Por Gabriel Domingos
Fotos: Agência Estadual de Notícias
Supervisão: Maíra Gioia
Começo com uma pergunta! Você – que mora e/ou trabalha em Curitiba – tem um ventilador? (pode ser um aparelho ar-condicionado também). Se, até o ano passado, você não tinha um desses dois aparelhos em casa ou no trabalho, foi preciso comprar? As mudanças climáticas são assim, pequenas alterações atmosféricas na rotina da vida. Elas aumentam gradualmente a temperatura global e desencadeiam um processo de quebra dos ciclos naturais da biodiversidade.
Ano passado, por exemplo, o serviço climático da União Europeia identificou, pela primeira vez na história, um aumento da temperatura da Terra na casa de 1,5 ºC. Mas, como é que nós podemos perceber as alterações climáticas ao nosso redor?
O professor e pesquisador do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e colaborador do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles Wilson Feltrim chama atenção para a quebra dos ciclos climáticos naturais. O que são essas quebras de ciclos naturais? Nós aprendemos no Ensino Médio ou com nossos familiares mais velhos que, no Paraná, o verão tende a ser chuvoso e o inverno mais seco. Essa lógica continua sendo verdade, mas o professor Wilson faz um alerta: o período de seca está começando antes e terminando depois.
Pegue um mapa do Brasil e desenhe um círculo cobrindo toda a Região Centro-Oeste, o sul do Amazonas, a metade norte do Paraná, o oeste de São Paulo e Minas Gerais e mais a Região Nordeste. Naturalmente, essa parte do Brasil atravessa um inverno mais seco. Acontece que, com o desmatamento a área se ampliou e a intensidade do fenômeno natural aumentou.
“Se você retira uma quantidade significativa de vegetação da superfície, você diminui a disponibilidade de água na atmosfera e, como consequência, temos menos nuvens e menos chuvas”, afirma Wilson.
O professor também explica que, associada às mudanças climáticas, a alteração no regime de chuvas a partir do desmatamento também intensifica os bloqueios atmosféricos. Por isso, o clima fica mais seco, as massas de ar quente não se deslocam e a temperatura aumenta. Esses fatores formam um ambiente propício para a ocorrência de queimadas, como as registradas na Floresta Amazônica, em São Paulo e em outras regiões do país nas últimas. Também por isso, comportamentos criminosos de causar focos de incêndio se tornam ainda mais perigosos nesse período do ano, principalmente pelo clima mais adverso que tem sido enfrentado.
No último mês de agosto, o Paraná viveu um outro exemplo dessa situação. Após um curto período de chuvas, foi registrada uma semana com recordes de frio. Entre 12 e 16 de agosto, o Estado teve em todas as regiões temperaturas de 0º, 1º e até -1° e muita preocupação com geadas nas áreas agricultáveis. Porém, logo no dia 17 – um sábado – as temperaturas aumentaram em uma onda de calor, chegando a casa dos 30º e acima.
Coloca-se uma lupa na preocupação dos agricultores. Wilson explica que as plantas têm um tempo de maturação específico que leva em conta os ciclos climáticos. Por isso, após a semana de frio intenso, a planta pode usar a semana de calor para se desenvolver gerando seus frutos e flores. Se, no entanto, ainda estamos no meio do inverno e vivermos uma nova semana de frio intenso, as geadas e as baixas temperaturas passam a representar uma ameaça contra esses frutos.
Voltamos às perguntas iniciais:
Em setembro e depois em novembro do último ano, o Paraná viveu ondas de calor com temperaturas que variaram da casa de 30º até 40º. É possível que, nesse período, você tenha chegado ao trabalho com pensamentos como: “nossa que calor que faz hoje”. A partir daí o ar-condicionado é acionado para controlar a temperatura e permanecer em um ambiente mais agradável. Ou então, foi despertada a necessidade de adquirir um ventilador.
Acontece que, entre essas ondas de calor – mais especificamente no mês de outubro – choveu muito acima da média para todo o Paraná – um efeito do fenômeno El Niño. Naquela altura, as chuvas acima do padrão haviam afetado a vida de quase 60 mil pessoas, como informou a Defesa Civil do Paraná.
Esses eventos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul, também têm forte impacto psicológico para a sociedade. Francisco Mendonça, professor e pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná), articulador do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Emergências Climáticas e também colaborador do Observatório Metrópoles, explica que as pessoas que sofrem com eventos de inundação lidam com perdas de bens materiais e têm a vida muito modificada por um longo tempo. Por isso, eventos climáticos, sejam eles simples como a mudança brusca de temperatura ou extremos como grandes alagamentos, tem efeitos muito tempo depois do dia do acontecimento.
