Para realizar o mapeamento mapear, os especialistas aplicaram um questionário com 12 perguntas abertas, distribuído de forma digital e impressa em escolas, organizações e comunidades
Por Romão Matheus Neto
Foto: acervo pesquisadores e banco de imagem
Supervisão: Maíra Gioia
As ruas do bairro Vila Torres, em Curitiba, convivem todos os anos com cenas que se repetem: alagamentos, enchentes, riscos de desabamento e surtos de insetos após chuvas fortes. Para quem vive na região, o problema pode parecer distante do degelo das calotas polares ou de episódios extremos registrados em países como a Espanha ou a Nigéria. Mas, na verdade, todos esses processos estão interligados por um mesmo fator em que a ação humana tem grande responsabilidade: as mudanças climáticas.

É justamente a falta de entendimento da população sobre esses efeitos estruturais e sistêmicos que motivou o estudo “Identificação de lacunas (GAPs) de entendimento e percepção sobre mudanças climáticas em grupos etários específicos”. A pesquisa é conduzida no âmbito do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) em Emergências Climáticas (NAPI EC), e financiada pela Fundação Araucária (FA) do Estado do Paraná, com liderança da professora doutora Líbia Patrícia Peralta Agudelo, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), e do professor doutor Eloy Fassi Casagrande Júnior, coordenador do Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da mesma instituição. Também participam do trabalho bolsistas de Iniciação Cientifica, mestrandos e doutorandos vinculados ao Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Meio Ambiente vinculado ao PPGTE.
O objetivo central do trabalho é identificar quais aspectos das mudanças climáticas os diferentes grupos etários têm dificuldade em compreender, para então direcionar ações de letramento e educação climática que envolvam a sociedade de forma efetiva na mitigação e enfrentamento às mudanças climáticas.
“Trabalhamos no âmbito do letramento climático, ou seja, um tipo de educação cidadã não formal para a população em geral, a fim de que sejam entendidos os efeitos do clima sobre o Estado e sobre a população como um todo. Temos cenários bastante alarmantes do que está acontecendo já na atualidade e o que pode acontecer daqui cinco ou dez anos. Pensando nisso, precisamos comunicar à população sobre a gravidade do tema e o que precisa ser feito para que possam se precaver, sobretudo as populações vulneráveis que são as mais afetadas e que mais sofrem com isso”, explica Eloy.

Resultados revelam lacunas de entendimento e ansiedade climática
O primeiro passo da pesquisa foi destacar como foco de ação um roteiro de educação climática não formal, haja vista sua grande relevância para além dos currículos formais das escolas.
“Existe a educação ambiental e climática formal, que está nos livros e traz informações desde a Revolução Industrial até hoje, falando de gases de efeito estufa, aquecimento da Terra, desastres e poluição. Porém, esse tipo de informação não tem se mostrado efetiva para gerar conscientização, ações proativas por parte da população ou mesmo iniciativas dos gestores e atores de linha de frente. Portanto, nosso foco está na educação informal, fora da escola, contextualizada no território que permite as pessoas compreenderem e se identificarem de forma pessoal com os problemas gerados pelas mudanças climáticas”, explica Líbia.
Para mapear tais percepções, os pesquisadores aplicaram um questionário com 12 perguntas abertas, distribuído de forma digital e impressa em escolas, organizações e comunidades. Ao todo, 456 pessoas participaram, e as respostas foram analisadas de acordo com sete faixas etárias que vão de 5 a mais de 71 anos. O instrumento avaliou variáveis como perfil, percepção das causas e consequências das mudanças climáticas, contribuições individuais e coletivas e meios de informação.
Os resultados mostram que entre 94% e 98% dos participantes acreditam na existência das mudanças climáticas. No entanto, a compreensão sobre suas causas e consequências varia bastante. Entre pessoas de 30 a 60 anos, cerca de 61% a 64% disseram entender o fenômeno, enquanto na faixa de 13 a 18 anos, 57% declararam não saber explicar o tema. Entre os idosos, de 61 a 70 anos, 45% afirmaram compreender parcialmente.
O grupo de pesquisadores observa uma disparidade preocupante: adolescentes que deveriam ser impactados pela educação formal, como estudantes do ensino médio, demonstram não entender a conexão entre causas e efeitos do aquecimento global. Já adultos mais velhos apresentam maior clareza.
“Isso quer dizer que há um gap na educação formal. O aluno decora, mas ele não entende o que está decorando”, pontua Libia.

