Saiba como estão os testes e o desenvolvimento da vacina contra Covid-19 #AgenciaEscolaUFPR
Com mais de 300 anos de história, as vacinas são métodos preventivos básicos do sistema público de saúde. Ainda assim, os componentes de uma vacina, a sua produção e os efeitos que causam no organismo podem ser dúvidas frequentes para quem não está familiarizado com o mundo microscópico. Diante da pandemia do coronavírus no mundo, a pesquisadora Lucy Ono, professora do Departamento de Patologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica as fases de criação de uma vacina e a reação do organismo. Lucy também integra a Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Covid-19 na UFPR. No Departamento de Saúde Coletiva da UFPR, um projeto de extensão orienta estudantes das áreas de saúde para que também fiquem por dentro do processo e da importância da vacinação.
Teoricamente, é possível o desenvolvimento de vacinas para qualquer doença viral, mas esse processo é complexo. Atualmente, existe uma corrida mundial para a produção de uma vacina contra o vírus SARS-Cov-2, responsável pela Covid-19, mas ainda existem dúvidas. “Ainda não sabemos totalmente como se dá a resposta imune contra esse vírus: se ela é duradoura ou se é transitória como parece ser para os coronavírus responsáveis por resfriados comuns”, comenta a professora Lucy.
Para não contrair doenças a cada esquina, o corpo humano possui barreiras biológicas, químicas e até físicas, como a pele. As vacinas não passam de produtos biológicos que também servem como proteção. Curiosamente, são compostas pelos mesmo elementos que produzem as doenças, como vírus, bactéria e até protozoários. Para garantir a segurança de quem as toma, as vacinas são produzidas de forma que os agentes infecciosos estejam inativados, atenuados ou repartidos. É o que explica a pesquisadora Lucy.
São anos de dedicação até que seja possível a ampla disponibilização de uma vacina para a população. Os testes pré-clínicos e clínicos costumam demorar em média de 15 até 20 anos. Em situações de emergência, como é o caso do coronavírus, laboratórios norte-americanos já iniciaram testes e têm previsão para no mínimo 18 meses de regime de avaliação. No total, são quatro fases para que uma vacina saia da bancada de um laboratório e chegue nas mãos dos profissionais de saúde da rede pública.
Do laboratório aos postos de saúde
A primeira fase para a produção de uma vacina é puramente laboratorial. Aqui, os profissionais fazem uma caracterização química, física e biológica da vacina candidata. “Para o desenvolvimento da vacina contra o vírus da febre amarela, foi necessário fazer múltiplas passagens do vírus em culturas de células obtidas de macacos”, conta a professora Lucy Ono. Com o protótipo em mãos, é dado início aos testes pré-clínicos em animais. “Nessa fase é importante avaliar a toxicidade aguda, a toxicidade reprodutiva, o potencial carcinogênico, o potencial imunogênico, entre outros”.
Em seguida, os testes clínicos das vacinas, ou seja, em humanos, são divididos em mais quatro etapas. O objetivo é que as com melhores respostas sejam testadas em amostras cada vez maiores. Na primeira fase, é testado um pequeno grupo de dez até 100 pessoas saudáveis e imunocompetentes. Em seguida, essa amostra aumenta para 500, 3 mil, 20 mil indivíduos até a vacina adquirir permissão para ser disponibilizada amplamente. Devidamente autorizada para o uso na população, a vacina é registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “São avaliados os relatórios de todos os testes pré-clínicos e clínicos que comprovem segurança e imunogenicidade do produto. Além disso, o laboratório deve apresentar toda a documentação comprobatória que ateste que está apta para funcionar”, acrescenta a professora.
A velocidade do desenvolvimento de uma vacina depende tanto da quantidade de informação que existe a respeito da biologia do agente infeccioso quanto dos recursos financeiros aplicados no estudo. Diante do inesperado impacto mundial, protótipos já começaram a ser desenvolvidos. “As vacinas que ou já iniciaram a primeira fase de avaliação clínica contra a Covid-19 ou têm previsão para iniciar no próximo mês são as do Laboratório Moderna (candidata mRNA-1273) e do Laboratório Inovio (candidata INO-4800), ambos dos Estados Unidos”, conta a virologista Lucy Ono.
