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STF, urnas, golpe jurídico, monarquia e democracia: sociedade pergunta sobre política e cientistas da UFPR respondem

Além de dúvidas da população, essa edição do Pergunte aos Cientistas tem questionamentos de adolescentes que estudam em escola pública de Curitiba #AgênciaEscolaUFPR

Por Chananda Lipszyc Buss
Sob orientação de Chirlei Kohls

Paz, diversidade, educação, união, amizade, humildade. Essas palavras estão escritas em tinta em uma escada colorida logo na entrada da Escola Municipal Julia Amaral Di Lenna, em Curitiba. Se a função dos políticos é identificar e resolver problemas da sociedade em busca de um bem comum, talvez essas palavras pintadas na escola representem a função política de forma simplificada. E, nessa edição do Pergunte aos Cientistas, que tem como tema Política e Democracia, os adolescentes dessa escola fizeram perguntas.

A equipe da Agência Escola UFPR visitou as turmas do 9° ano e coletou as questões dos estudantes. Eles quiseram saber qual foi o maior número de votos que um candidato já recebeu em uma eleição e com qual estratégia ou então o que é o STF (Supremo Tribunal Federal) e o papel dele na política. Mas a pergunta que mais se repetiu foi: “O que é democracia?”. Essas dúvidas e todas as outras foram respondidas por cientistas políticos da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Sobre a pergunta mais frequente dos adolescentes, o professor do Departamento de Ciência Política da UFPR Nelson Rosário explica que “a democracia é um sistema político no qual o poder está no povo e não nas mãos de um rei (monarquia) ou de um grupo de homens ‘especiais’ (aristocracia).” Segundo o cientista, a democracia organiza a vida em sociedade, na medida do possível, sob a regra da vontade da maioria.

A equipe da AE visitou as turmas do 9° ano da Escola Municipal Julia Amaral Di Lenna, em Curitiba, que perguntaram sobre política. Foto: Chirlei Kohls/Agência Escola UFPR

Além disso, como em todas as edições da ação, a sociedade em geral pôde enviar dúvidas, que também foram solucionadas pelos professores da UFPR. As questões são de várias áreas da política, passando pela segurança das urnas até quem deve assumir os cargos de presidente e vice se eles estiverem impedidos. A iniciativa tem como objetivo aproximar cada vez mais a sociedade dos cientistas e da ciência produzida na Universidade. A cada edição, um novo tema é explorado.

Dessa vez, as perguntas foram respondidas por Rodrigo Horochovski, Ramon Blanco, Sérgio Braga, Emerson Cervi, Nelson Rosário, professores de Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR. E também pelos doutorandos pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR Patrícia Sene de Almeida e Breno Pacheco Leandro, além dos mestrandos do mesmo programa Amanda Sangalli, Marta Pontes e Pedro Henrique Beff. Também foi recebida uma questão na área de educação física, que foi respondida por Fernando Mezzadri, cientista do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da UFPR.

Leia a matéria completa para entender acerca dessa área através das dúvidas das pessoas e respostas dos cientistas.

“Qual foi o maior número de votos que um candidato já recebeu em uma eleição? Com qual estratégia?” (Melany Machado, 13 anos, estudante, Curitiba-PR)
Breno Pacheco Leandro, cientista UFPR
– O candidato mais votado no mundo foi o presidente da Indonésia Joko Widodo, com aproximadamente 86 milhões de votos. O atual presidente, apelidado de “Jokowi” tem uma imagem de um homem simples e próximo do povo. Seus projetos de infraestrutura e políticas para reduzir as desigualdades sociais no meio rural também garantiram sua popularidade. Durante sua campanha de 2019, viajou pelo vasto arquipélago indonésio e venceu em 21 de 33 províncias. Aqui no Brasil, os candidatos mais votados, ambos eleitos presidentes, foram Luis Inácio Lula da Silva, em 2006, com 58 milhões de votos em sua reeleição e o segundo mais votado foi Jair Bolsonaro, em 2018, com 57 milhões.
As estratégias variam com o cenário sociopolítico que a sociedade está vivendo no momento pré-eleitoral. Em condições normais, os candidatos seguem a regra do jogo, mas existem casos que a insatisfação com a política geram eleições não normais e com discurso antipolítica. Os eleitores normalmente são favoráveis a quem já está no poder e tentará reeleição, pois esses possuem recursos de poder estatal. O eleitor sempre contabiliza como estava e o que foi feito, principalmente sobre políticas de bem-estar econômico, após a eleição de determinado candidato(a).
Durante a campanha algumas estratégias normalmente empregadas são discursos para públicos chaves; organização de eventos para que pessoas participem e se sintam próximas ao candidato; hoje em dia o uso das redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Tiktok, etc. Você precisa ter uma base para ser eleito, conquistar cada voto possível e ter uma boa equipe de campanha para ajudar. Após eleito, o cumprimento das promessas de campanha, de preferência de bem-estar social, é essencial para que este candidato(a) consiga se reeleger.

