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“A violência contra a mulher é um problema social e público”, reforçam cientistas que orientam medidas de prevenção

Pesquisas recomendam educação em todos os níveis e políticas públicas para o avanço no combate à violência de gênero, que teve crescimento acentuado no último ano

Por Louize Lazzarim e Joana Giacomassa
Sob orientação de Chirlei Kohls

“A gente pode contar a história do Brasil através da violência contra as mulheres. A fábula sobre a mistura das raças em países que foram colônia é a história do estupro. O corpo das mulheres foi o primeiro território a ser colonizado. E ainda hoje, no Brasil e no mundo, mulheres morrem por serem mulheres”. É o que diz a doutora em Educação e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR, Maria Rita de Assis César. Toda mulher já sofreu, presenciou ou conhece outra mulher que sofreu algum tipo de violência de gênero – psicológica, moral, física, sexual, financeira ou patrimonial. A cada minuto, 14 mulheres são agredidas no Brasil, de acordo com pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Datafolha – metade da população brasileira (52%) relata ter visto alguma situação de violência nos últimos 12 meses. Estudos mostram e reforçam a necessidade de educação em todos os níveis e políticas públicas para o avanço no combate à violência de gênero.

Esse texto, pensado, escrito e produzido inteiramente por mulheres, reúne falas de pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento e das divulgadoras de ciência que assinam esse texto sobre a importância de incentivar a propagação de conhecimento para o combate à violência contra a mulher. Muito já foi conquistado, mas escolhemos falar, neste dia 8 de março, sobre a persistente violência. Porque ao elaborar a pauta, reunir as pesquisas, os dados, as vivências e as entrevistas, fica evidente que ainda precisamos falar (muito!) sobre isso. “Todos os dias e espaços que a gente tiver, precisamos falar sobre questões relacionadas à violência contra à mulher, porque ainda é algo muito naturalizado, normalizado e pouco falado no nosso dia a dia”, afirma Maria Rita, que também é pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Datafolha ainda mostra que todos os tipos de violência contra as mulheres aumentou no ano passado. Segundo os dados, 18,6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência ou agressão em 2022 – são 50.962 casos de violência diários. Isso representa um estádio lotado de mulheres, todos os dias. Um estudo da arquiteta e urbanista Júlia de Freitas Correia Lyra aponta que “o papel social historicamente atribuído à mulher representou consequências em sua experiência urbana, marcada pela vulnerabilidade, medo, controle e sua consequente (im)permanência nos espaços públicos”. De acordo com a arquiteta, a divisão sexual do trabalho, que ocorreu em 1970, não foi acompanhada de uma transformação da cidade para torná-la um espaço também para as mulheres. “Sua presença nos espaços públicos é marcada pelo passo apressado, conduzido com cuidado por caminhos seletivos – ainda que estabeleçam percursos mais longos –, buscando aproximação com outras mulheres e evitando ruas escuras, pouco movimentadas ou ocupadas exclusivamente por homens”, complementa Júlia em seu artigo.

Anteriormente à Lei Maria da Penha, as mulheres eram amparadas na Lei nº 9.099/95, caracterizando o ato como um crime de menor potencial ofensivo e levando os infratores ao juizado de menores causas. Dessa forma, a intimação, que deveria ser entregue pela própria mulher que sofreu as agressões, contava com uma punição que era convertida em prestação de serviços, como a doação de cestas básicas. Já com a Lei Maria da Penha, criada em 2006, foi possibilitado que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada, com as intimações feitas pelo próprio poder judiciário. Além disso, a lei também prevê auxílio psicológico não apenas para a mulher afetada pelo crime, como também para os seus filhos que estavam inseridos nesse convívio e também para os homens que causaram a violência, a fim de não reproduzirem o crime. Entretanto, mesmo com as 26 alterações que já enfrentou nesses 17 anos de aderência, a lei precisou ser reconsiderada durante a pandemia de Covid-19, já que passou por um novo obstáculo: a convivência em 100% do tempo entre a vítima e seu agressor. 

Mas, por que, mesmo com avanços sociais e legislativos, isso ainda acontece? Segundo a professora da UFPR Litoral, que atua na Câmara de Serviço Social com disciplinas de Direito, Karla Ingrid Pinto Cuellar, a violência de gênero é um fenômeno democratizado e causador da redução da participação feminina na sociedade. “A Lei Maria da Penha foi considerada a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica – perdendo apenas para a Espanha e o Chile. É uma legislação boa, efetiva, que funciona, só que na prática, muitas vezes, há uma ausência do poder público para que isso ocorra de maneira eficaz e célere. Por isso, a gente tem um agravamento de uma lesão para um feminicídio”. 

A importância da educação
em todos os níveis e das políticas públicas

“Se os números servem para chocar, também podem funcionar como bússola para guiar a ação do Estado, das empresas e da sociedade civil”, aponta texto do sumário executivo da pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil (4° Edição – 2023). Na pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de pesquisa Datafolha, em parceria com a Uber, foram entrevistadas 2.017 pessoas, de 126 municípios brasileiros, com mulheres de 16 anos ou mais foram 1.042 entrevistas a respeito de quais políticas públicas são mais efetivas no combate à violência de gênero. “Punir de forma mais severa aqueles que cometem violência doméstica”, “ter alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental” e “oferecer suporte legal e serviços que orientem a mulher” são ações consideradas muito importantes pelas mulheres para enfrentar a violência doméstica, com 76,5%, 72,4% e 69,4%, respectivamente.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta, além das propostas feitas pelas próprias entrevistadas, a necessidade de “desenvolver programas de geração de renda e emprego que priorizem mulheres que sofrem ou sofreram violência doméstica”, pois, com isso, as vítimas teriam a possibilidade de conquistarem independência econômica de seus agressores – já que essa dependência é uma das questões que as motiva a continuar no lar onde ocorreu a violência. O infográfico abaixo mostra mais dados e informações sobre a pesquisa:

