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Ciência para todos: a participação dos cidadãos e a abertura de dados na produção científica

Neste Dia Nacional da Ciência, conheça o que são e como são aplicados os conceitos de ciência aberta e cidadã em projetos da UFPR, envolvendo a comunidade na produção de conhecimento científico #AgênciaEscolaUFPR

Por Chananda Lipszyc Buss e Emerson Araújo
Sob orientação de Chirlei Kohls

“Ciência cidadã é trazer o cidadão comum para o contexto da pesquisa. Como eu, cidadão comum, posso por exemplo coletar um dado importante que pode ajudar um cientista a mapear alguma coisa?”, explica Regiane Ribeiro, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sobre a temática. Aplicando esse conceito, em uma visita na Praça Santos Andrade em Curitiba, a equipe de Jornalismo da Agência Escola UFPR questionou 11 pessoas que passavam pelo local sobre ciência aberta e cidadã.

Em meio a advogado, garçonete, cozinheiro, pipoqueiro, aposentada e alguns estudantes, de faixas etárias distintas entre 15 e 67 anos, a resposta foi quase sempre a mesma: não sabe e nem ouviu falar o que é ciência cidadã e ciência aberta. “Não sei como explicar, sinceramente”, “não é comum, familiar para mim”, “não sei dizer o que seria”, “não lembro de ter ouvido alguma coisa nesses termos”: essas são algumas das respostas das pessoas entrevistadas. Entre elas, apenas uma pessoa afirma que ouviu falar de ciência aberta e outra que relata ter ouvido pouca coisa sobre os conceitos.

Ainda assim, alguns tentam conceituar: “uma coisa mais livre, para a gente ter mais conhecimento?”, “uma ciência que esteja disponível para um número maior de pessoas, esteja público talvez”, “tem a ver com cidadão, né?”. Três dos entrevistados questionaram a equipe de Jornalismo da AE sobre o que é a ciência aberta e cidadã. E conceituando, assim como foi explicado para eles, ciência cidadã é quando a pesquisa científica utiliza de métodos em que o cidadão tem participação ativa. A Citizen Science Association (Associação de Ciência Cidadã, em tradução livre) conceitua como “o envolvimento do público não acadêmico no processo de pesquisa científica – seja pesquisa orientada para a comunidade ou a nível global”.

Já a ciência aberta é pensar os processos científicos para que os métodos, os dados e os resultados possam ser compartilhados com a comunidade de cientistas e a sociedade. O projeto Foster (Facilitate Open Science Training for European Research) define a ciência aberta como “a prática da ciência de tal forma que outros podem colaborar e contribuir, na qual os dados de pesquisa, as notas de laboratório e outros processos de pesquisa estão disponíveis livremente, em condições que permitem a reutilização, redistribuição e reprodução da pesquisa e dos dados e métodos subjacentes”.

Para Regiane Ribeiro, que também é coordenadora geral da Agência Escola UFPR, que se baseia na ciência aberta e cidadã, esses conceitos são fundamentais porque afirmam a noção da necessidade de dialogar com o cidadão comum. “Precisamos desmistificar essa ideia de quem faz ciência é o pesquisador e quem recebe o resultado é o cidadão que nada tem a ver com isso. Demonstramos claramente como a ciência funciona e como é relevante para a sociedade”, explica a professora também diretora do Setor de Artes, Comunicação e Design (Sacod) da Universidade.

Apesar dessa importância, é possível perceber, por exemplo, pela enquete na Praça Santos Andrade, como esses termos são pouco conhecidos. Além disso, as questões que dificultam a ciência aberta e cidadã passam por aspectos legais, como direitos autorais da pesquisa, o negacionismo científico e a falta de conhecimento em como realizar uma pesquisa aberta.

Ainda assim, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação (PRPPG) da UFPR, Francisco de Assis Mendonça, conta que existem diversos projetos na Universidade que dialogam com esses conceitos. “Temos trabalhado com essas várias possibilidades de que a consideração da ciência cidadã passe por ações efetivas na Universidade”, comenta. Na comunidade acadêmica, nas escolas e através de plataforma colaborativa, a ciência cidadã e aberta se fazem presentes em projetos da UFPR que foram explorados ao longo dessa reportagem especial para este Dia Nacional da Ciência, 8 de julho.