“O que é democracia?” (Julia Gabrielly Ribeiro, 13 anos; Juan Carlo Trabaco, 14 anos; Nicolas Mendes de Azevedo, 14 anos; Luana Gabrielly Sales, 14 anos; estudantes, Curitiba-PR)
Nelson Rosário, cientista UFPR – A democracia é um sistema político. Trata-se de uma forma de organizar as disputas pelo poder do Estado e por extensão os conflitos presentes na sociedade. Esse sistema parte de alguns princípios básicos. O primeiro pilar desse sistema é de que nós humanos somos livres e iguais em direitos. Os defensores da democracia têm a clareza de que os indivíduos ou grupos de indivíduos jamais entrarão em consenso sobre o bem no seu sentido profundo, essencial. O que é melhor para uns será ruim para outros, isso porque a sociedade é dividida, é feita de diferenças irreconciliáveis. Esse sistema promove a divisão entre mundo privado e público. Nossa moral privada não deve ser imposta aos outros. Nesse sentido, o domínio de uns sobre os outros em nome de alguma diferença é inaceitável. Por isso a democracia é o sistema no qual o poder está no povo e não nas mãos de um rei (monarquia) ou de um grupo de homens ‘especiais’ (aristocracia). A democracia organiza a vida pública, dentro do possível, os interesses comuns sob a regra da vontade da maioria.
Sendo assim, a democracia não é um sistema voltado para a busca da solução final para nossas diferenças, tampouco traz consigo a fórmula do paraíso na terra. Ao contrário de olhar para o fim, para o objetivo final ou a solução última, a democracia valoriza os meios, ou seja, os procedimentos que organizam as disputas pelo poder evitando que esses conflitos nos levem à violência generalizada, à guerra civil, enfim, à barbárie.
As principais regras dessa fórmula são as seguintes: 1. A fonte do poder é o povo que de forma consentida elege os seus representantes. Diferente da Grécia Antiga onde vigia a democracia direta, nas sociedades ocidentais modernas predomina a democracia indireta. 2. Os representantes têm autonomia para governar e, de tempos em tempos, devem prestar contas aos representados na fórmula de eleições livres. 3. O povo é livre para se organizar e exprimir livremente suas opiniões na forma de protestos, críticas, enfim, pressões sobre os governantes. 4. A maioria vence as eleições e governa, mas não pode esmagar as minorias ou interromper os ciclos eleitorais. Não devem existir barreiras ao revezamento dos grupos no poder. 5. Os poderes do Estado devem estar divididos para evitar o risco de autoritarismo, um poder deve controlar e limitar o outro, a divisão é entre o executivo, o legislativo e o judiciário.
Enfim, a democracia é uma fórmula que busca estabilizar as disputas pelo poder garantindo, assim, a convivência civilizada entre os diferentes grupos. A política estabilizada garantiria as condições para o desenvolvimento social, econômico e cultural.

