Neste 8 de março, conheça a trajetória de oito mulheres pioneiras que fazem parte da história da Universidade Federal do Paraná, que completará 110 anos neste ano #AgenciaEscolaUFPR
Por Cecília Sizanoski e Paula Bulka
Sob supervisão de Chirlei Kohls
Desde a revolução feminista no século passado, ecoado pelas vozes das sufragistas em uma luta de reivindicação pela participação feminina ativa na política, as mulheres caminham para longe dos muros da opressão. Dentro de casa, na sala de aula, no laboratório, e até no espaço sideral. O lugar da mulher é onde ela quer estar, ou onde ela não pisou ainda. A presença feminina no ensino superior é significativa: hoje, as mulheres já são maioria em comparação aos homens, de acordo com Maria Rita de Assis César, que está à frente da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – confira neste link dados sobre a participação feminina na pós-graduação na UFPR.
Alunas, professoras, técnicas e pesquisadoras compõem o corpo da Universidade Federal do Paraná, a universidade mais antiga do país, que completará 110 anos de história em dezembro deste ano. Entretanto, o núcleo feminino ainda é inferior nos cargos mais altos da instituição. “Quando falamos da universidade como ambiente de produção de conhecimento, o número de mulheres pesquisadoras é alto, mas o número de mulheres que dirigem laboratórios de pesquisa é menor. A equidade é numérica, mas nem sempre ela garante a igualdade de gênero. Igualdade é a igualdade de oportunidades”, diz a pró-reitora Maria Rita de Assis.
A coordenadora do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (NGDS) da Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (Sipad), Dayana Brunetto, destaca a importância da inclusão, não só de mulheres, mas de LGBTs dentro da universidade. Segundo Dayana, campanhas de incentivo já estão sendo desenvolvidas pelo Núcleo, assim como o Março Mulheres UFPR e o Junho LGBT, eventos oficiais que promovem as discussões e acolhimento. “Ainda existe um longo caminho nesse campo, mas destaco que os primeiros passos já foram dados com a criação do NGDS, políticas inéditas em universidades federais, e isso é extremamente importante”.
A pesquisadora Maria Rita acrescenta que o primeiro passo para promover a igualdade de gênero é acabar com a violência de gênero, portanto a Sipad, órgão institucional que visa melhorar as condições sociais na Universidade, recebe e encaminha denúncias de agressões.
Conheça abaixo a trajetória de oito mulheres pioneiras que fazem parte da construção de uma UFPR mais diversa e inclusiva, desde a primeira formada na Universidade, em 1914, até a primeira travesti negra a obter o título de doutora na UFPR, em 2017. Se você conhece outras mulheres pioneiras, referências e que inspiram novas histórias dentro e fora da UFPR, marque nas publicações deste Dia Internacional da Mulher no Instagram e Facebook da Agência Escola UFPR.
Chefes da própria trajetória
A universidade mais antiga do país teve uma única mulher reitora em mais de 100 anos de história e por um período inferior a um mandato. O marco da conquista é da professora Márcia Helena Mendonça, do Setor de Ciências Biológicas, que ocupou o cargo temporariamente em 2008. Na procuradoria da UFPR, a doutora Dora Lucia Bertulio, do Direito, assumiu a chefia em 2002 e foi pioneira na luta pelas cotas raciais. Suas conquistas para a instituição incluem a luta pelas cotas raciais e sociais não só na UFPR, mas um protagonismo que incentivou diversas outras universidades pelo país.
Na década anterior, em 1995, Vera Karam de Chueiri iniciava sua jornada dentro da Universidade. Ingressou como professora da Faculdade de Direito. Mas foi mais de 20 anos depois, em 2016, que se tornou a primeira mulher diretora do Setor de Ciências Jurídicas, um dos mais tradicionais da instituição. “Em 100 anos, apenas homens brancos tinham sido diretores da Faculdade de Direito da UFPR e ter uma mulher depois de todo esse tempo de existência importa e muito. Isso porque vivemos em uma sociedade que naturaliza o protagonismo dos homens em cargos de direção, como se fosse uma espécie de direito natural da condição masculina”, conta a pesquisadora.
Vera assumiu o cargo em 2016 e, durante o mandato, vivenciou situações de preconceito e machismo. “O pior episódio aconteceu em uma reunião do Conselho Setorial, quando um conselheiro me ameaçou. Contei com a solidariedade nesse momento de todos os demais integrantes daquele colegiado, o que foi fundamental, mas não alivia o fato do surto autoritário e machista do então integrante do conselho”.
Apesar disso, a pesquisadora enxerga sua entrada no cargo como uma porta aberta para que novas mulheres conquistem espaços importantes dentro do Setor. “O número de professoras e pesquisadoras mulheres é ainda inferior ao de professores e pesquisadores (somos cerca de 30%). Mesmo em número inferior, quase todas nós lideramos grupos e núcleos de pesquisa, temos produção relevante nas respectivas áreas de pesquisa, como também lideramos projetos de extensão com intervenções impactantes na sociedade”.