Outro dado relevante é que a maioria dos entrevistados associa mudanças climáticas apenas a informações divulgadas pela mídia, como desastres, emissão de gases de efeito estufa e industrialização, mas deixa de lado fatores cotidianos como consumo, descarte inadequado de resíduos e expansão urbana.
Por isso, destaca-se a importância de compreender os mecanismos de retroalimentação, que indicam como os efeitos climáticos se reforçam mutuamente. Sem esse entendimento, tanto a população quanto os gestores públicos ficam despreparados para agir de forma preventiva. A desinformação impede que as pessoas e gestores entendam a atual emergência climática, além da necessidade urgente de tomar medidas adaptativas que permitam o desenvolvimento de cidade e de uma sociedade mais resiliente.
“Antes mesmo de falarmos sobre elevação de temperatura nas lavouras, por exemplo, precisamos que as pessoas entendam que o que acontece no campo afeta também a cidade. Os preços sobem, as exportações caem, e isso gera fome. O efeito é imediato”, explica Líbia.
Segundo ela, o letramento climático precisa atingir não apenas estudantes, mas também quem toma decisões.
“Esse entendimento sistêmico não é só para a criança na escola, mas também para o gestor público, para a Defesa Civil, para quem trabalha no planejamento urbano e precisa preparar a cidade para esses impactos.”
A pesquisa também identificou um fenômeno crescente: a ansiedade climática.
“Percebemos uma grande ansiedade das pessoas acerca dos assuntos relacionados às mudanças climáticas. Se abordamos o letramento climático com um dedo apontado para a pessoa, culpando-a, com um viés catastrófico, estamos impedindo que ela se aproprie do problema e ajude na resolução. Queremos que todos entendam que, desde a criança pequena até o idoso em casa, cada um pode coparticipar de ações relevantes de mitigação e enfrentamento das mudanças climáticas”, afirma Líbia.
Ciência cidadã promove postura adaptativa às mudanças climáticas
Mais do que levantar diagnósticos, os pesquisadores defendem a inclusão da população na produção do conhecimento por meio da ciência cidadã. A partir desse conceito, cientistas e cidadãos se unem ao Poder Público no desenvolvimento de dados atualizados, de modo que os habitantes dos territórios possam contribuir significativamente para definir soluções que atendam às suas reais necessidades e expectativas.

Um dos instrumentos aplicados nesse sentido foi a cartografia social participativa. Segundo os pesquisadores, o método funciona a partir de relatos georreferenciados da própria população sobre onde foi a última enchente, quais ruas foram afetadas e quanto tempo a água demorou a escoar. Em um segundo momento, os dados são organizados junto aos especialistas da UTFPR e incorporados a plataformas digitais utilizadas pelos sistemas de gestão municipal, como o QGIS.
Além de fornecer dados atualizados, a estratégia fortalece o letramento climático e a preparação comunitária para eventos extremos junto à Defesa Civil, como definição de rotas de fuga e protocolos de evacuação para abrigos.
“A ideia aqui foi criar uma modelo de letramento e ação participativa replicável que contribuísse com as ações de quem já atende à população em caso de desastres, neste caso, a Defesa Civil. Precisamos pensar em posturas adaptativas que por sua vez demandem novas formas de comunicação que incentivem atuação da sociedade civil e contribuam com os gestores com novas formas de pensarmos as cidades.”, finaliza Libia.