Assista abaixo a um vídeo sobre a edição Política e Democracia do Pergunte aos Cientistas, uma produção da Agência Escola UFPR:

“O que é política?” (Ana Nicóly Mariano Prodocimo, 14 anos, estudante, Curitiba-PR)
Patrícia Sene de Almeida, cientista UFPR – A política pode ser definida como a luta pelo poder tendo em vista a produção de fins coletivos. Nesse sentido, a política é o espaço da disputa pelo poder entre grupos de distintos interesses e valores que buscam o exercício do domínio e do governo em um território.
Desta forma, a política consiste em toda ação direcionada à administração, direção e organização do Estado e da relação entre estados. Consiste também na participação ou na influência em processos que envolvem relações de poder. Especificamente, trata-se da atividade responsável pela representação de distintos interesses e valores, cuja finalidade é a tomada de decisões coletivas.
Portanto, quando pensamos em política devemos pensar nas instituições, partidos, eleições, governo, Estado, candidaturas a cargos eletivos e processos de decisão sobre questões públicas. Em outras palavras, nas decisões que membros do Estado, influenciados pelos atores sociais sobre seu poder, tomam em busca de fazer valer suas preferências. O produto da política (das decisões tomadas por representantes políticos e da influência de elites sociais, membros da administração pública, partidos, entre outros) direciona o andamento de todo o ambiente social.

“Como funciona para ser um cientista político? É muito difícil? Precisa ter quantos anos? Precisa começar com quantos anos?” (Julia Bernardo Weinert, 14 anos, estudante, Curitiba-PR)
Amanda Sangalli e Marta Pontes, cientistas UFPR – Para ser uma cientista política é necessário realizar, em algum momento da sua trajetória educacional, o curso de Ciência Política (CP) – seja uma graduação ou pós-graduação (mestrado/doutorado). Quanto à idade, não há limitação, a não ser pelo fato de que deverá se formar em algum destes níveis, o que leva tempo. Uma cientista política é, antes de tudo, uma cientista. Ser cientista requer, no mínimo, uma curiosidade pelos fenômenos que se deseja estudar. No caso do estudioso da política, precisa ser interessado e preocupado com as relações de poder no entorno do Estado e com os acontecimentos políticos no Brasil, mas também no mundo. Um cientista busca, utilizando-se de métodos e técnicas, evidências para a explicação da realidade, no caso da CP, os profissionais buscam desenvolver e testar teorias para compreender os fenômenos políticos, mas não só.
De qualquer forma, a preparação para se tornar cientista política já pode se iniciar no Ensino Médio, dedicando-se às disciplinas de Sociologia, Filosofia, História e Geografia (Matemática e Língua Portuguesa também, porque são fundamentais para todo cientista, já que precisa escrever muito e aplicar cálculos em suas análises), que, além de ajudar no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], serão uma boa base para a graduação. Mais tarde, no Ensino Superior, além das leituras aprofundadas, também é possível estagiar em empresas da área, instituições públicas ou participar de grupos de pesquisa acadêmica, para tomar conhecimento de como se aplica, na prática, o que se estuda.
São três os âmbitos possíveis de trabalho: 1) instituições acadêmicas: atuar em pesquisas científicas e como professora no ensino superior; 2) instituições públicas: atuar em assessoria parlamentar, avaliação de políticas públicas, entre outras; e 3) instituições privadas: atuar em empresas de pesquisas de opinião pública, campanha política, consultoria, ONGs etc.
A dificuldade para se tornar cientista política depende mais de cada pessoa do que do processo em si. Às vezes o volume de estudos pode parecer um pouco maior do que de outras profissões, mas nada que um bom planejamento não resolva. Enfim, para ocupar uma vaga de cientista política ou empreender na área da CP é necessário dedicar-se a uma formação de qualidade. A boa qualificação é imprescindível, uma vez que a profissão não é regulamentada (como na Itália, Estados Unidos, México, entre outros países), deixando o espaço aberto para que profissionais de outras áreas exerçam atividades típicas da CP, o que torna a disputa mais acirrada.