A mãe acolhedora e a luta pela inclusão
“A Federal [UFPR] é mãe que abraça e acolhe todo mundo. Isso é o que me encanta e quando entrei na Federal foi o que eu senti: essa aqui é minha casa, essa é minha faculdade.” Assim a Universidade Federal do Paraná é descrita por Lusia Luxsa, a primeira mulher refugiada a entrar em uma graduação no Paraná e a segunda no Brasil. Ela entrou na UFPR em 2014 depois de muito procurar uma universidade para completar sua graduação em arquitetura, que ficou pela metade quando saiu de seu país natal. Na Síria, a instituição onde Lusia estudava foi bombardeada: “perdi meus amigos e perdi a minha vida na verdade. Resolvemos fugir porque sabíamos que não tinha futuro alí”. Na época, o Brasil era um dos poucos países acolhendo refugiados sírios, então ela e o marido vieram para cá.
A Síria enviou documentos tentando vagas para várias universidades e Lusia estava prestes a desistir quando resolveu conhecer onde fica o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR. Mesmo em período de recesso e os campi vazios, ela esbarrou com o coordenador do curso, Paulo Chiesa, saindo do escritório, que explicou para ela sobre a universidade. Na conversa, ela descobriu que existem cotas para para refugiados, que ninguém nunca tinha solicitado até então. Ela foi a primeira a solicitar. Uma semana depois estava matriculada e sua descoberta abriu portas para outros refugiados fazerem o mesmo – o caso de Lusia serviu de modelo para que a UFPR discutisse e aprovasse uma resolução específica sobre o tema.
Enquanto isso, para outros grupos, abrir portas na universidade é um processo mais difícil. Isso é o que conta Megg Rayara Gomes de Oliveira, primeira travesti negra a concluir doutorado na UFPR e também a se tornar professora na instituição. “A discriminação é muito presente no cotidiano, principalmente nas bases teóricas que não contemplam a população negra e LGBT. É uma forma de racismo e lgbtfobia muito concreta”, afirma Megg, que teve a tese de doutorado orientada pela professora Maria Rita de Assis César, no Setor de Educação da UFPR.
Para aumentar a inclusão dos grupos considerados minorias sociais, na UFPR existe a Sipad (Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade), como afirma Maria Rita, coordenadora do Laboratório de Investigação em Corpo Gênero e Subjetividade na Educação (Labin) e pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFPR. Ela aponta a importância de lembrarmos que todo avanço que vemos acontecendo agora e toda presença de alguém que se preocupa com as questões de gênero é resultado de uma batalha que vem sendo disputada há muito tempo. São pessoas que também lutaram para garantir que a primeira mulher entrasse na universidade. Na UFPR, a primeira mulher formada foi Helena Vianna Seiler, em 1914, que cursou Odontologia em uma turma formada por mais oito homens.
Pensando em expectativas futuras, Megg conta sobre as suas: “espero que a gente consiga minimamente mudar algumas peças nesse tabuleiro da UFPR e construir de fato uma universidade que seja plural, democratizadora, que tenha mais mulheres, LGBTs e pessoas negras ocupando esse espaço como professores e cargos de poder.”. Ela justifica: “ainda é uma instituição hegemonicamente branca, cisgênero e heterosexual”.
Mas mesmo com as dificuldades, tanto Megg quanto Lusia conseguiram se inserir nesse espaço. “Se a gente consegue sobreviver nesse espaço é porque as pessoas negras e LGBTs estão desenvolvendo estratégias de enfrentamento”, afirma Megg. Lusia ainda expressa: “Ninguém deve desistir do seu sonho, nós mulheres principalmente. Precisamos ter força e não podemos desistir. Eu nunca desisti e sempre continuo trabalhando, fazendo. Temos que ter essa fé para continuar”.
Pioneiras na engenharia e medicina
Em plena segunda guerra mundial, Enedina Marques ingressava na UFPR para entrar para a história. Foi a primeira engenheira negra do país, formada em 1945 pela instituição. O marco e a trajetória rendem várias homenagens e inspirações. Enedina trabalhou como professora até 1935, quando decidiu estudar engenharia em uma sociedade brasileira pós-abolicionista. A trajetória não foi simples: era a única mulher em uma turma completamente masculina. O diploma veio junto a uma carreira primorosa, sendo uma das responsáveis pelo desenvolvimento do Plano Hidrelétrico do Paraná.
O título de primeira médica do Paraná veio alguns anos antes, em 1919, com a formatura da Maria Falce de Macedo. Em 1935, a médica formada pela UFPR logo começou a lecionar na instituição, tornando-se em 1929, a primeira professora catedrática (titular) em uma universidade brasileira. A história Maria também inspira outras mulheres, como é o caso do Coletivo Maria Falce de Macedo, que surgiu com o intuito de aproximar as mulheres do curso de medicina da UFPR.
Foto destaque: Enedina Marques (à esquerda) com colegas professoras. Foto: Reprodução/UFPR