De torneiras de fechamento automático até eletrodomésticos que gastam menos energia, estas são algumas aplicações do Design para o comportamento sustentável
#AgênciaEscolaUFPR
Por Bruno Caron
Edição de Pedro Macedo
“O design sempre foi impulsionador do consumo”, explica o professor Aguinaldo dos Santos, coordenador do Núcleo de Design & Sustentabilidade (NDS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Mas, a partir dos anos 60 e 70 surgiram preocupações que o fizeram ser visto como agente de mudanças para um consumo mais consciente”. É com esse pensamento que surgem as pesquisas do que chamamos de Design Sustentável.
O consumo consciente é uma das novas tendências em pesquisas do campo. Esse conceito tem por o objetivo estudar um design capaz de reduzir o impacto negativo no meio ambiente em três dimensões: ambiental, econômica e social. Desta forma, se procura desenvolver produtos, serviços e promover novos hábitos que, mesmo consumidos em larga escala pela população, de certa forma contribuam com a sustentabilidade.
A dimensão ambiental se relaciona com resíduos em produtos, preocupando-se com o tipo utilizado, sua vida útil e como será o descarte. Deste modo, minimizando ou extinguindo impactos prejudiciais ao meio ambiente. No pilar social estão as preocupações com o fortalecimento das comunidades no trabalho sustentável para reduzir as desigualdades sociais.
Já o âmbito econômico se refere à mudança de pensamento para o desenvolvimento econômico sustentável sem a exploração do meio ambiente, aliando a economia com redução de impacto ambiental.
A doutoranda em Design pela UFPR e integrante do NDS Valkiria Pedri Fialkowski dá o exemplo que considera o mais clássico de design sustentável: as torneiras com fechamento automático de shoppings e ambientes públicos. “A torneira dosa exatamente o tanto de água que você deveria usar para lavar a mão. Se você quiser, aperta mais de uma vez, mas ela já induz a pessoa a ter um comportamento sustentável”, explica.
Produtos que incentivam as mudanças de comportamento
A preocupação com a sustentabilidade é um dos fundamentos das pesquisas na área. Karla Scherer é mestranda no Programa de Pós-graduação em Design da UFPR e também faz parte do núcleo. Ela explica que o design para uma mudança de comportamento pode acontecer mesmo para as pessoas que não estão familiarizadas com a sustentabilidade.
A pesquisadora dá como exemplo o termostato Google Nest lançado para o hemisfério norte, onde o inverno é mais rigoroso. O produto faz uma leitura do comportamento durante três dias com base nas programações que o usuário faz. Após esse período, o termostato entende as necessidades do usuário e automatiza seu funcionamento. “Isso é um produto que garante uma mudança sustentável, porque o produto já faz o trabalho”, complementa a pesquisadora.
O exemplo acima é apenas uma das estratégias possíveis de mudança para o comportamento sustentável. Outro modelo são os produtos e serviços que incentivam essa alteração de hábito. Para exemplificar, Karla conta sobre um tapete para o box de banheiro, que à medida que passa o tempo e a água vai caindo, ele altera a superfície de forma que fique mais incômodo aos pés do usuário. Assim, funciona como uma espécie de lembrete que já passou o tempo suficiente no banho.
Existem ainda os produtos que informam a mudança. A pesquisadora exemplifica o caso de uma máquina de lavar roupas, que indica no painel de controle quantos litros de água
e quilowatts/hora estão sendo consumidos, além de mostrar qual o melhor ciclo de lavagem para a quantidade de roupa inserida na máquina.
As estratégias são diversificadas, porque as pessoas têm diferentes níveis de relação com a sustentabilidade. Desde os que precisam ser educados e incentivados para uma transição de atitude mais sustentável e aqueles que bastam apenas a informação para guiar o comportamento. “Sabemos que a longo prazo a melhor estratégia é a informação, porque quando o usuário toma a decisão isso vira um hábito. Assim, ele vai se questionar e mudar o comportamento em outras esferas além daquela que o produto informa”, explica Karla.
Outra forma de desenvolver um comportamento mais sustentável é pelo bolso do consumidor, aponta Valkiria Fialkowski, doutoranda do núcleo. A economia pode ser uma aliada na hora de conquistar um usuário indiferente à sustentabilidade. “A pessoa normalmente escolhe o que gasta menos energia por ser mais econômico”, comenta a pesquisadora.
O que se pesquisa em Design Sustentável atualmente?
Karla conta que seu interesse por sustentabilidade vem desde a graduação. No mestrado, ela resolveu aliar seu gosto com os estudos de usabilidade dos produtos. Nesse estágio está envolvido o comportamento do usuário. “Como designers precisamos enxergar o usuário como um agente da sustentabilidade que não trabalha sozinho, focando nossos esforços em trazer materiais inovadores e soluções de sustentabilidade”, explica a mestranda.
Por conta do pensamento sobre comportamento sustentável, Karla escolheu trabalhar no mestrado com eletrodomésticos da linha de cocção, como fornos, fogões e micro-ondas. “Entre os próprios objetivos da ONU [Organização das Nações Unidas] na agenda para 2030 está o consumo mais consciente. Segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], esses eletrodomésticos estão presentes em 98% dos lares brasileiros. Nesse sentido, achei interessante analisar mais a fundo esse setor e o que ele vem fazendo para promover mudanças mais sustentáveis”, complementa a pesquisadora.