“O que é o STF? E qual é o seu papel na política?” (Milena de Almeida Carpiné, 14 anos, estudante, Curitiba-PR)
Pedro Henrique Beff, cientista UFPR – No Brasil, existem três tipos de Poderes de Estado, cada um deles independentes entre si:
– o Poder Executivo – chefiado pelo presidente da República no nível federal, pelos governadores de estado no nível estadual e pelos prefeitos no nível municipal.
– o Poder Legislativo – representado pelos senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores.
– e o Poder Judiciário – no qual atuam juízes, desembargadores (juízes de 2ª instância) e ministros de tribunais superiores (juízes de 3ª instância).
Em linhas gerais, o Poder Executivo é responsável pela administração pública; o Poder Legislativo tem a função de legislar, ou seja, criar ou alterar leis; e o Poder Judiciário possui a tarefa típica de aplicar estas leis. Essa organização política sob o princípio da separação de poderes tem o objetivo de desconcentrar e limitar o exercício do poder do Estado, criando um sistema de “freios e contrapesos” no qual cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros dois Poderes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. Ele é composto por 11 ministros, escolhidos pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado Federal, e funciona como a última instância recursal que um processo judicial pode alcançar. Sua principal atribuição é exercer o chamado controle de constitucionalidade, ou seja, julgar se as leis ou os atos do governo estão de acordo com a Constituição Federal. A Constituição é um conjunto de normas jurídicas na qual a sociedade estabelece os seus princípios políticos, os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos, além de definir a forma de governo (República ou Monarquia), a forma de Estado (Unitário ou Federativo), o sistema de governo (Presidencialista ou Parlamentarista), dentre outras coisas. Assim, se uma lei é contrária à alguma norma da Constituição, o STF tem o poder de declará-la inconstitucional e esta lei passa a ser inválida no ordenamento jurídico e não mais aplicável.
Ao atuar, portanto, como “guardião da Constituição”, o STF exerce inerentemente um papel político importante, já que cabe também a ele garantir os direitos fundamentais de minorias políticas, muitas vezes ameaçados por maiorias legislativas eventuais. Por exemplo, indígenas raramente conseguem eleger representantes para a Câmara dos Deputados, e por isso não conseguem barrar a aprovação de projetos de leis apresentados por alguns representantes do agronegócio que têm o interesse em legalizar a invasão e exploração de terras indígenas ou de reservas ecológicas. Como a Constituição garante a preservação destas terras, o STF tem o poder de declarar a nulidade de leis desta natureza. Além deste papel contramajoritário em prol de minorias e de fiscal dos outros dois Poderes, o STF também pode intervir diretamente no sistema político ao decidir sobre a definição das regras eleitorais, sobre o orçamento partidário ou sobre a perda de direitos políticos (como o direito de votar ou de se candidatar), dentre inúmeras outras coisas. Caso haja maior curiosidade sobre as competências do STF, elas estão listadas no artigo 102 da Constituição Federal de 1988.

