Chaiane Petroli da Silva, sob orientação de Naotake Fukushima
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a tese do Marco Temporal, defendida por ruralistas de todo o país. A proposta nega aos povos indígenas o direito a qualquer terra que não estivesse tradicionalmente ocupada em 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição Federal foi promulgada.
O debate ganhou dimensão nacional a partir da Terra Ibirama-Laklãnõ, disputada pelo governo de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e indígenas do povo Xokleng. A rejeição da tese no STF foi uma vitória para as onze aldeias no território e um sinal positivo para outros 226 processos similares que aguardam decisão do Judiciário.
A quinhentos quilômetros dali, no estado vizinho, um povo originário da região conhecida por Serra dos Dourados, no noroeste do Paraná, teve um destino diferente — e o Estado brasileiro ocupa um papel central nessa história. Esta reportagem atravessa a trajetória da população Xetá, perseguida e dizimada em pouco mais de uma década.
João Pedro Minto Russo, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), é um dos pesquisadores dedicados a estudar a história trágica do último povo indígena a ser conhecido em terras paranaenses. A Agência Escola UFPR produziu uma matéria sobre a pesquisa do autor, que recorta a atuação do extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), a qual transformou a Serra dos Dourados.
O conteúdo foi publicado no Jornal Plural, que é parceiro da AE. Leia aqui o conteúdo na íntegra.
Uma arqueologia do genocídio: a investigação dos arquivos
A dissertação de João Pedro Minto Russo — “Uma arqueologia do genocídio: a atuação do Serviço de Proteção aos Índios entre os Xetá” — foi submetida ao Programa de Pós-Graduação (PPG) em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para a obtenção do título de mestre. Sob orientação da antropóloga e professora Edilene Coffaci de Lima, o trabalho foi aprovado em fevereiro deste ano.
De acordo com o próprio pesquisador, a realização do trabalho não acontece a partir de uma abordagem comum ao campo da Antropologia. A investigação de arquivos e registros históricos, como ele explica, é própria de historiadores, enquanto o estudo de povos indígenas é objeto comum da etnologia. Essa área investiga a identidade das populações, o que envolve costumes, cultura e comportamento, por exemplo — “o outro em sua outridade”.
Minto Russo descreve a dissertação como um “esboço de etnografia”, algo mais próximo dos dados do que do contato direto com as pessoas. Investigar o genocídio Xetá através dos documentos criou “um campo mais específico”. O foco na 7ª Inspetoria Regional recortou uma outra perspectiva para os estudos que abordam a trajetória desse povo.
O título da dissertação, como o antropólogo faz questão de ressaltar, não fala de ‘um’ caso de genocídio, mas ‘do’ genocídio indígena no Brasil. Esse processo, como explica, segue se reencenando cada vez em que o direito dos povos indígenas é questionado, “por diferentes lados, de diferentes formas”. “Eu insisti em falar em genocídio porque esse é o horizonte da relação entre essas populações e o Brasil”, justifica.
“Eles são sempre alvo. Seja os Xetá, aqui, seja os Xokleng, em Santa Catarina, seja os Yanomami, mais uma vez, trinta anos depois, passando pelo processo de genocídio por conta do garimpo. Em qualquer lugar, a história é a mesma, pelos mesmos motivos: o indígena ainda é um empecilho”.