Descoberta de espécie de abelha com fotos da comunidade

A equipe do Laboratório de Abelhas do Departamento de Zoologia da UFPR realizou um estudo sobre como as abelhas respondem à urbanização. A pesquisa foi realizada com a plataforma aberta “iNaturalist” de ciência cidadã, em que a população registra imagens da natureza e esses dados ficam disponíveis no site e aplicativo. Os pesquisadores utilizaram essa base de dados com fotos de abelhas em Curitiba para realizar o processo de análise.

“Será que os observadores estão observando o mesmo perfil de diversidade e as mesmas espécies que a gente costuma observar quando vamos a campo coletar como cientistas profissionais?”, essa é a pergunta que motivou o trabalho, segundo Rodrigo Barbosa Gonçalves, coordenador do estudo e responsável pelo laboratório.

Com a análise da base de dados, a equipe chegou a algumas conclusões sobre a questão. Uma delas é que a espécie de abelha Anthophora paranensis que estava considerada extinta localmente foi encontrada. “Existe essa possibilidade de mais olhos, das fotos da população. Esse grande volume de registros faz que espécies mais raras possam ser documentadas”, afirma.

Espécies raras observadas no iNaturalist. Na esquerda, a Anthophora paranensis e na direita, a Centris (Xanthemisia). Foto: Maristela Zamoner/Divulgação

Ele assegura também que muitas espécies que já se tinha o conhecimento que estavam no ambiente curitibano foram observadas. “São registros importantes que vão permitindo que ao longo do tempo a gente conheça bem essa dinâmica [das abelhas no ambiente urbano]”, fala o coordenador do estudo. Rodrigo explica que por se tratarem de fotos é possível ver qual o ambiente que o inseto estava e com isso, o comportamento e o tipo de planta que visita.

O trabalho é feito pelos representantes do Laboratório de Abelhas da UFPR Rodrigo Barbosa Gonçalves, o coordenador, e pelo Felipe Walter Pereira, aluno de mestrado no Programa de Pós-graduação em Entomologia da UFPR, em parceria com Maristela Zamoner. Ela, que é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade, fotografa muitos insetos para a plataforma “iNaturalist” e foi convidada para integrar a equipe. Felipe afirma que o trabalho está na fase de manuscrito final e que eles têm em vista a publicação futura em revista científica chamada “Perspectives in Ecology and Conservation”.

Ciência cidadã que começa nas escolas

Um dos principais projetos da UFPR que trabalha diretamente com ciência cidadã é o Laboratório Móvel de Educação Científica da UFPR Litoral (LabMóvel). Coordenado pelos professores Rodrigo Arantes Reis, Emerson Joucoski e Antonio Luis Serbena, o LabMóvel iniciou suas atividades em 2006 com o principal intuito de propagar a divulgação científica para a região do litoral.

“Nesses mais de 15 anos, trabalhamos com materiais educacionais, feiras de ciência, eventos, exposições científicas, sempre tentando envolver as escolas públicas, os professores e estudantes das redes de educação básica. Trabalhamos para a divulgação e popularização da ciência, tentando deixar o conhecimento científico de uma maneira mais dialogável e mais compreensível para diferentes públicos”, afirma o professor Rodrigo Reis, que também é pró-reitor de Extensão e Cultura da UFPR.

A prototipagem eletrônica é um dos projetos realizados pelo LabMóvel com crianças de colégios públicos. Instruídos pelo professor Emerson Joucoski, crianças de todas as idades aprendem em conjunto a desenvolver eletrônicos que podem ser úteis no nosso dia a dia de maneira intuitiva e divertida.

O valor desse projeto de extensão vai muito além do conhecimento específico, mas também na experiência de fazer ciência desde cedo e aprender a trabalhar em conjunto. “Elas [as crianças] desenvolveram um sistema automático para passar álcool gel, sem precisar apertar nada. Parece muito simples, mas se olharmos o preço disso no mercado é algo caro e elas fizeram praticamente sem custo. As crianças aprenderam a lidar com hardware, a linguagem de programação desse objeto e aprenderam a trabalhar em equipe”, conta Emerson.

