Ciência Sustentável: pesquisa da UFPR estuda alternativas para reduzir o uso de animais nos experimentos científicos
16 de julho de 2025
Pós-doutoranda Karynn Vieira Capillé, que integra o Labea (Laboratório de Bem-estar Animal), afirma que um dos grandes desafios dos métodos alternativos está nas comissões de ética, responsáveis por autorizar as pesquisas
Por Murilo Ferreira
Foto: Agência Brasil (imagem de destaque) e banco de imagens
Supervisão: Maíra Gioia
A ciência avança a cada dia com as descobertas e inovações tecnológicas, porém um fator preocupante é o uso de animais nas pesquisas, tanto em laboratórios privados, quanto nas universidades. O tema ganhou destaque recentemente com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que proíbe o uso de animais vertebrados vivos em testes de ingredientes ou de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive para averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança. O texto foi enviado à sanção presidencial. Nesse cenário de mudanças, a pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), filósofa e médica-veterinária Karynn Vieira Capillé, que atualmente faz pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias e integra o Labea (Laboratório de Bem-estar Animal), do Departamento de Zootecnia do Setor de Ciências Agrárias da UFPR, que é coordenado pela professora Carla Forte Maiolino Molento, se destaca por se dedicar ao estudo de métodos alternativos ao uso de animais. Em sua pesquisa de pós-doutorado, Karynn investiga as relações entre os integrantes das comissões de ética, que são responsáveis por avaliar e autorizar as pesquisas com o uso de animais.
Anteriormente, no mestrado, Karynn desenvolveu simuladores para o treinamento dos estudantes de Medicina Veterinária.
Médica-veterinária e filósofa Karynn Vieira Capillé
“No mestrado, eu trabalhei com desenvolvimento de simuladores para o treinamento dos estudantes de Medicina Veterinária, para que não seja necessário usar animais no desenvolvimento de habilidades técnicas”, afirma.
A pesquisadora enfatiza a importância de os estudantes adquirirem essas habilidades sem prejudicar os animais. Exemplos práticos desse trabalho incluem simuladores para palpação prostática em cães e sondagem uretral em cadelas, procedimentos essenciais que, de outra forma, seriam invasivos e prejudiciais aos animais. Já no doutorado, a pesquisadora investigou as relações entre os membros das comissões de ética, que são responsáveis por autorizar as pesquisas e que são compostas por médicos veterinários, biólogos, professores, pesquisadores e um integrante da sociedade protetora de animais.
Com mais de 1.300 comissões cadastradas no Brasil, Karynn percebeu que a cadeira da Sociedade Protetora dos Animais está sub-representada. Além disso, ela identificou uma dificuldade na realização de análises imparciais, pois os membros, segundo ela, frequentemente compartilham uma mesma forma de pensar, o que resulta em discussões pouco críticas e muitas vezes rasas, com apenas um pensamento se sobrepondo. A pesquisadora defende a necessidade de uma diversificação de perspectiva moral, cultural dentro das comissões de ética para promover um debate mais qualificado.
Atualmente, Karynn atua em uma ONG de proteção animal, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, e aplica seu conhecimento acadêmico no terceiro setor. Sua atuação na ONG a direcionou para a área de experimentação animal, um tema pouco abordado por outras organizações no Brasil, que geralmente se concentram em testes cosméticos. Karynn também participa de comissões de ética no uso de animais que no Brasil e em outros países, são obrigatórias para autorizar estudos, pesquisas e aulas que envolvam animais. Hoje, ela faz parte do Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (Concea), órgão regulador que elabora resoluções normativas e regulamentação para o ensino e pesquisa com animais no Brasil.
No início do pós-doutorado começou a questionar quais são as questões éticas sobre o possível incentivo no consumo de carne, leite e outros produtos de origem animal e o poder da publicidade. Um exemplo citado pela pesquisadora são as caixas de leite com a imagem de uma vaca livre no campo. Para ela, isso pode sugerir uma linguagem “manipuladora”.
Métodos alternativos: uma nova fronteira na pesquisa
No Brasil, a Lei Arouca estabelece regras para o uso de animais em ensino e pesquisa, mas também abre portas para a substituição por outros métodos. Karynn explica que a pesquisa é uma área muito ampla que abrange desde a compreensão do funcionamento de moléculas até o desenvolvimento e teste de medicamentos e vacinas. Diversos animais, como camundongos, cães, gatos, macacos e peixes, são utilizados neste vasto campo. Todas as atividades de pesquisa envolvendo animais no Brasil devem ser aprovadas por um comitê de ética.
