Por Artur Lira e Camila Calaudiano
Edição: Letícia Negrello e Alice Lima
A pandemia da Covid-19 extremou a necessidade de se voltar os olhos para a divulgação científica. Em meio ao negacionismo, questionamento sobre vacinas, isolamento social, utilização das máscaras e a importância de se entender um novo vírus, a ciência precisou, mais do que nunca, entrar em campo. Nesse sentido, os divulgadores científicos passaram a mediar a comunicação entre cientistas e a sociedade civil e, nessa missão, receberam apoios de iniciativas como a Agência Escola UFPR, o Instituto Sumaúma, o Instituto Serrapilheira, a Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric) e o programa Ciência Viva.
Como agente dessa mediação entre população e cientistas, o biólogo e pesquisador Átila Iamarino passou a produzir conteúdos informativos sobre a Covid-19 e bateu o recorde de audiência no programa Roda Viva no dia 30 de março de 2020, que atingiu mais de 1 milhão de visualizações no YouTube em menos de 24h. Esse é um exemplo de como a ciência ganhou a atenção do público e esse momento foi uma verdadeira “virada de chave”.
Nesse cenário, a Agência Escola UFPR, criada em 2018, passou por transformações e quebrou barreiras para integrar pesquisadores e a população.
“Vários pontos foram marcadores e ficaram fortes na minha memória sobre o projeto, mas a coisa mais bacana que aconteceu durante esses cinco anos foi ver a evolução na articulação da própria UFPR com a proposta da divulgação científica, o que antes para muitas pessoas parecia longe. Projetos, núcleos, programas e os próprios cientistas começaram a despertar para essa realidade que é contar para as pessoas o que estão fazendo”, explica Regiane Ribeiro, coordenadora da AE.
As iniciativas de divulgação científica potencializam suas ações em eventos como a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), grandes feiras de ciência, como a Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace), olimpíadas de ciência, museus itinerantes e turismo da ciência, como é o caso do programa Ciência Viva, de Portugal.
Educação e cultura científica pelo mundo – o exemplo de Portugal
Atualmente, Portugal ocupa o segundo lugar no gráfico de centros de ciência mais visitados da Europa, atrás apenas da Estônia. E foi para apresentar o sucesso do projeto que contribuiu para este alcance que Rosalia Vargas, presidente do Ciência Viva, participou da mesa-redonda “Experiências e Divulgação Científica no Brasil e em Portugal”, realizada em 19 de setembro no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (PR), pelo Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (Napi) Paraná Faz Ciência.
O Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – é uma rede com mais de 22 centros de divulgação científica espalhados por Portugal. Rosalia Vargas, à frente do projeto desde seu início, enfatiza a importância da ciência coletiva, que aproximou mais as pessoas do tema, despertou o interesse pelas pesquisas e, ainda, elevou o nível de confiança no trabalho dos cientistas.
O programa ilustra a relevância de parcerias pela ciência para o desenvolvimento de um país e como isso gera bons resultados. O Ciência Viva está em mais de 20 escolas e faz parte do Plano Escolar do país. Essa transformação no interesse da população por assuntos científicos é comprovada pelos números.
“Em 2005, apenas 14% da população tinha interesse por ciência e tecnologia, o que aumentou para 60% em 2021”, relatou Rosalia durante o evento, citando dados do Eurobarómetro, que busca dados sobre “Conhecimento e atitudes dos cidadãos europeus em relação à ciência e à tecnologia”.
Uma forma encontrada de aproximar a ciência da população foi o programa de turismo científico Circuitos Ciência Viva. Essa iniciativa foi responsável por aumentar o fluxo de visitas aos centros de ciência de 6% em 2005 para 59% em 2021, de acordo com os respondentes da Eurobarómetro.
Esses espaços, também chamados de museus da ciência, são instalados em parceria com instituições científicas em edifícios importantes para a comunidade local, como igrejas, mosteiros e fábricas, e são interativos, abertos e modernos. Oferecem diversas atividades de conhecimentos e lazer, e se tornaram um grande atrativo turístico do país.
Com um cartão, um guia e um app – disponível em Android e iOS, incluindo mapas interativos, desafios aos exploradores, compartilhamento de experiências e consultas à agenda de atividades – os Circuitos Ciência Viva oferecem entrada gratuita nos 22 centros Ciência Viva e descontos em mais de 300 parceiros de ciência, cultura e lazer. Nos locais, é possível ter experiências como estar em uma praia com pegadas de dinossauros ou fazer um passeio pelo Alentejo que pode se transformar em uma viagem pelo Sistema Solar.
Mas esse desempenho não foi alcançado apenas por pesquisadores. Rosalia reforça a importância da conquista de aliados pela ciência. “Trabalhar com os professores, cientistas e políticos, mesmo às vezes não sendo fácil, vale a pena. Ninguém sabe o suficiente para fazer tudo sozinho”, enfatizou para contextualizar a necessária parceria entre “educação e cultura científica”.
Questões étnico-raciais na comunicação e divulgação científica
O Instituto Sumaúma é “um centro de formação, pesquisa e assessoria, focado no desenvolvimento de carreiras acadêmicas de pessoas negras, indígenas e/ou periféricas”, fundado pela doutoranda em Ciências Sociais e Humanas Taís Oliveira. O Sumaúma atua na região metropolitana e na Grande São Paulo e tem, entre seus projetos, cursos preparatórios para quem quer ingressar no mestrado, já que há um grande déficit desses grupos na pós-graduação.