“Por que não podemos voltar à monarquia já que esse sistema que levamos hoje em dia dá muita confusão?” (Ana Julia Souza Piologo, 13 anos, estudante, Curitiba-PR)
Rodrigo Horochovski, cientista UFPR – República e monarquia são as duas formas de governo. Na monarquia, a chefia de estado é hereditária e vitalícia, ou seja, o monarca que a ocupa obtém a posição por herança e só sai quando abdica ou morre. Isso está previsto nas instituições e nas leis.
Quando o monarca (rei, imperador, príncipe etc.) acumula a função de legislar e governar, trata-se de uma monarquia absoluta. Quando a chefia de governo é ocupada por alguém oriundo do voto popular direto ou indireto, é uma monarquia constitucional, que é sempre parlamentarista, ou seja, o governo é formado pelo partido ou coalizão com maioria no poder legislativo. Neste caso, o monarca tem uma função mais simbólica, protocolar, de representação do estado nacional. A principal razão para um país ser republicano ou monárquico é a história de cada povo, todavia, é muito mais comum uma monarquia virar uma república do que o contrário.
Dito isso, para responder à pergunta, faço duas considerações:
1) O Brasil foi uma monarquia entre 1822 e 1889. A manutenção de um país continental unificado foi a maior obra do Império e deve ser reconhecida. No entanto, esse período foi marcado por muita instabilidade política e estagnação social e econômica. Alguns fatos:
Diversas revoltas eclodiram e foram violentamente reprimidas. A guerra do Paraguai exauriu as finanças públicas;
O voto era censitário, com critérios de renda para votar e ser votado. Apenas homens votavam e, com a “Lei Saraiva”, de 1881, que proibiu o voto dos analfabetos, o eleitorado foi reduzido a menos de 2% da população;
A renda per capita e as taxas de analfabetismo ficaram praticamente inalteradas pelas quase sete décadas de duração da monarquia.
O Império caiu pouco mais de um ano depois da abolição da escravidão que o sustentava. O Brasil foi uma das últimas nações ocidentais a extinguir esta chaga. Na verdade, o país era tão atrasado, que mesmo o segundo maior crescimento econômico do mundo no século 20, quando já éramos uma república, não foi suficiente para torná-lo desenvolvido.
2) Quando se olha o panorama internacional atual, não há relação entre forma de governo, democracia, estabilidade política e desenvolvimento. Entre os 30 países de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 13 são monarquias e 17, repúblicas. Já entre os 30 países com os melhores índices de democracia, segundo a revista The Economist, há 11 monarquias e 19 repúblicas. Outros fatores têm mais peso no funcionamento dos regimes e, se for para apontar caminhos que o Brasil pode trilhar para retomar uma maior estabilidade política, pode-se apontar a diminuição da fragmentação partidária e das desigualdades sociais e regionais e o aumento da transparência e da participação social e política da população, de modo a tornar os governos mais responsáveis perante os cidadãos.

“Afinal, as urnas eletrônicas são ou não confiáveis? Existe possibilidade de auditar?” (Arno Buss, 57 anos, engenheiro, Curitiba-PR)
Emerson Cervi, cientista UFPR – Arno, sim, as urnas eletrônicas são confiáveis. Elas permitem tanto garantir a inviolabilidade do voto quanto garantir a integralidade do sistema. A segurança de que ninguém vai saber em quem o eleitor votou quanto a confiabilidade dos resultados em geral. A sua segunda dúvida diz respeito à possibilidade de auditagem. Auditar significa verificar, identificar se aquilo que os eleitores quiseram manifestar realmente está presente na urna.
Em todas as urnas, antes de iniciar a votação, é emitido um papel chamado zerésima, que mostra que não há nenhum voto depositado naquela urna eletrônica. Ao final da votação, é emitido um boletim de urna que conta todos os votos depositados naquela urna, quantos eleitores votaram e quais foram os candidatos que receberam os votos. Todas as urnas têm esses boletins e eles ficam fixados na sala de votação. Então, é possível comparar o que está impresso na zerésima e o boletim de urna com o eletrônico.
Além disso, a Justiça Eleitoral seleciona uma amostra das urnas registrando com uma pesquisa se aqueles votos eletrônicos batem com os votos dos eleitores nessas sessões. Portanto, é absolutamente auditável e confiável.

“Qual a porcentagem de votos necessários para eleger deputado federal e estadual?”
Rodrigo Horochovski, cientista UFPR – Não há uma porcentagem fixa para eleger deputado federal e estadual. Depende do número de deputados eleitos, que é variável entre os estados. Então, dentro do sistema proporcional adotado pelo Brasil, há uma série de cálculos para se determinar quem serão esses deputados.
Vejamos o exemplo do estado de São Paulo, que tem 70 deputados federais. No primeiro cálculo, divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa. O número obtido é o quociente eleitoral. Todos os partidos que ultrapassarem o quociente eleitoral garantem pelo menos um deputado. Então, pode-se dizer que, no caso do estado de São Paulo, é necessário 1/70 dos votos válidos dados para deputados federais, seja em candidatos, seja nas legendas partidárias. Isso em porcentagem equivale a 1,43%.
O passo seguinte é calcular quantos deputados cada partido terá. Para isso, divide-se o número de votos obtido pelo partido pelo quociente eleitoral. O resultado é o quociente partidário. O número de cadeiras do partido é o quociente partidário desprezada a fração. Se, por exemplo, o partido obteve um quociente partidário igual a 5,14, seus cinco candidatos mais votados serão eleitos.
Duas considerações são importantes, contudo: 1) o candidato, para ter direito a uma vaga precisa ter um desempenho individual em votos superior a 10% do quociente eleitoral; 2) na prática, nem todas as cadeiras são distribuídas por meio dos cálculos descritos acima. Sempre sobram cadeiras, cuja distribuição acontece pelo cálculo das maiores médias. Neste caso, o desempenho individual sobe para 20% do quociente eleitoral. Esses procedimento serão descritos em uma próxima resposta.
Os cálculos acima estão previstos nos Artigos 106 a 109 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965, com diversas atualizações).