Um fator interessante da pesquisa é a característica de parceria público-privada, porque a pesquisa desenvolvida na UFPR tem a colaboração da Electrolux para aplicação prática do projeto. “Estamos desenvolvendo um protótipo e a Electrolux vai nos auxiliar para fazer os testes e incluir os usuários neste processo. O objetivo é validar se são de fato estratégias coerentes e que podem ser aplicadas futuramente no setor”, finaliza Karla.
Enquanto a pesquisa de Karla é focada no produto, Valkiria estuda o design de PSS (Sistema de Produto e Serviço). Durante o mestrado, Valkiria pesquisou o design estratégico com tendências e comportamentos de consumo. No doutorado, isso não ficou de lado, mas dessa vez focado para o comportamento sustentável. “Eu olho pela lente do design estratégico de um lado, o big data e tecnologias emergentes do outro, onde se intersecciona essa essa terceira lente do trabalho com a sustentabilidade”, explica a pesquisadora.
A pesquisa envolve o uso de dados para direcionar o design, nesse caso para o consumo consciente. “Estou criando uma ferramenta, um modelo, que usa de dados digitais para entender como está o público de determinados segmentos e a partir dali eu tiro insights para fazer design de produtos visando o comportamento sustentável”, explica a pesquisadora.
O modelo está sendo colocado em prática com uma empresa e a partir da experiência ajustes serão feitos. Além dos testes práticos, ele está sendo apresentado para especialistas em big data, tecnologias digitais, design e sustentabilidade, para uma avaliação técnica do segmento.
Valkiria que já trabalhou como designer para grandes marcas agora tem a própria empresa. Isso a deixou ainda mais engajada com o consumo consciente. “Por um lado eu tenho que estimular o consumo, mas é possível fazer isso de forma que tenha um impacto menor na sociedade, mesmo que esse produto possa ser descartado depois”, desabafa.
Seu trabalho na empresa propõe uma mudança, porque agora pode discutir processos e soluções com os clientes. “Tem muita coisa que eu já consigo com questionamentos e críticas debater com os meus clientes. O que pode trazer projetos futuros mais direcionados ao comportamento sustentável que é meu objetivo”, comenta Valkiria.
Uma troca de conhecimento entre graduação e pós
Karla e Valkiria não trabalham sozinhas em seus projetos. O professor Aguinaldo dos Santos realizou uma proposta inovadora no núcleo, que são duplas de pesquisa entre alunos da graduação e pós-graduação. “Acredito que quem está na graduação tem o que ensinar e mostrar através de suas experiências novas perspectivas aos pós-graduandos. Ambos ganham com essa troca”, diz o professor.
Daniela Hartmann é aluna de graduação em Design na UFPR e faz iniciação científica no Núcleo de Design e Sustentabilidade. No grupo, Daniela pesquisa em conjunto com Karla e ajuda no desenvolvimento das pesquisas, onde até já escreveram artigos juntas.
A estudante tinha o interesse de trabalhar com pesquisa de produto, porque já trabalhara com design de serviço. Nesse sentido, houve um interesse mútuo com Karla, porque ambas estavam alinhadas nos esforços de estudos. “A pesquisa da Karla me chamou muita atenção, porque podemos compreender o uso de eletrodomésticos do ponto de vista do consumidor e como facilitar a experiência dele no uso do produto”, comenta Daniela.
“Eu acho a participação da iniciação científica fundamental, porque é um aprendizado de ambos os lados. A Daniela traz ideias interessantes a partir das leituras que faz, metodologias também que ela aprende e de certa forma é uma orientação para o pesquisador”, complementa Karla. Valkiria também pesquisa em conjunto com uma aluna da iniciação científica, a estudante Maria Fernanda Andreatta.
Para Valkiria, além do envolvimento nas atividades específicas de pesquisa com uma graduanda, dos artigos escritos juntos e das trocas promovidas pelo núcleo, ainda existe mais uma vantagem. “Quando eu estava na graduação, eu não tive essa oportunidade e fico pensando o quão interessante seria ter esse contato antes com a pesquisa. Eu penso ser ótimo para ambos os lados”, conta a pesquisadora.
As perspectivas para o futuro
O professor Aguinaldo, Valkiria, Karla e Daniela têm esperança quanto a expansão do Design Sustentável. “Eu vejo com bons olhos, cada vez mais existem iniciativas nesse sentido e as empresas estão se preocupando cada vez mais com o design já na fase de design dos produtos e serviços”, finaliza o professor.
Para Karla, sua pesquisa em conjunto com a Electrolux já é um exemplo de que há um caminho para um futuro mais sustentável. “Em uma área que envolve materiais que geram impactos maiores, mas também são tão presentes na sociedade [eletrodomésticos], na vida das pessoas, eu acredito ser um passo muito importante o trabalho em parceria”, explica. Ela enxerga que a sustentabilidade tem que parar de ser um conceito e ser entendida como parte do processo. “Eu vejo de forma positiva e isso tem que ser disseminado para outros setores também”, finaliza.
Daniela que ainda está na graduação percebe que seus colegas estão preocupados em colocar a sustentabilidade como parte do processo e que a pesquisa da Karla com a Electrolux é um exemplo de mudança. “Os resultados dessa pesquisa vão trazer poder de ação alinhados a soluções e objetivos que possam ser traduzidos em produtos e serviços mais sustentáveis. Eu penso que essa tendência é muito crescente”, finaliza Daniela.
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