Outro projeto, também voltado ao desenvolvimento de carreiras dessas pessoas, é o Comunicação Científica de Resistência, que visa compartilhar a produção científica desse grupo que é minoritário na pós-graduação. “Vemos a comunicação [científica] como um importante instrumento de acesso democrático à ciência”, afirmou Taís Oliveira. O trabalho do instituto é realizado por profissionais voluntários, que quando não atuam diretamente com os projetos, prestam serviços que geram recursos a serem investidos no instituto, como a organização de eventos feita por profissionais em Relações Públicas. A doutoranda também fala sobre a coletividade na ciência em seu trabalho.
“Muitas pessoas me ajudaram, eu fui fruto de políticas públicas, então pra mim é bastante importante devolver tudo o que eu aprendi, tudo o que eu vivenciei. Vou compartilhar o máximo que puder, para ultrapassar essa barreira do conhecimento de poucos, para que seja de todos”, conta.
Taís ainda reforça a necessidade de retornar à sociedade o que é apreendido na universidade, que é o que o Instituto Sumaúma faz para que o vínculo entre educação e comunicação científica seja fortalecido e renovado.
“Quanto mais pessoas que tenham o objetivo de resolver problemas sociais ou devolver o que aprenderam para sociedade, com seu trabalho ou com sua pesquisa, melhor para o nosso propósito enquanto organização”, afirma.
Serrapilheira: apoio para jovens doutores
Com o objetivo de financiar e apoiar pesquisas de áreas consideradas estratégicas pelo instituto, o Serrapilheira apoia projetos e iniciativas de divulgação da ciência. A entidade é composta por três programas: o Ciência, voltado para o financiamento de jovens cientistas e doutores recém-formados que desejam continuar pesquisando; o Jornalismo e Mídia, que foca na divulgação de pesquisas; e o Programa de Formação em Ecologia Quantitativa, que visa a capacitação de futuros doutorandos que queiram focar nos subcampo da ecologia.
O instituto sediado no Rio de Janeiro é uma das primeiras entidades de fomento à divulgação científica do Brasil a atuar de forma independente. Natasha Felizi, diretora de Jornalismo e Mídia, relata as nuances da área. “A gente percebeu que esse guarda-chuva chamado divulgação científica é grande, envolve jornalismo, mídias sociais, rádio, programas de extensão universitária, museus, atividades voluntárias e uma infinidade de atividades complementares entre si”. Dentro dessa amplitude de possibilidades, o instituto optou por focar no poder de alcance das mídias digitais.
O Serrapilheira tem preferência por apostar em projetos arriscados que, por conta dessa característica, não receberiam o apoio das formas tradicionais de fomento, como empresas privadas.
“Existe também uma preocupação com pesquisas ousadas, que façam perguntas que são arriscadas, que não necessariamente sejam um trabalho incremental em cima de uma coisa que já está muito consolidada, né? Então, buscamos um pouco as pesquisas que tenham esse aspecto, que é o risco. E o risco envolve uma grande chance da sua hipótese estar errada e da pesquisa não dar em nada [entre aspas], mas sempre dá alguma coisa”, relata Felizi.
Essa ousadia do instituto o levou a promover conquistas importantes, como a inclusão da licença-maternidade no Currículo Lattes, “que parece uma coisa super pequena, mas prejudicava muito principalmente as mulheres que tinham filhos, né? Porque aparecia no Lattes como um período em que a produtividade acadêmica delas foi muito baixa ou nula. Isso era analisado como: ‘nesses dois anos a pessoa não publicou nada’”, explica a diretora. A ação foi feita de forma conjunta com o grupo Parent in Science e foi referendada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Atuação da divulgação científica na base
A Associação Brasileira de incentivo à Ciência (Abric) tem atuado com as primeiras camadas da formação dos alunos. “A gente tem que descentralizar essa ideia de que a ciência é feita após a graduação, que se faz no mestrado e no doutorado, quem é que vai querer fazer um mestrado? Quem é que vai querer fazer um doutorado? Se você não tem nem noção do que é esse conhecimento, se você não tem nem noção do que é ciência desde a base?”, explica a presidente da associação, Muriel Krohn.
Fundada em 2011, a Abric tem todo o seu trabalho feito de forma voluntária. É focada em atender pessoas em vulnerabilidade social e também em descomplicar a ciência.
“É a divulgação científica dentro das escolas, a divulgação científica direto com os professores e também através de palestras e formações nas quais a gente fomenta ciência dentro desse locais, principalmente em escolas de mais vulnerabilidade. A gente também tem o nosso congresso, que é um dos maiores momentos de divulgação, quando a gente tenta trazer conteúdos de ciência de maneira mais simples e acessível. A gente chama de acesso democrático da ciência e traz pessoas que falam de ciência, mas de uma maneira mais simples e descontraída. Há trocas desde alunos do ensino médio até pessoas com pós-doutorado”, conta.
De todo modo, a organização trabalha com três programas principais: o Pequeno Cientista, o Cientista Protagonista e o Mestre da Ciência. Cada programa trabalha com diferentes etapas do desenvolvimento humano. A Abric também realiza o Congresso Brasileiro de Incentivo à Ciência e os programas 30 dias de Ciência e o Construindo Ciência.
Pop Ciência
Todas essas iniciativas tendem a ser ainda mais fortalecidas, com a assinatura do decreto que instituiu o Programa Nacional de Popularização da Ciência – Pop Ciência, publicado no Diário Oficial do governo federal no dia 26 de outubro. Leia aqui a matéria que conta os detalhes desse novo passo que o Brasil deu pela popularização da ciência e divulgação científica.