Prototipagem eletrônica é um dos projetos realizados pelo LabMóvel com crianças de colégios públicos. Foto: Arquivo LabMóvel UFPR/Divulgação

Outro grande projeto que teve participação do LabMóvel foi a parceria fechada em 2020 com a Nasa (National Aeronautics and Space Administration) para a participação efetiva em um dos programas de estudo da Nasa. O chamado GLOBE é um Programa Internacional de Ciência e Educação desenvolvido pela Agência Espacial Americana, a Nasa. A sigla Global Learning and Observations to Benefit the Environment, em inglês, significa “Aprendizagem Global e Observações para Benefício do Meio Ambiente”.

A ideia do protocolo adotado era mapear e estudar, através do aplicativo do celular, locais onde o mosquito Aedes aegypti pudesse se instalar. A principal função do Laboratório era aplicar cursos e palestras para os professores interessados nas pesquisas, para que pudessem junto às crianças auxiliar no projeto de mapeamento. Os estudos continuam acontecendo nas escolas do litoral e com o auxílio do LabMóvel. Hoje, o Laboratório trabalha com a criação de novos protocolos utilizando todas as metodologias aprendidas pelos cursos oferecidos pela Nasa.

Uma ciência para todos

Pela falta de divulgação e principalmente pela dificuldade em realizar, a ciência aberta ainda é pouco utilizada no próprio meio acadêmico. Foi pensando nesses problemas que a professora do Departamento de Ciência e Gestão de Informação da UFPR Paula Carina de Araujo, em conjunto com a pesquisadora Karolayne Lima, criou em 2021 o projeto “Ciência Aberta e a Gestão da Informação Científica” com o intuito de propagar a ciência aberta na comunidade acadêmica e realizar cursos que facilitem as novas pesquisas.

Em 2021, o projeto realizou um curso de incentivo à ciência aberta que ensinava detalhadamente os pesquisadores a criarem um plano de gestão de dados e consequentemente serem capacitados a abrirem suas pesquisas. Ao todo, mais de 400 pessoas do Brasil inteiro se inscreveram no curso e aproximadamente 250 pessoas finalizaram as aulas, o que demonstra a necessidade desse estilo de conteúdo no meio científico.

O projeto também trabalha em conjunto com o Programa de Pós-graduação em Gestão da Informação na produção da revista “A.to.Z: Novas práticas em informação e conhecimento”. A revista tem como objetivo divulgar os resultados de pesquisas interdisciplinares relacionados às áreas de Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação e do Conhecimento. Além disso, aumenta a visibilidade dos jovens pesquisadores que encontram dificuldades em sua primeira publicação nas áreas de Gestão da Informação e do Conhecimento.

A coordenadora do programa, Paula Araujo, relata que a ciência aberta pode proporcionar um grande avanço na sociedade. “O projeto entre seus objetivos tem o olhar voltado para a ciência como um bem social. Um projeto que pode mudar as práticas da ciência e mudar a vida das pessoas. Nós temos o caso da pandemia, onde o compartilhamento de informações possibilitou a chegada da vacina de maneira tão rápida no mundo todo”, ressalta a pesquisadora.

Para tornar o projeto ainda mais acessível à sociedade, foi lançado em todas as plataformas o podcast “Revista AtoZ” com o intuito de abrir ao público fora da Universidade as temáticas abordadas na revista. Além de várias entrevistas, o podcast conta um pouco sobre assuntos diversos dentro dos meios da universidade, como a dificuldade em fazer ciência no Brasil e outros temas que fazem parte do meio acadêmico.

A pesquisadora afirma que tornar a ciência acessível a todos os públicos é um dos grandes objetivos. “O projeto é feito para os pesquisadores com intuito de prepará-los para deixar as pesquisas mais transparentes, mas vai além disso. Também é feito para sociedade, com objetivo que ela participe da ciência e entenda um pouco mais sobre o que nós fazemos dentro das universidades”, conclui Paula.

Ciência aberta e cidadã: quais os desafios?