“Por que há uma tendência de achar que o modelo de democracia do Ocidente é o único válido e esquecer os demais?” (Ignácio Dotto Neto, 52 anos, servidor da UFPR, Curitiba-PR)
Ramon Blanco, cientista UFPR – Isto ocorre, pois o cenário internacional fundamenta-se por um elemento que, apesar de ativa e continuamente construído enquanto invisível, estrutura de modo determinante a política internacional – a colonialidade. A noção de colonialidade, uma compreensão da realidade internacional construída a partir da América Latina, busca dar visibilidade à continuidade das relações coloniais de poder, mesmo o colonialismo formal tendo sido erradicado na larga maioria dos territórios internacionalmente.
Consequentemente, estabelece-se no cenário internacional uma concepção essencialmente eurocentrada relativamente a diferentes dimensões da vida, como por exemplo: sexualidade, religião, economia, conhecimento, subjetividade, política, dentre outras. Assim, cristaliza-se, artificialmente, no âmbito da política internacional uma relação hierárquica entre as práticas, as vivências, as experiências e os conhecimentos do norte global, relativamente aquelas/es do sul global.
Como resultado, as práticas, as vivências, as experiências e os conhecimentos produzidos no sul global são ativamente descredibilizados e construídos como inválidos ou até mesmo invisíveis, o que resulta na percepção de que somente aqueles as práticas, as vivências, as experiências e os conhecimentos produzidos no norte global sejam compreendidos como válidos ou até mesmo como os únicos existentes.

“A denominação ‘democracias iliberais’ é cinismo ou eufemismo?” (Ignácio Dotto Neto, 52 anos, servidor da UFPR, Curitiba-PR)
Sérgio Braga, cientista UFPR – Acho que nem uma coisa nem outra. “Democracia iliberal” ou “democracia falha (imperfeita)” são conceitos utilizados por muitos analistas políticos e agências internacionais de avaliação e monitoramento das democracias para qualificar aquelas democracias pouco institucionalizadas, que realizam eleições de forma regular, mas que não cumprem alguns requisitos de uma democracia institucionalizada, tais como a existência de um sistema de garantias individuais, usufruto pleno das liberdades políticas, ou possibilidade de alternância regular de poder entre forças políticas distintas (=pluralismo efetivo). Muitos usam esses conceitos para designar aquelas democracias de baixa qualidade, onde emergem líderes políticos personalistas que permanecem longo tempo no poder ou ameaçam golpes de Estado, que perseguem sistematicamente opositores do status quo etc., tais como os Estados Unidos, a Rússia, a Turquia, a Venezuela ou mesmo o Brasil.
Além desse uso mais analítico, há também, é claro, um uso ideológico da expressão, na medida em que ele é empregado no debate político quotidiano para sustentar determinadas opiniões ou tomadas de posição política. O grande problema desse conceito é que ele parte de uma premissa falsa: a de que as democracias mais institucionalizadas e de maior qualidade são necessariamente “liberais”, associando uma determinada configuração institucional a uma ideologia normativa. Ora, na verdade podem existir democracias capitalistas avançadas, de maior qualidade, com partidos e sistemas de garantias fortemente institucionalizados, que regulam os mercados, limitam o direito de propriedade, e colocam o interesse público e coletivo acima do usufruto ilimitado das “liberdades” individuais e do direito de propriedade, regulamentando fortemente as liberdades em detrimento do bem-estar coletivo, que contestam fortemente algumas premissas da ideologia política liberal, tanto econômica quanto política. É o caso, por exemplo, das democracias capitalistas onde existe um Welfare State consolidado, tanto em escala nacional quanto subnacional. Por isso, eu particularmente prefiro os conceitos de “democracia de baixa qualidade”, “democracias deficientes” (flawed democracies) ou “democracia pouco institucionalizada” para caracterizar aqueles sistemas políticos democráticos que não conseguiram ainda regular e limitar o direito de propriedade, institucionalizar as associações intermediárias, e organizar partidos de massa com possibilidade efetiva de alternância no poder.
Em suma: embora não seja necessariamente cinismo ou eufemismo, devido a sua fragilidade e pouco rigor analítico, esse conceito pode eventualmente se prestar a um emprego “bastardo” na luta política quotidiana, para criticar certos aspectos daquelas democracias que não se enquadram nas premissas da ideologia liberal, como se os únicos tipos de democracia política de maior qualidade fossem “liberais”, ou mesmo como se não houvesse a possibilidade de democracias de alta intensidade “pós-liberais”, que implicassem na superação da ideologia liberal.