Para a professora, ainda existe uma preocupação da comunidade científica a respeito da aceleração dos testes em pessoas. “Não há clareza se há segurança o suficiente para a avaliação iniciar com voluntários humanos, uma vez que os testes em animais estariam ocorrendo paralelamente aos experimentos com humanos, e não previamente, como é a avaliação padrão de uma vacina”.
Vacina tomada, e aí?
Assim que a vacina é injetada no corpo humano, realiza o caminho natural de um agente infeccioso. E a princípio é assim que o corpo a enxerga, mas ao contrário de um vírus ou de uma bactéria, o seu objetivo é outro. “Dependendo da classe da vacina, com partículas virais inativadas ou atenuadas, pode estimular mais a produção de anticorpos que neutralizam o vírus ou estimular mais a produção de anticorpos e células do tipo linfócitos que matam as células hospedeiras infectadas pelo vírus”, explica Lucy. De maneira orquestrada, cada integrante tem o seu papel e o da vacina é despertar esse comportamento defensivo. A diferença é que a vacina trará menos risco do que o processo de infecção natural. “Para quem recebe a vacina, é uma medida preventiva, mas para o corpo é como se ele estivesse entrando em contato com o agente infeccioso, preparando-se para um próximo encontro”, acrescenta a professora.
A virologista ainda ressalta que as vacinas feitas com vírus atenuados são contraindicadas para pessoas que sejam imunossuprimidas – que fizeram transplantes de órgãos, que estão fazendo tratamento contra câncer ou que tenham AIDS, por exemplo. “Um sistema imunológico eficiente é que vai conter a replicação do vírus atenuado antes de estabelecer um quadro de doença”. O triunfo da vacinação é justamente estar imune sem precisar estar doente.
Projeto de extensão incentiva vacinação
Nessa mesma direção, há quatro anos o Departamento de Saúde Coletiva da UFPR incentiva alunos da área de saúde a manterem suas carteiras de vacinação invejosamente em dia. O projeto de extensão “Prevenção de doenças imunopreveníveis em discentes dos cursos de graduação da área de saúde da UFPR” beneficia estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem, Nutrição, Odontologia, Terapia ocupacional e até alguns cursos do Setor de Ciências Biológicas.
Coordenado pela professora Karin Luhm, o projeto visa orientar os alunos para que atualizem suas carteiras de vacinação. Para a professora, os estudantes das áreas de saúde têm duas preocupações a mais. Primeiro, por estarem em contato com pessoas com doenças transmissíveis ou infecciosas, eles têm mais risco de se infectar. Segundo, os profissionais de saúde e estudantes estão em contato com pessoas idosas, que estão fazendo quimioterapia ou recém-nascidos, ou seja, estão com pessoas com maior risco de adquirir doenças graves. “Ao se vacinar, o profissional e o estudante de saúde além de se proteger, também protege indiretamente os pacientes com quem convive”.
Para quem não está acostumado, a carteira de vacinação pode ser confusa ou difícil de interpretar. Levando isso em conta, o projeto selecionou alunos treinados que recebem as carteiras via e-mail, interpretam e comunicam individualmente aos estudantes – a média é de 500 orientações por semestre. Não é somente na faculdade que a carteira deve ser uma preocupação, durante toda a vida profissional eles devem estar atentos nas campanhas de vacinação oferecidas pelo Ministério da Saúde. Como é o caso da Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe que teve início em março. Até o dia 22 de maio, o objetivo da campanha é atingir mais de 67 milhões de pessoas, entre elas idosos e trabalhadores da saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, a campanha foi antecipada em virtude da pandemia do coronavírus para auxiliar na exclusão do diagnóstico da Covid-19 já que os sintomas são parecidos.