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Programa internacional une pesquisa e extensão em capacitação de cuidadores de crianças com autismo

A parceria é formada entre UFPR, OMS, Prefeitura de Curitiba, Fundação Autism Speaks e a ONG Ico Project #AgenciaEscolaUFPR

Por Bruno Caron
Edição: Maria Fernanda Mileski

Abril é o mês de conscientização do autismo, que tem entre os objetivos informar a população sobre o assunto. Neste sentido, uma parceria entre cinco instituições desenvolve o Programa Internacional de Capacitação de Familiares e/ou Cuidadores de Crianças com Atraso ou Transtorno do Neurodesenvolvimento/Autismo no Brasil. Idealizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o treinamento foi criado pensando na realidade de países carentes, a fim de oferecer suporte para famílias compostas por crianças com autismo ou transtorno do neurodesenvolvimento. A Universidade Federal do Paraná é a responsável por desenvolver os estudos de validação do programa e avaliar a viabilidade dele ser aplicado por todo o Brasil.

Além da OMS e da UFPR, também estão envolvidas a Prefeitura de Curitiba, a Fundação Autism Speaks e a ONG Ico Project. O treinamento de capacitação funciona através de um sistema de cascata, em que os masters (profissionais responsáveis pelos treinamentos) são treinados pela OMS, que por sua vez treinam os profissionais da saúde, chamados de facilitadores. Por fim, os facilitadores repassam o conhecimento para os pais ou cuidadores.

O professor Gustavo Dória, do Departamento de Psiquiatria e do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da UFPR, é um dos responsáveis pelo estudo de validação. Ele explica que quando começou a trabalhar na área, os dados indicavam 14 crianças com síndromes do Transtorno do Espectro Autista para cada 10 mil. Atualmente, só nos Estados Unidos, esse número é de uma para cada 54 crianças.

Encerramento do pré-piloto do programa, realizado antes da pandemia da Covid-19. Foto: Divulgação

Para não deixar os pais de crianças autistas ou com transtornos do neurodesenvolvimento sem amparo, a OMS formulou o programa em conjunto com a Autismo Speakers. “A técnica foi formulada baseada em treinar os pais para que eles atuem com seus filhos. O objetivo do treinamento é selecionar profissionais que estão nas Unidades de Saúde e já têm contato com as famílias para ter uma capacitação e auxiliar no desenvolvimento das crianças”, conta Gustavo.

Estudo de validação do programa pela UFPR

O papel da UFPR nessa história é fazer um estudo de validação, investigar se a ferramenta traz retornos positivos e se é aplicável no contexto brasileiro. Essa pesquisa é composta por três fases. Na primeira foi verificada a adaptação cultural e linguística do programa para o Brasil, além de uma pesquisa com a população alvo. Na segunda fase foi feita uma avaliação da viabilidade e aceitabilidade do projeto. Na terceira, uma avaliação do impacto do treinamento nas crianças e cuidadores.

O estudo de validação feito pela UFPR foi finalizado e aprovado pela OMS. Agora, o programa pode ser replicado em todo o território nacional. O próximo passo é o treinamento de facilitadores nas demais regiões para uma disseminação no país.

Gustavo atribui a vinda do programa ao Brasil para Elyse Matos, do Ico Project. Ela fez a insistência junto à OMS e buscou parcerias para validar o treinamento no Brasil. “Esse tripé: pesquisa, poder público e uma organização não-governamental, que tem uma mãe da causa autista envolvida, é o que dá mais suporte para que o programa ocorra e tenha sucesso nessa disseminação. Nós temos que dar muitos méritos para a Elyse, que fez tudo isso”, comenta o médico.

O programa

Camila Cardoso é psicóloga no Complexo Hospital de Clínicas da UFPR, fez uma pesquisa de mestrado sobre o programa e conta que já veio bem estruturado pela OMS para que fosse de fácil compreensão para os facilitadores, que muitas vezes não são especialistas na área. Os facilitadores, profissionais que trabalham nas Unidades de Saúde, aplicam sessões em grupos com aproximadamente oito a dez famílias. São realizadas nove sessões ao longo do programa, uma vez por semana. Nos encontros são abordadas estratégias através de histórias que os facilitadores contam e que refletem no cotidiano dos cuidadores. Há também a parte teórica e o role play, que são brincadeiras nas quais os ensinamentos são colocados em prática.

Além do objetivo de desenvolver as habilidades das crianças, o programa visa melhorar a qualidade dos pais. “As últimas sessões são mais voltadas para que o cuidador aprenda também a perceber suas necessidades relacionais e a trabalhar a questão da própria qualidade de vida”, explica a psicóloga.