“O que é um golpe jurídico? Não é punível?” (Rosy Kamayi, 23 anos, estudante de direito, Curitiba-PR)
Sérgio Braga, cientista UFPR – Em certa medida, todo golpe de Estado tem uma dimensão jurídica, já que a derrubada ilegal de governantes legitimamente eleitos ou o cometimento de ilegalidades para a perpetuação de lideranças políticas no governo (autogolpe) não provocam apenas alterações nas relações de poder, mas também incorrem numa violação à legalidade do quadro jurídico vigente. Assim, golpes de estado clássicos como o golpe de 1964 no Brasil e o de Allende no Chile em 1973, implicaram não apenas alterações ilegais nas relações de poder, mas também mudanças no quadro jurídico válido. Mais recentemente, na América Latina, deu-se o mesmo com países que passaram por golpes ou tentativas de golpes de estado como, por exemplo, no caso da derrubada de Fernando Lugo, no Paraguay em 2012 (por golpe parlamentar que não obedeceu aos rituais legais do processo de impeachment), ou o golpe que afastou Evo Morales e Alvaro Garcia Linera na Bolívia em 2019 (tentativa de golpe civil-militar após sabotagem no processo eleitoral e de apuração de votos).
No caso de um “golpe jurídico” ou predominantemente jurídico, penso que se trata de uma tentativa de golpe de estado (ou autogolpe) quando atores atuantes na burocracia judiciária tem um papel dominante na desestabilização dos regimes políticos democráticos e na derrubada irregular de governantes legitimamente eleitos, através do uso arbitrário de instrumentos judiciais (o chamado “lawfare”). Alguns analistas incluem nessa rubrica a destituição da presidenta Dilma Rousseff por um processo de impeachment votado pelo parlamento em 2016, mas se trata de uma questão bastante controversa entre os especialistas da área.
No tocante à possibilidade de punição, penso que ela depende de dois fatores: a) da capacidade dirigente das forças prejudicadas pelas ilegalidades cometidas em reverter a situação criada por ocasião do golpe de estado ou autogolpe; b) das inclinações da opinião pública e de sua propensão a apoiar a punição dos atores delituosos e envolvidos na conspiração política golpista. Para simplificar a questão, exemplifico com o caso recente da Bolívia, onde houve uma tentativa de golpe de estado após sabotagem do processo eleitoral. Lá, devido à grande organização das classes trabalhadoras e à capacidade dirigente do MAS (Movimento ao Socialismo), as forças envolvidas na tentativa de golpe estão sendo sistematicamente punidas, a começar pela “presidenta autonomeada” Jeanine Anes, que foi recentemente condenada a 10 anos de prisão com amplo apoio da opinião pública e do sistema judicial boliviano. Também no caso da invasão ao Capitólio, recentemente nos Estados Unidos, inclusive com ameaça à vida de vários parlamentares, os atores envolvidos na arruaça estão sendo processados e punidos. Nada impede que o mesmo ocorra com atores judiciais envolvidos com operações de “lawfare” e perseguição política através de utilização de ferramentas legais em outros países, desde que as forças injustiçadas revelem a mesma inteligência e capacidade de reação daquelas existentes na Bolívia ou nos Estados Unidos. Tenho minhas dúvidas de que este seja o caso do Brasil, onde existem lideranças personalistas com fraca base partidária que se sobrepõem à organização capilarizada das classes trabalhadoras, capazes de organizar grandes bancadas nos órgãos parlamentares, e um sistema judiciário ineficiente em punir os “poderosos” e que mais se parece com uma corporação de acúmulo de privilégios e bons empregos para segmentos da classe dominante que não se alocou no mercado e da alta classe média escolarizada.