A compartimentalização dos conhecimentos é, para Ana Trovão, uma das razões para as dificuldades em percebermos as pequenas mudanças no clima que são a base dos desastres ambientais. Segundo Ana, que é doutora em Sociologia pela UFPR e integrante do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, nós estamos acostumados a separar as áreas de conhecimento e, por isso, não falamos da cadeia de acontecimentos que formam o sistema de biodiversidade.
“Você abre a torneira e sai a água, mas o processo até ela chegar no copo não chega até nós”, exemplifica Ana.
Medidas em cooperação
Não é, diz Ana, uma única pessoa que – ao tomar um banho longo – vai desequilibrar o Meio Ambiente. Mas, se essa pessoa pode adotar medidas amigas ao Meio Ambiente, ela deve fazê-lo. Em conjunto, o setor produtivo (Indústria e Agro) devem tomar consciência de suas responsabilidades. E o Poder Público, outro elo dessa corrente, precisa tratar as questões climáticas como políticas públicas: “os eventos climáticos extremos não são mais exceção, eles são uma realidade consolidada”, afirma Ana.
No âmbito da iniciativa individual, diz Wilson, o cidadão pode optar pela instalação de sistemas de reaproveitamento da água da chuva, uso dos telhados verdes e, principalmente, manter áreas permeáveis em casa. Para isso, segundo o professor, entra outro papel importante do Poder Público: o incentivo a um IPTU verde. O que vem a ser?
O IPTU verde, explica Wilson, é um incentivo para que o morador não faça calçamento no espaço de casa. A ideia é manter um jardim, uma horta ou um gramado e, assim, dispor de um espaço permeável. Ou seja, quando chove, a água tem por onde se infiltrar na terra e – diferente do caso das calçadas e asfaltos – não fica se acumulando em grandes volumes na superfície.
Onde investir?
Em Curitiba, há um plano para eletrificar 33% da frota de ônibus até 2030. Mais 20 anos e em 2050 nenhum veículo do transporte coletivo da Capital paranaense deve andar utilizando combustível fóssil. Essa é uma das medidas do poder público que se soma com iniciativas políticas e econômicas para a redução das emissões globais de CO2 – o gás catalisador do aquecimento global.
Essa redução de emissões globais é necessária. No entanto, alerta Wilson, ela precisa ser acompanhada de investimentos urgentes em moradias “verdes” e na justiça socioambiental para as cidades. Os eventos extremos – como as chuvas do Rio Grande do Sul e as queimadas – afetam, principalmente, aqueles que moram nas cidades, nas regiões mais afetadas e economicamente mais pobres.
É por isso que, para Wilson, devemos ter um plano de políticas públicas que garanta que os cidadãos de cada município tenham moradias capazes de se adaptar e de não sofrer, por exemplo, com uma onda de calor extrema.
Panoramas positivos
Em 2024 completam dois anos desde que as restrições de circulação na cidade, por conta da pandemia de covid-19, foram abandonadas. O coronavírus, no entanto, segue em circulação. Por isso, a pesquisa ambiental na cidade pode se somar à vacinação como estratégia para evitar casos da doença. Ana Trovão explica que há uma área de estudos avançados em epidemiologia a partir do esgoto. Com essas pesquisas é possível perceber, com aproximadamente 15 dias de antecedência, se há risco de um surto da covid-19. Além disso, os pesquisadores conseguem notar se houve aumento no consumo de cocaína na cidade. E as pesquisas na rede de esgoto também se estendem à área da agricultura.
“O esgoto residencial é basicamente matéria orgânica. Quando ele está no processo de tratamento, as bactérias consomem a matéria e depois excretam um lodo separado da água e que é rico em matéria orgânica. Essa matéria, após passar por um processo de desinfecção pode ser utilizada como fertilizante”, conta Ana.
Ela, contudo, faz um alerta.
“Esse fertilizante serve mais para plantas como milho – que não estão grudadas no solo – e precisa ter, também, um perfil de solo específico”, diz.
Nesse cenário, essa substância torna-se um super-fertilizante.
Eleições 2024
Contribuindo para o processo democrático, a Agência Escola e o Observatório das Metrópoles firmaram parceria para discutir a cidade nas eleições municipais de 2024. Acompanhe, nas próximas próximas semanas, mais reportagens com temas de interesse da população e que auxiliam na escolha do voto.