Nas sessões em grupos realizadas antes da pandemia, os facilitadores trabalharam o cotidiano dos cuidadores. Foto: Divulgação

Por fim, o programa também possui três visitas domiciliares. “Os profissionais vão em duplas em cada casa. Lá eles conhecem a realidade de cada família e podem ensinar aos pais, junto da criança, como ajudar a desenvolver as habilidades, principalmente, comunicação de interação social e o manejo de comportamentos difíceis”, complementa Camila. As visitas são separadas em três momentos distintos do programa: no começo, no meio e no fim. Devido ao contexto de isolamento social da pandemia, o treinamento e as visitas passaram a ser todos online.

A profissional destaca que as famílias que participam do treinamento acabam criando laços e vínculos fortes durante o período de convívio. “As famílias, muitas delas por conta da dificuldade da criança, acabam se isolando socialmente e se sentindo muito sozinhas. A gente vê que durante o programa vão entendendo que não são só elas que têm crianças com problemas de desenvolvimento e vão se empoderando para poder voltar a ter um convívio social”.

O programa tem o diferencial de não exigir um diagnóstico da criança para poder participar. Segundo a psicóloga, as crianças com autismo são diagnosticadas geralmente mais tarde do que aos dois ou três anos e muitas vezes demora até que se consiga uma consulta com especialista. Ao ser percebido na Unidade de Saúde que a criança tem um atraso do neurodesenvolvimento, ela já pode ser incluída no programa para estimular as habilidades.

Pesquisa de mestrado

Camila pesquisou em sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente o pré-teste, o primeiro ciclo de treinamento que aconteceu em 2019 com dez famílias. A psicóloga acompanhou presencialmente cada sessão e visita, aplicou todos os formulários exigidos pela OMS e fez grupos focais (entrevistas coletivas) com os participantes. Ela comenta que os resultados foram muito positivos quanto à aceitabilidade e viabilidade. “Não existem barreiras socioculturais para as sessões em grupo, nem para as visitas domiciliares. Pelo contrário, a população brasileira gosta dessa possibilidade de dividir as questões e se sentir apoiada”.

Outras questões observadas são que a aderência ao programa é maior quanto mais próximo for o local das sessões (geralmente na Unidade Básica de Saúde do bairro). Dificuldade de locomoção, tempo para participar e alguém para cuidar da criança durante o treinamento também aparecem na pesquisa. O principal ganho constatado após a participação é a melhoria no vínculo entre a criança e os cuidadores. “As crianças melhoraram na sincronia com o cuidador, dele conseguir perceber os sinais de comunicação, fazer uma leitura e conseguir interagir de uma forma melhor”, relata Camila.

Na prática

Nicole da Rosa Rodrigues é mãe da Martina, de quatro anos, e descobriu o programa da OMS com a pediatra do Ambulatório Encantar, da prefeitura de Curitiba. Martina foi diagnosticada com autismo leve e como ainda está na fila de espera para se consultar com psicólogo e fonoaudiólogo, a mãe foi recomendada a participar do treinamento. “Foi muito bom. A minha filha apresentou muita evolução nesse curto período de tempo”.

A união do conteúdo com a metodologia e as visitas realizadas pelas psicólogas (que se tornaram entrevistas online devido à pandemia) foram para Nicole um diferencial, já que tinha conhecimento sobre algumas bases do assunto. “A equipe foi fundamental, porque mesmo sendo online, foi na entrevista que identificaram como era a Martina, quais as limitações e o que ela já tem desenvolvido. O programa funcionou também porque eram desenvolvidas metas”, explica Nicole.

As metas eram semanais, individuais e atingíveis dentro da realidade de cada família. Pensadas para melhorar comportamentos específicos ou a comunicação das crianças, os facilitadores passam estratégias e um roteiro de exemplos com base no que foi discutido na sessão, para ajudar os cuidadores a lidar com as questões do cotidiano. Com base em vídeos gravados do comportamento das crianças pelos familiares e pelos contatos telefônicos durante a semana, as psicólogas davam feedbacks.

Treinamentos em grupos realizados virtualmente com as famílias Foto: Divulgação

Para Nicole, o programa da OMS traz suporte e melhorias para quem fica muito tempo aguardando em uma fila por atendimento especializado. Ela conseguiu muitas evoluções com Martina em menos de três meses. A mãe ainda conta que através do programa sua filha passou a trocar de roupa sozinha e isso ajudou a desenvolver a independência. “A comunicação também melhorou muito no sentido de responder e de conversar”, conta Nicole.

Por fim, em seu relato, Nicole destaca a importância de um acompanhamento constante enquanto ainda aguarda na fila por uma consulta com psicólogo e fonoaudiólogo. Nesse período de espera, o programa lhe trouxe contribuições. “Muitas vezes adquirimos muita informação que fica perdida na hora de colocar em prática, não sabemos o que fazer e como fazer, porque é muita coisa. O programa me trouxe essa clareza, que através de metas e trabalhando um aspecto em cada semana eu consigo desenvolver várias coisas, então foi muito bom”, finaliza.

Foto destaque: Pixabay/Divulgação

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