“Estando o presidente e o vice-presidente da república impedidos de exercer seus respectivos cargos, quem deve assumir em seus lugares?” (Charlene Schmoller, 32 anos, administradora, Joinville-SC)
Rodrigo Horochovski, cientista UFPR – A Constituição Federal prevê a seguinte ordem sucessória para o caso de impedimento ou vacância do Presidente e do Vice-Presidente: 1) Presidente da Câmara dos Deputados, 2) Presidente do Senado Federal e 3) Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
É importante lembrar que, em todos esses casos, a pessoa que assume a Presidência da República não completa o mandato originalmente previsto para o Presidente e o Vice-Presidente. Se o impedimento acontecer nos dois primeiros anos do mandato, novas eleições para ambos os cargos são realizadas 90 dias após aberta a última vaga. Se o impedimento acontecer nos dois últimos anos do mandato, as eleições são realizadas pelo Congresso Nacional, 30 dias depois de aberta a última vaga.
Essas previsões podem ser encontradas nos Artigos 80 e 81 da Constituição Federal.

“Qual é o nível de fama que um atleta precisa ter para conseguir uma bolsa de estudos?” (Leonardo Ordônio Zeni, 14 anos, estudante, Curitiba-PR)
Fernando Mezzadri, cientista UFPR – A fama não está diretamente relacionada à obtenção de incentivos para a prática esportiva. O que faz diferença neste quesito são os resultados esportivos alcançados, o que não necessariamente se converte em fama propriamente dita. Em se tratando de políticas públicas para o esporte, a mais relevante de apoio direto ao atleta é o Programa Bolsa Atleta, que beneficia atletas com resultados esportivos relevantes, com incentivo financeiro que varia de R$ 370,00 a R$ 15.000,00 por mês, dependendo da categoria de contemplação. Aqui sempre ressaltando que o quesito principal para a obtenção do benefício é o resultado em si, não o “nível de fama”, podendo o Bolsa Atleta ser considerada uma política meritocrática, ou seja, baseada no mérito do beneficiado. Já tratando de bolsas de estudo em universidades, depende dos critérios da instituição de ensino, que também podem variar, mas comumente sendo considerado também o mérito esportivo e não o quão “famoso” determinado atleta é. Neste sentido, a UFPR não conta com bolsas de estudo derivadas do esporte, por já ser uma universidade pública.

Ouça abaixo um drop sonoro sobre a edição Política e Democracia do Pergunte aos Cientistas, uma produção da Agência Escola UFPR:


Imagem destaque: Freepik/Divulgação. Diagramação da arte: Ana Polena

Identidade visual Pergunte aos Cientistas: Gabriela Tacla e Letícia Terumi

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Sobre a Agência Escola UFPR

A Agência Escola UFPR, a AE, é um projeto criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (SACOD) para conectar ciência e sociedade. Desde 2018, possui uma equipe multidisciplinar de diversas áreas, cursos e programas que colocam em prática a divulgação científica. Para apresentar aos nossos públicos as pesquisas da UFPR, produzimos conteúdos em vários formatos, como matérias, reportagens, podcasts, audiovisuais, eventos e muito mais.

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