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Marketing é a área com maior número de profissionais entre os nômades digitais brasileiros, aponta pesquisa da UFPR

Por Gabriel Costa

Fotos: arquivo pessoal

Supervisão: Maíra Gioia  

 

Você já imaginou trabalhar de qualquer lugar do mundo, com a liberdade de viver viajando pelo Brasil e pelo exterior? Essa é a realidade dos nômades digitais — profissionais que atuam remotamente, sem a necessidade de um escritório fixo. 

Recentemente, o SinapSense (Laboratório de Inovação em Neurociência do Consumo), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em parceria com o The Nomadic Club (maior clube de nômades digitais do Brasil), realizou uma pesquisa que traçou o perfil desses profissionais. O estudo revelou dados sobre quem são, como vivem e o que buscam esses viajantes atípicos. A pesquisa apontou, por exemplo, que 28,3% dos nômades digitais brasileiros atuam na área de comunicação — sendo 25% em marketing e 3,3% em publicidade. Esse número supera qualquer outra área profissional.

Fernando Kanarski, nômade digital desde 2015. Foto: arquivo pessoal

A ideia partiu de Fernando Kanarski — presidente do The Nomadic Club —, que procurou o SinapSense ao reconhecer a importância de contar com um laboratório de uma universidade pública na condução da pesquisa. A coordenadora do SinapSense e professora do curso de Comunicação Institucional, a pós-doutora em Comunicação Letícia Herrmann, relembrou o início do contato.

 

“Fernando era colega de uma amiga minha, que comentou que ele precisava de uma pesquisa científica feita por um instituto ligado a uma universidade. Apesar de hoje o nosso foco estar mais voltado à neurociência do que à pesquisa quantitativa, aceitei o desafio. Já tínhamos experiência em outros estudos e vi ali uma boa oportunidade de divulgar o trabalho do laboratório. Quando conversei com ele e entendi que era um estudo inédito no Brasil, topei na hora. E foi assim que tudo começou”, contou a pesquisadora.

 

O SinapSense, além de ser um laboratório de pesquisa, também desenvolve um projeto de extensão que conta com a participação ativa de alunos, chamados de pesquisadores juniores. Eles colaboram diretamente nas coletas de informação e vivenciam o processo científico na prática. Geovanna Ferronatto, estudante do curso de Comunicação Institucional e integrante da equipe que trabalhou na pesquisa sobre os nômades digitais, contou como a experiência desconstruiu algumas ideias que ela tinha sobre o tema.

 

“Eu achava que nômade digital era só alguém que trabalhava de qualquer lugar, mas descobri que é muito mais do que isso. Eles têm um estilo de vida próprio, mudam de país com frequência, constroem relações… Eu pensava que era uma vida mais isolada. E me surpreendeu também a diversidade de idades — tem muitos nômades mais velhos, o que eu não imaginava”, afirma.

 

A pesquisa, que também teve a participação da professora Juliane Martins, acabou viralizando e virou tema de reportagens em jornais de todo o Brasil. Os pesquisadores chegaram até a aparecer em uma matéria da RPC. “Foi um projeto grande e desafiador para o laboratório — assustou os alunos no começo, porque ganhou uma proporção muito maior do que esperávamos. Saiu no O Globo, no Extra… Tudo começou com um release que enviamos para a Federal, que virou uma notinha. O curioso é que só depois que a grande mídia viu é que o projeto passou a ter mais visibilidade, até mesmo dentro da própria universidade”, contou a professora Letícia Herrmann.

 

Principais aspectos dos nômades digitais

A pesquisa foi a primeira a traçar o perfil dos nômades digitais brasileiros e revelou dados que ajudam a compreender melhor esse grupo tipicamente contemporâneo. Segundo o levantamento, 53,5% dos nômades são homens, 83,5% têm entre 24 e 40 anos, 63% são solteiros e 57,5% costumam viajar sozinhos. Os dados foram obtidos a partir de um questionário com mais de 60 perguntas. Para obter e analisar os resultados foram necessários mais de 10 pesquisadores voluntários.