Para o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, Francisco de Assis Mendonça, a falta de verbas é uma das complicações para a estagnação da ciência no país. Ele também afirma que o processo de negacionismo científico afeta a ciência aberta e a ciência cidadã. “Existe também um processo midiático que incentiva o negacionismo. É retirada a importância da ciência, do professor, da universidade. Não é uma surpresa a ciência cidadã e a ciência aberta não ser conhecida nem na própria universidade, enquanto o tempo inteiro vemos a ciência como um todo ser questionada nos meios de comunicação”, conclui Francisco.

A falta de conhecimento em como realizar uma pesquisa aberta é um dos motivos pelos quais essa metodologia ainda não é tão frequente nos meios acadêmicos. A coordenadora do projeto “Ciência Aberta e a Gestão da Informação Científica”, Paula Carina de Araujo, afirma que vários pesquisadores pensam em abrir suas pesquisas, porém não o fazem por ainda não entenderem como ela funciona exatamente. “Na comunidade acadêmica, vemos que muitas pessoas já conhecem a ciência aberta, porém têm muita dificuldade em entender como praticá-la. Como fazer a gestão dos dados? Como disponibilizar esses dados? Elas ainda não têm certeza nessa prática”, diz a pesquisadora.

Paula também afirma que no meio acadêmico, alguns cientistas acabam optando por não abrir as pesquisas, imaginando que a divulgação desses dados pode atrapalhar o estudo. Porém a cientista explica que existem dados que podem ser ocultados durante o processo. “Às vezes existe um apego do cientista e ele acaba ficando com medo de abrir a pesquisa achando que precisa liberar todas as informações. Mas não é assim que funciona. A pesquisa é aberta na medida do possível. Existem dados específicos que o pesquisador não precisa liberar, dados que, caso sejam liberados durante a pesquisa, podem atrapalhar o resultado final. Nesses casos, o pesquisador pode liberar as informações completas só no final do estudo e mesmo assim, a pesquisa não deixa de ser aberta”.

Como ficam os direitos autorais?

A questão dos direitos autorais traz outros desafios para a implementação da ciência aberta. Os pesquisadores do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (Gedai) da UFPR Pedro de Perdigão Lana e Marcelle Beatriz Cortiano Nagakura apontam as questões em torno desse tema. Os cientistas observam que há a dificuldade da implementação da ciência aberta por causa do financiamento e uma resistência dos pesquisadores pelo medo de não terem os direitos autorais preservados.

Em um estudo de ciência aberta, os autores publicam ou entram em acordos para que a pesquisa não seja restringida com base nos direitos autorais. E então, fazem as publicações em bases de acesso aberto, que se comprometem a deixar o mais acessível possível para a comunidade tanto acadêmica quanto de fora da universidade. Nesse modelo, os direitos patrimoniais, dos resultados econômicos, não são aplicados, diferente dos direitos morais, os que garantem a autoria da obra, que continuam preservados.

Essa questão, para Pedro, levanta a dificuldade do financiamento. “O acesso aberto envolve menos dinheiro do que as formas tradicionais”, ressalta. Ele explica que normalmente há uma restrição de acesso às pesquisas que são desenvolvidas. “Como quando visitamos um site e tem um paywall ‘pague R$ 30 para ler esse artigo’, bem mais [caro] normalmente, na verdade, ou então ‘assine essa revista por 5.000 dólares anuais’”.

“Os direitos morais continuam sendo preservados, a autoria continua sendo reconhecida. As pessoas acabam desconhecendo isso e tendo receio de disponibilizar as pesquisas”, assegura Marcelle. Por fim, argumenta que essa questão econômica dos direitos autorais não pode anular o direito à ciência, educação e cultura.

Se você faz parte ou conhece outros projetos de ciência aberta e cidadã na UFPR, envie informações para o e-mail do Núcleo de Jornalismo da AE: jornalismo.ae@ufpr.br.

Foto destaque: LabMóvel UFPR/Divulgação

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Sobre a Agência Escola UFPR

A Agência Escola UFPR, a AE, é um projeto criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (SACOD) para conectar ciência e sociedade. Desde 2018, possui uma equipe multidisciplinar de diversas áreas, cursos e programas que colocam em prática a divulgação científica. Para apresentar aos nossos públicos as pesquisas da UFPR, produzimos conteúdos em vários formatos, como matérias, reportagens, podcasts, audiovisuais, eventos e muito mais.

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