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Mudanças climáticas ameaçam habitat da araucária e da gralha-azul no Paraná, aponta estudo do NAPI-EC

Pesquisa em andamento projeta perda de até 84% no habitat da araucária até 2090 e alerta para impactos ambientais e econômicos no estado

 

Por Romão Matheus Neto

Foto: Diego Ianoski (imagem de destaque)  

Supervisão: Maíra Gioia

 

Com a chegada do inverno, o pinhão volta às mesas dos paranaenses: assado, cozido ou como ingrediente de receitas típicas. Além de símbolo cultural, o produto tem relevância econômica: só em 2022, movimentou mais de R$ 20 milhões no Paraná, de acordo com o Departamento de Economia Rural (Deral). Mas, e se o pinhão deixasse de existir? Essa é uma das reflexões centrais de um estudo realizado no âmbito do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Emergências Climáticas (NAPI-EC), uma rede de investigação científica que reúne nove universidades federais, estaduais e privadas do estado, incluindo a Universidade Federal do Paraná (UFPR). A pesquisa, financiada pela Fundação Araucária, analisa os impactos das mudanças climáticas sobre a distribuição da araucária e da gralha-azul, duas espécies nativas e simbólicas que mantêm uma relação importante para o equilíbrio ecológico.

 

Pinhão na chapa
Foto: Gilson Abreu/AEN

O estudo é desenvolvido por uma equipe interdisciplinar composta por Dayani Bailly, professora do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Luiz Fernando Esser, pós-doutorando do NAPI-EC e da UEM e Luana Possamai, mestranda em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais na UEM. A investigação tem apoio do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA) e Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia), da mesma instituição.

O grupo de autores inclui também Marcos Robalinho, professor do Departamento de Biologia Animal e Vegetal da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Marcos Akira, doutorando em Ciências Biológicas na UEL e Reginaldo Ré, professor de Ciência da Computação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

 

“A ideia foi partir de espécies que são símbolos do estado, que estão em bandeira e representam uma característica natural do Paraná”, afirma Marcos Akira.

 

Com base na modelagem de distribuição de espécies, a pesquisa cruza dados reais de ocorrência e variáveis ambientais para prever como o habitat da gralha-azul e da araucária deve se comportar nas próximas décadas.

 

“Como metodologia, utilizamos a modelagem de espécies, em que selecionamos ocorrências reais das espécies e juntamos com as variáveis ambientais. No ambiente computacional, geram-se vários modelos para termos as áreas mais adequadas para o desenvolvimento da espécie”, explica Luana.

 

Aprendizado de máquina a serviço da biodiversidade

 

Para viabilizar a modelagem, o grupo desenvolveu dois softwares inéditos. O primeiro é o CaretSDM, ferramenta ainda em construção que permite triangular dados de ocorrência e de ambiente por meio do aprendizado de máquina.

 

“Geralmente, quando um iniciante precisa desse tipo de ferramenta para fazer modelagem, é necessário um vasto conhecimento sobre programação e geoprocessamento para dar conta. Com o nosso software, a pessoa utiliza o mínimo possível de programação e ainda assim consegue chegar a resultados”, afirma Luiz Fernando.

 

Já o segundo software chama-se ChooseGCM e é voltado à seleção dos cenários climáticos específicos da área estudada, diminuindo a necessidade de grandes recursos computacionais.

 

“O ChooseGCM tem o objetivo de autorizar o uso de menos cenários para que pesquisadores que não têm computadores extremamente potentes consigam rodar modelos de distribuição de espécie com alta fidelidade sem perder precisão nos dados”, complementa Luiz Fernando.

 

Segundo o pós-doutorando, o programa foi desenvolvido em código aberto e pode ser livremente adaptado por outros pesquisadores.

 

“Qualquer pessoa não só pode usar, mas copiar todo o pacote do ChooseGCM no computador e transformá-lo da forma que quiser, uma característica do software livre”, explica.

Além de otimizar a produção de dados científicos, as ferramentas ajudam a aprimorar estratégias de conservação da biodiversidade frente às mudanças climáticas.

 

Riscos ecológicos e caminhos para a conservação

 

Foto: Aline Nunes/Sucom UFPR.

Os primeiros resultados do estudo, ainda em vias de publicação, revelam um cenário alarmante. As projeções indicam uma perda de até 84,81% nas áreas adequadas para a araucária e 41,74% para a gralha-azul até 2090. Mais preocupante ainda é a possível redução de 75,3% nas áreas onde as duas espécies coexistem, o que compromete a regeneração natural do pinheiro — que depende da ave para a dispersão de sementes — e a sobrevivência da gralha durante o inverno, já que o pinhão é uma de suas principais fontes de alimento.

 

“A primeira coisa é que não teremos tanto pinhão para comer no inverno. Há produtores de café que fazem a extração do pinhão durante o inverno. Por isso, as famílias que dependem dele podem sofrer consequências financeiras. Além disso, a araucária é uma espécie-chave de recursos, e se tiramos a araucária, todas as outras espécies como a gralha sofrem risco por não terem o que se alimentar”, avalia Luana.

 

A importância da araucária vai muito além do consumo do pinhão. Segundo Luiz Fernando, trata-se de uma espécie que está no centro dos chamados serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios que os ecossistemas oferecem à sociedade.

 

“Eles são divididos em três tipos: o de provisão, como as pessoas que utilizam do pinhão para se alimentar no inverno ou que fazem farinha do pinhão e vendem na feira como sustento. O segundo é o de regulação do sistema em que ela vive, como resfriar o ambiente pela sombra que a araucária forma ou por reter a umidade do solo. Por último, há os serviços culturais, que é o principal foco do Paraná em uma relação cultural com os pinheiros. A araucária está no centro dos três, por isso é bastante estudada”, afirma.

 

Outra contribuição da pesquisa é a identificação dos chamados refúgios climáticos, ou seja, regiões que, mesmo sob forte impacto das mudanças climáticas, devem continuar propícias ao desenvolvimento das espécies estudadas. A expectativa é que os dados científicos gerados contribuam com ações como identificação de áreas prioritárias para reflorestamento, proteção de habitats resilientes, formulação de políticas de uso do solo e planejamento ambiental para a produção agrícola.

 

Foto: Flávio Zanete/UFPR

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