Além do estilo de vida flexível, os nômades digitais também se destacam por diferenças significativas em relação aos trabalhadores tradicionais. Uma delas é a composição da comunidade LGBTQIA+: 23% dos nômades se identificam como parte do grupo, quase o dobro da média nacional, estimada em 12% por uma pesquisa realizada pela USP em parceria com a Unesp.

Segundo o levantamento, 53,5% dos nômades são homens, 83,5% têm entre 24 e 40 anos. Foto: arquivo pessoal

O dado nacional vem de um levantamento conduzido pelo Instituto Datafolha — junto com as universidades — entre novembro e dezembro de 2018, que mapeou a diversidade sexual e de gênero no Brasil a partir de uma amostra representativa da população. Foram ouvidas 6 mil pessoas maiores de 18 anos, em 129 cidades das cinco regiões do país.

A média salarial dos nômades digitais também chama atenção quando comparada à realidade brasileira. De acordo com a pesquisa, 11% deles recebem mais de 20 salários mínimos por mês, 23% ganham entre 10 e 20 salários, e 43,5% entre 4 e 10. Outros 15,5% estão na faixa de 2 a 4 salários, enquanto apenas 7% recebem até 2 salários mínimos.

Para efeito de comparação, a média salarial no Brasil gira em torno de R$ 3.300, segundo levantamento da Agência Brasil — bem abaixo da faixa predominante entre os nômades digitais.

 

 

 

Por que o mercado da comunicação predomina?

Além do estilo de vida flexível, os nômades digitais também se destacam por diferenças significativas em relação aos trabalhadores tradicionais. Foto: arquivo pessoal

Para Fernando Kanarski, presidente do The Nomadic Club e nômade digital da área de marketing, “os nômades brasileiros enxergam grandes oportunidades no mercado digital, trabalhando para si mesmos ou para outras empresas com ferramentas e estratégias de marketing digital. Essa área acaba sendo bem lucrativa tanto para quem trabalha para si quanto para quem presta serviços. Além de permitir trabalhar totalmente on-line, é possível ainda trabalhar para empresas de fora do Brasil, ganhando em moedas mais fortes como Dólar, Euro, Libra.”

O crescimento acelerado da digitalização no setor de comunicação ajuda a explicar por que tantos profissionais da área têm adotado o nomadismo digital como estilo de vida. Segundo o estudo “O impacto socioeconômico dos negócios digitais da Creator Economy no Brasil”, da FGV Rio, a criação de conteúdo digital cresceu 30% em apenas um ano, gerando mais de 389 mil novas ocupações no setor de produtos digitais. Esse cenário demonstra como a tecnologia não só abriu novas possibilidades de trabalho remoto, mas também abriu novas formas de viver — mais livres, conectadas e, para muitos, sem endereço fixo.

Em 2024, uma audiência promovida pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), destacou que as condições de saúde física e mental dos profissionais de comunicação têm se agravado recentemente. Para a doutora em Comunicação pela UFPR e jornalista Fabia Ioscote,  “a digitalização do trabalho na área de comunicação pode estar ligada à precarização. Ainda que o avanço tecnológico tenha ampliado possibilidades – como o trabalho remoto e o nomadismo digital -, muitos profissionais têm enfrentado instabilidade, sobrecarga e falta de garantias trabalhistas. A flexibilização das relações de trabalho, nesse contexto, nem sempre vem acompanhada da devida proteção social.”

Ainda segundo Ioscote, é fundamental olhar para esses processos com olhar crítico. A digitalização do trabalho não acontece de forma neutra ou automática – envolve decisões, interesses e impactos concretos na vida de quem atua na área. Por isso, é preciso discutir também formas de garantir condições mais justas e sustentáveis para os profissionais da comunicação.

 

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