Os métodos alternativos, segundo Karynn, são aqueles que substituem os animais nesses milhares tipos de testes. Ela cita os três grandes grupos:
● In vitro: métodos baseados em cultivo celular, como o colágeno de jumento quando o produto é desenvolvido em laboratório a partir do cultivo de células;
● In silico: métodos computacionais que utilizam programas de computador para simular comportamentos de microrganismos;
● In químico: métodos baseados em biologia molecular e química.
Esses métodos estão em constante desenvolvimento, com cientistas ao redor do mundo trabalhando para aprimorá-los. Apesar dos avanços tecnológicos, Karynn argumenta que a principal barreira para a substituição do uso de animais não é técnica, mas cultural. Ela destaca que o maior problema é o ser humano se sentir superior ao animal. No entanto, ela observa uma evolução no pensamento social. Atitudes que antes eram consideradas normais, como o envio de animais ao espaço, hoje são vistas com estranhamento e questionamento. Essa mudança é impulsionada, em parte, pelo crescente conhecimento científico sobre a consciência e comportamento dos animais.
“A gente consegue confinar animais em galpões porque a gente tem métodos industriais que permitem fazer isso de forma mais intensa. Então talvez tenha mudado um pouco a mentalidade, mas ao mesmo tempo, quantitativamente, aumentou também a intensificação da exploração”, afirma.
Desafios atuais e o futuro da pesquisa
A pesquisadora aponta os conflitos de interesse dentro de comissões de ética, especialmente em centros de pesquisa que realizam estudos sob encomenda para grandes empresas farmacêuticas. Nessas situações, os interesses econômicos e institucionais podem comprometer a competência da análise ética, pois a movimentação de dinheiro é muito grande, e a necessidade de liberar esses produtos de forma rápida influencia muito no modo de pensar.
“Então, é muito comprometida a competência da análise ética nesses comitês, porque as pessoas têm muitos interesses econômicos, interesses institucionais e interesses políticos”, comenta a pesquisadora.
Foto: Aung Swam Nyi/Unsplahs
Segundo a pesquisadora, além das questões éticas, o uso de animais em pesquisa apresenta desvantagens práticas e econômicas. Criar, reproduzir, alimentar, limpar e, posteriormente, descartar animais para pesquisa geram custos significativos e desafios sanitários. A limitação dos modelos animais, que nem sempre replicam com precisão as condições humanas, também é um problema. Karynn afirma que muitos medicamentos testados com sucesso em animais falharam em humanos, e vice-versa.
A pesquisadora da UFPR acredita que os métodos alternativos, como a zootecnia celular (produção de carne em laboratório), são muito mais eficientes, pois eliminam diversas etapas do processo tradicional de exploração animal. Karynn sugere que, ao investir em modelos que utilizam células humanas ou simulações computacionais do organismo humano, a ciência se tornaria muito mais precisa, muito mais eficaz e muito mais focada, ela exemplifica com a pesquisa em saúde mental, “usar os ratos como modelo de depressão é muito precário, porque as nossas doenças são resultado do meio que a gente vive, do nosso modo de vida, da nossa alimentação, de coisas que os ratos não vivem no laboratório.”
Uma visão de esperança
Apesar da lentidão das mudanças culturais, Karynn mantém a esperança. Ela acredita que o avanço da tecnologia e do conhecimento, ao oferecer alternativas que permitam fazer as mesmas coisas sem explorar animais, irá progressivamente remover a “trava moral” que impede as pessoas de reconhecer a injustiça à exploração. A visão de gerações futuras, que naturalmente não necessitem de produtos de origem animal, reforça a possibilidade de um futuro com mais compaixão, segundo a pesquisadora. A busca por uma ciência mais ética e eficiente, aliada a uma crescente conscientização social, pavimenta o caminho para o fim do uso de animais em pesquisa, um passo crucial na construção de uma sociedade mais justa para todas as formas de vida.
Série: Ciência Sustentável
Na série Ciência Sustentável, a Agência Escola UFPR pretende provocar uma reflexão sobre os princípios éticos para o avanço científico, especialmente sobre o uso de animais nas pesquisas.
Na próxima reportagem, você vai conhecer como é a carne celular desenvolvida por pesquisadores da UFPR.
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