O primeiro passo para compreender e combater a persistência da violência de gênero é tratar o problema como uma questão de saúde pública e coletiva, uma vez que afeta mulheres em todos os contextos sociais, econômicos, faixas etárias e etnias e toda a sociedade ao redor, como explica a coordenadora do curso de Enfermagem da UFPR Laura  Christina Macedo, que atua nas linhas pesquisa “Políticas e Práticas em Saúde e Enfermagem” e “Violência, Gênero e Geração, Criança e Adolescente”. “Ainda que a gente não viva a violência na pele, todos presenciamos a violência de gênero em algum lugar. Na escola, na rua, no trabalho, no ônibus. Nós vivemos em sociedade, então trabalhar isso como uma questão de saúde pública, trabalhar na prevenção, é a proteção do coletivo.” Ela ainda reforça como, tecnicamente, é mais eficaz trabalhar na prevenção do que no acolhimento e punição, quando a violência já ocorreu. “A violência é tratada como um problema de polícia, de segurança, só que todas as complicações da violência recaem sobre os serviços de saúde. Epidemiologicamente falando, é muito mais econômico e eficaz você prevenir e trabalhar isso como uma questão de saúde pública do que esperar o problema acontecer e tratar isso como um problema de polícia”. 

De acordo com Karla, apenas a lei, uma medida de punição, não é efetiva para o fim dos casos de violência contra mulher no Brasil. Como relembra Maria Rita, a Lei Maria da Penha marcou, no Brasil, apenas o começo de um caminho de enfrentamento à violência que ainda está em construção. As demais especialistas também avaliam que as medidas punitivas não são a solução do problema. É como tratar os sintomas, mas não a doença. Para “tratar a doença”, é preciso investir na educação. 

Para evitar a reincidência do crime, a lei deve vir aliada de uma rede de enfrentamento e empoderamento feminino, que são medidas de prevenção. Por rede de enfrentamento entende-se “propagandas usando a mídia; discussão sobre o assunto; conscientização; e recuperação dos agressores, porque não basta puni-los, precisamos reinseri-los no convívio social com programas de conscientização”, explica Karla Cuellar. 

A cientista social Marlene Tamanini também complementa que outro auxílio para redução dos casos de violência contra a mulher, que deveria ser inserido à nível acadêmico, é a inclusão de matérias transversais em todos os cursos de graduação, a fim de refletir questões como relações de gênero, sociologia da sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos. 

A pesquisadora Maria Rita também explica que é preciso que o Estado dialogue com os diferentes grupos de mulheres, órgãos protetores e redes de proteção, para que a prevenção da violência seja eficaz em todos os casos. “As mulheres trans e as mulheres indígenas são as que têm as políticas de proteção mais frágeis. Diferentes grupos de mulheres criam redes paralelas de proteção. O próximo passo do Estado agora, dentro dos ministérios específicos, é criar políticas efetivas em diálogo com essas sujeitas, que já tem um conjunto de conhecimento acumulado sobre o que significa ser uma mulher negra, lésbica, indígena ou trans no Brasil.” A pesquisadora ainda acrescenta a importância de órgãos reguladores como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto da Pessoa Idosa, Estatuto da Pessoa com Deficiência e outros. 

Aplicativos de auxílio

Durante o isolamento imposto pela pandemia do Covid-19, passaram a ser criadas soluções tecnológicas para o combate à violência de gênero, como aplicativos de denúncia e redes de enfrentamento, que podem ser baixados no Google Play e na App Store. São eles:

PenhaS: o aplicativo oferece apoio para mulheres em relacionamentos abusivos. Nele, todas as mulheres cadastradas (em situação de violência ou não) podem ter acesso aos serviços. 

Sempre Alerta: a plataforma é um chat entre o usuário e uma central de atendimento e é controlado pelo órgão responsável pela segurança na cidade ou região. 

Maria da Penha virtual: é um web app, uma página que se comporta como um aplicativo que pode ser acessado de qualquer dispositivo eletrônico, por meio de um link, portanto não precisa ser baixado e mantém a segurança da vítima da violência doméstica. 

SOS Mulher: É um aplicativo que permite que as vítimas de violência doméstica peçam ajuda para a polícia apertando apenas um botão do celular por cinco segundos. 

190 Paraná: é uma plataforma da Polícia Militar que possibilita o acionamento de emergência sem ligação telefônica. Com o aplicativo é possível registrar fatos como: acidente de trânsito, perturbação de sossego, violência doméstica, entre outras ocorrências.

Lei do Minuto seguinte: promove o atendimento completo e prioritário junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

Imagem de destaque: Freepik/Divulgação

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Sobre a Agência Escola UFPR

A Agência Escola UFPR, a AE, é um projeto criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (SACOD) para conectar ciência e sociedade. Desde 2018, possui uma equipe multidisciplinar de diversas áreas, cursos e programas que colocam em prática a divulgação científica. Para apresentar aos nossos públicos as pesquisas da UFPR, produzimos conteúdos em vários formatos, como matérias, reportagens, podcasts, audiovisuais, eventos e muito mais.

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