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Pesquisa da UFPR conta a história de mulheres do rock underground de Curitiba

Levantamento inédito reúne três décadas de memórias, lutas e conquistas femininas na cena musical curitibana

 

Por Gabriel Costa 

Fotos: acervo pessoal, divulgação e Billy Tombstone 

Supervisão: Maíra Gioia

 

No início de 2025, Curitiba foi oficialmente declarada, por meio de uma lei municipal, como a “Cidade Mais Rock and Roll do Brasil”. E não é à toa: a capital abriga inúmeras iniciativas, bares e restaurantes com forte ligação com a cultura do rock. De nomes icônicos como Relespública ao palco emblemático da Pedreira Paulo Leminski, as esquinas curitibanas respiram o gênero musical, mesmo que muitas histórias tenham se perdido com o tempo. Com o intuito de resgatar parte dessa memória, a pesquisadora e cientista social Carolina de Andrade Cardoso dedicou sua dissertação de mestrado, “Mulheres rockeiras: trajetória no underground curitibano: 1990-2020”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a narrar a trajetória de mulheres pioneiras no rock de Curitiba. O trabalho teve a orientação de Paulo Renato Guérios, professor do Departamento de Antropologia da UFPR.

 

Banda Domperidhona, em que Carolina (na direita da foto) atua como baterista. Foto: divulgação da banda

 

Nas entrevistas — ora formais, ora em conversas descontraídas — Acácia, Hortênsia e Violeta reconstroem suas memórias enquanto personagens importantes do rock na cidade. Falam do encanto ao segurar um instrumento pela primeira vez, das primeiras notas, dos ensaios improvisados e dos laços de amizade que moldaram suas carreiras. Entre lembranças afetuosas, revelam também as sombras da cena musical: conflitos entre mulheres, episódios de abuso e violência, além das barreiras impostas por serem LGBTQI+ ou por se envolverem afetivamente com músicos locais. A maternidade, tema recorrente nos depoimentos, surge como um divisor de águas, ao impor desafios adicionais à permanência nos palcos. Cada uma conta como reinventou a própria trajetória após términos de relacionamentos ou situações de hostilidade. O estudo, que acompanha essas histórias, traz ainda um levantamento inédito, com um mapeamento de bandas curitibanas majoritariamente femininas, desde a década de 1990 até os dias de hoje.

 

Banda As Garçonetes. Foto: disponibilizada por uma das integrantes na pesquisa de Carolina

 

Ideia da pesquisa

 

A escolha do tema por Carolina não é sem motivo. Sempre teve interesse na área, e os estudos começaram ainda na graduação. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), pesquisou bandas formadas por mulheres em Curitiba. Mais que isso, é baterista e frequentadora da cena do rock curitibana, seja como espectadora, seja como parte ativa da comunidade.

 

“Meu trabalho de conclusão de curso já foi sobre as mulheres no rock em Curitiba, justamente porque eu faço parte dessa cena. Eu sou uma frequentadora, já tem mais de 20 anos que eu frequento”, afirma a pesquisadora.

 

Para contar essa história da melhor maneira possível, decidiu ter como objetivo central a coleta de relatos orais e histórias de vida de mulheres da área. Fez questão de incluir as falas originais, com citações longas, em um trabalho de conciliação de antropologia e jornalismo. Utilizou entrevistas, participação em eventos e um documentário, “Punks na Cidade”, como referência histórica. A pesquisa de Carolina é, antes de tudo, um retrato profundamente urbano, com o centro de Curitiba como cenário permanente. É ali que se encontram alguns dos palcos mais emblemáticos do rock underground local, como o Lino’s Bar e o 92 Graus, espaços que ajudaram a escrever parte dessa história e que ganham destaque em sua dissertação.

 

Banda Modessujo. Foto: disponibilizada por uma das integrantes à pesquisa de Carolina

 

No levantamento que realizou, a pesquisadora mapeou 41 bandas femininas ativas na cidade entre 1990 e 2024. Mais do que números, a lista representa um gesto de reparação histórica, visto que existe um apagamento dessa história ao longo do tempo.

 

“O mais gratificante de tudo é não só escrever sobre isso, mas ter um retorno da tua pesquisa. […] Pra nossa cena, que é pequena aqui em Curitiba, é uma importância muito grande”, destaca a cientista social.

 

Um dos achados mais contundentes da pesquisa é a diferença marcante entre ser uma mulher no rock curitibano nos anos 1990 e nos dias atuais. Naquela época, o cenário era permeado por preconceito de gênero, era normal mulheres enfrentarem abusos psicológicos e, em alguns casos, até físicos. A objetificação era comum, muitas eram avaliadas mais pela aparência física do que pelo talento musical. Havia também pouca união entre mulheres, que viviam em constante rivalidade, influenciadas por um ambiente dominado por referências masculinas. Além disso, o espaço para se apresentar era escasso, visto que poucos bares e festivais aceitavam bandas femininas. Para Carolina, “Lá atrás, as mulheres sofriam muito mais preconceito de gênero […] Hoje, a gente se apoia. A gente entende que tem espaço para todo mundo na cena.”

 

Banda As Diabatz. Foto: Billy Tombstone

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