Equipe do projeto Adaptando Unidades de Conservação realiza dois trabalhos de campo para identificar riscos e propor medidas de adaptação e mitigação
Por Cecilia Sizanoski | Agência Escola UFPR
Duas reservas naturais brasileiras em biomas diferentes, separadas por centenas de quilômetros, enfrentam ameaças opostas, o fogo e a água, mas compartilham um mesmo desafio: lidar com os efeitos das mudanças climáticas. A Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante (GO), no Cerrado, e a Reserva Natural Salto Morato, em Guaraqueçaba (PR), na Mata Atlântica, foram os destinos das mais recentes expedições do projeto Adaptando Unidades de Conservação. As duas são Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) que estão sob a gestão da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Entre o fim de agosto e o início de setembro, a equipe técnica percorreu as duas unidades para levantar informações e entender a dinâmica das reservas. “O campo é essencial para entendermos a região, levantarmos as ameaças, os riscos, a área de influência e as possíveis soluções”, explica a professora bolsista do projeto, Roberta Bomfim, que acompanhou ambas as visitas. Os campos são parte da metodologia do projeto, que visa criar um Plano de Adaptação Climática para cada uma das reservas, indicando a melhor forma de lidar com os efeitos da emergência climática.
Enchentes na Mata Atlântica
O trabalho em Guaraqueçaba teve caráter de reconhecimento e desta vez o objetivo foi mapear os riscos climáticos que ameaçam a Reserva Natural Salto Morato. Segundo Roberta, o primeiro passo foi definir a área de influência da unidade, delimitada a partir das bacias hidrográficas. “Como a principal ameaça são as enchentes, essa área é determinada pela propagação da água e influenciada por elementos como rios, vegetação e direção do vento”, explica.
A partir disso, a equipe realizou sobrevoos com drone na área central da reserva, onde estão o centro de visitantes e as principais estruturas, e sobre a comunidade do Morato, localizada na estrada de acesso. Em seguida, os pesquisadores fizeram uma caminhada técnica pela estrada, registrando pontos críticos de alagamento e falhas na drenagem.
A região sofre com alagamentos recorrentes provocados pela elevação dos rios durante períodos de chuva intensa. “Mesmo quando a chuva não é muito forte, a estrada que liga a comunidade à reserva é comprometida por alagamentos. Os rios cruzam a estrada e, quando o nível sobe, a passagem se torna impossível”, explica o subcoordenador do projeto Adaptando Unidades de Conservação, Bruno Gurgatz.
De acordo com o gestor da reserva, André Zecchin, esses extremos climáticos impactam não apenas a gestão da reserva, mas também das comunidades no entorno, o que gera um isolamento delas. “Já fazemos um trabalho de monitoramento da subida das águas para saber como responder às enchentes”. Ele avalia que nesse cenário, projetos como o Adaptando Unidades são fundamentais para o futuro da reserva: “eles vão ajudar a reserva a se adaptar à crise climática, tornando o território mais resiliente”.
Fogo e erosão na Serra do Tombador
No Cerrado goiano, a viagem à Reserva Natural Serra do Tombador marcou o início das atividades de campo do projeto na região. A área é extensa e apresenta uma dinâmica ecológica particular, onde o fogo é o principal fator de risco, mas também parte importante da dinâmica do ecossistema.

As atividades começaram com uma reunião com a equipe gestora da reserva, que apresentou o histórico de incêndios e o comportamento do fogo na área. “O fogo no Cerrado é um tema complexo. Ele não é apenas um vilão”, explica Gurgatz. “Além das ocorrências criminosas, há também usos tradicionais do fogo, em práticas agrícolas e culturais que fazem parte do território”.
De acordo com o biólogo analista de conservação da reserva, Paulo Eliardo Morais de Lima, o bioma é adaptado ao fogo, então o manejo é também adaptativo: “Aqui tem grandes áreas de florestas de vale, onde o fogo não pode entrar, e as áreas de cerrado, que são adaptadas ao fogo. Nessas áreas, buscamos reduzir o acúmulo de combustível.”. O combustível a que ele se refere são naturais: material vegetal seco que, se não for manejado corretamente, se torna combustível para as queimadas futuras.
Com base nessas informações, a equipe realizou uma atividade de mapeamento participativo com técnicos da reserva e moradores do entorno. Juntos, desenharam um mapa com as principais áreas vulneráveis ao fogo e à erosão, que depois foram sobrevoadas por drone para registro e análise.
De acordo com a gestora da reserva, Mariana de Oliveira Vasquez, na Serra do Tombador, assim como em Salto Morato, já são adotadas várias medidas para a conservação, como monitoramento da biodiversidade, patrulhas que visam segurança e coibição da caça ilegal, assim como apoio à pesquisa. “Conduzimos há onze anos uma pesquisa sobre ecologia e manejo do fogo, que gera insumos relevantes para o manejo integrado do fogo realizado na Serra do Tombador ”, explica a gestora.

Conhecimento local e ciência aplicada
As expedições integram a elaboração do Plano de Adaptação Climática, que combina ferramentas técnicas com o conhecimento das comunidades locais. “Gosto de dizer que adaptação não é uma ciência exata. Está mais para gestão baseada em evidências”, afirma Bruno Gurgatz. “Um bom plano de adaptação climática depende de várias áreas da ciência, de maneira interdisciplinar, e deve buscar soluções que causem o menor impacto possível aos sistemas já existentes”.
Segundo o pesquisador, os trabalhos de campo permitem compreender como cada região responde aos fenômenos climáticos e apontar soluções específicas. “Mesmo sabendo que as mudanças climáticas vão intensificar eventos extremos, com um mapeamento detalhado conseguimos identificar, por exemplo, quais trechos de uma estrada precisam de intervenções ou quais casas estão em áreas vulneráveis”, explica.
Para ele, a missão do projeto vai além de registrar dados: é produzir conhecimento local aplicado, capaz de orientar políticas e ações concretas. “A ciência do clima já está bem consolidada. O que fazemos é entender como cada território responde a esse novo contexto e desenvolver soluções personalizadas, ambientalmente responsáveis, evitando as mesmas práticas que nos levaram à crise em que estamos”.

Próximos passos
Com os campos concluídos, a equipe agora se dedica à sistematização das informações coletadas nas duas reservas. Os dados obtidos em campo estão sendo organizados para a produção de mapas temáticos, que vão auxiliar na análise das áreas e orientar o desenvolvimento das próximas etapas do projeto.
Segundo Gurgatz, a fase seguinte consiste em propor estratégias e soluções para os problemas identificados, considerando não apenas os riscos climáticos diretos, mas também os possíveis impactos sobre a biodiversidade, um dos principais focos de proteção das unidades de conservação: “Como o tema é muito amplo, estamos prevendo atividades específicas com pesquisadores que atuam nas regiões, para uma avaliação integrada dos riscos aos diferentes grupos de organismos”, explica.
Além da análise técnica, o projeto também prevê a formação de comitês de acompanhamento locais, compostos por lideranças comunitárias, técnicos das reservas, representantes do poder público e da Defesa Civil. Cada reserva contará com o seu próprio comitê, responsável por acompanhar o desenvolvimento dos planos de adaptação e garantir que as decisões sejam construídas de forma participativa. “Esses comitês serão fundamentais para manter o diálogo com quem vive e atua nas reservas, fortalecendo a construção coletiva das soluções”, resume o pesquisador.
A expectativa é realizar uma reunião online com os grupos ainda este ano e, no primeiro semestre do próximo, um encontro presencial nas regiões das reservas. Novas idas a campo também estão previstas, conforme a necessidade de coleta complementar de dados.









