Documentário produzido pela Agência Escola em parceria com o Laboratório de Ecologia e Conservação da UFPR, é exemplo no uso do recurso audiovisual para a divulgação científica
Por João Vitor Corrêa
Supervisão Maíra Gioia
Transformar ciência em história é um desafio que vai muito além dos laboratórios. É preciso traduzir dados, métodos e descobertas em algo que toque as pessoas. Foi o que fez o documentário Trecho Seis, produzido pela Agência Escola de Comunicação Pública e Divulgação Científica e pelo Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) da UFPR.
O documentário nasceu de um caso real: o resgate do pinguim-de-Magalhães, Mawé, encontrado debilitado nas praias do litoral paranaense. O que começou como um registro técnico de uma ação de conservação se transformou em uma narrativa sensível contada sob o olhar do próprio pinguim. É por meio dele que o público conhece a pesquisa, a biodiversidade marinha e as relações entre seres humanos e o meio ambiente. O processo de produção também foi uma experiência de aprendizado coletivo. A equipe da Agência Escola, formada por estudantes e comunicadores, trabalhou lado a lado com pesquisadores do LEC.
“O Trecho Seis foi, acima de tudo, uma experiência de aprender com a produção. Ao longo do processo, o diálogo com os cientistas nos permitiu compreender não apenas a biodiversidade marinha, mas também as formas de traduzir essa ciência em linguagem sensível e compartilhável. Aprender, aqui, significou mediar saberes, um movimento de escuta, troca e reconstrução fundamental para que a produção ganhasse sentido e impacto junto ao público”, destaca Regiane Ribeiro, coordenadora geral da Agência Escola.

O desafio de unir ciência e narrativa
Para o diretor do documentário, Thiago Benites, o maior desafio do Trecho Seis foi uma questão que sempre pauta o trabalho de tradução científica, como equilibrar o rigor científico com o interesse narrativo? “Nós ouvimos os pesquisadores, captamos depoimentos que serviram de base para entrar dentro daquela narrativa. Então, todo esse conhecimento técnico passa por um prisma do processo criativo e dessa rede que envolve vários colaboradores. Aí o desafio maior mesmo foi tentar trazer essas informações dentro do contexto ficcional”, explica o diretor. A proposta inicial era mais institucional, mostrar o impacto de uma ação acadêmica fora da universidade, mas o processo revelou novas possibilidades, de falar com um público mais amplo. O resultado foi uma produção com linguagem leve e envolvente, que dialoga com diferentes públicos.
Animação e sensibilidade
Luan Alves, co-diretor e responsável pela montagem da produção, destaca que o maior desafio foi lidar com a sensibilidade do tema, a fragilidade dos pinguins, buscando equilibrar a empatia com a consciência ambiental:
“Queríamos expor como eles sofrem por conta das nossas escolhas como sociedade, sem transformar isso apenas em algo fofo. Ouvir a Camila Domit, coordenadora do LEC, sobre os resgates e cuidados foi fundamental para moldar o roteiro e as cenas”.
Ele também reflete sobre o papel estratégico do audiovisual e da animação nesse tipo de produção e como a inteligência artificial impacta nesse cenário: “Percebo que a animação é utilizada para a divulgação científica, mas é preciso que ela seja ainda mais explorada nesse contexto universitário. Hoje em dia o mercado está abalado com o uso das inteligências artificiais, fazendo com que profissionais excelentes estejam perdendo emprego que poderiam contribuir muito na divulgação científica e também dentro da universidade.”
Para Patrícia Carnasciali, coordenadora do projeto MarMaré, o documentário tem um papel essencial na democratização do conhecimento.
“O Trecho 6 traduz o conhecimento acadêmico para uma linguagem acessível, sensível e próxima das pessoas. Quando a ciência chega de forma criativa, ela deixa de ser algo distante e passa a fazer parte da vida cotidiana das comunidades.”Ela destaca o impacto nas novas gerações: “Quando as crianças entendem o território onde vivem, criam um senso de pertencimento e passam a valorizar o meio ambiente de forma natural. É o ‘conhecer para preservar’ em sua forma mais plena — e o documentário faz isso de um jeito inspirador.”

Linguagem para todos os públicos
O documentário Trecho Seis vem marcando presença em diferentes festivais pelo país, passando por estados como Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A produção já foi exibida em eventos voltados à sustentabilidade, à divulgação científica e ao cinema estudantil, como o Planeta.doc Festival e o Curta 5, além de integrar mostras acadêmicas e internacionais, como as de Niterói e São Miguel das Missões.
Essa circulação diversa reforça o alcance e o reconhecimento do filme em diferentes públicos e contextos culturais, com a sua linguagem criativa sendo um dos diferenciais:
“Ficamos muito felizes em ver um filme com uma abordagem científica importante, dessa forma interessante e criativa. Criar vozes para os pinguins comunicarem os desafios do trabalho realizado pelo laboratório, cria identificação no público intergeracional. O que é sempre um trunfo para um documentário científico, conseguir falar com crianças, jovens e adultos.” destaca Ellen Francisco, produtora executiva do Festival Visões do Mar, mostra com mais de 3 mil inscritos e apenas 30 selecionados, com o Trecho 6 sendo um dos escolhidos.
Além dos festivais, o documentário também circulou em escolas, despertando curiosidade entre as novas gerações. Após uma exibição em uma escola de Curitiba, o Colégio Teotônio Vilela, alunos adotaram como mascote para seu clube de ciências, o pinguim Mawé. Um símbolo do vínculo entre arte, conhecimento e imaginação.

O audiovisual como ponte

Para Regiane Ribeiro, coordenadora geral da Agência Escola, o audiovisual é uma das ferramentas mais potentes para aproximar a ciência do cotidiano das pessoas:
“O potencial do audiovisual na comunicação da ciência reside em sua capacidade de articular razão e sensibilidade, promovendo uma forma de mediação que ultrapassa a mera transmissão de informações. No diálogo com o público infantojuvenil, ele opera como dispositivo formativo e cultural, capaz de despertar a curiosidade, estimular o pensamento crítico e construir vínculos afetivos com o conhecimento científico.”
Com ritmo leve e visual envolvente, Trecho Seis mostra como a ciência pode ser contada de forma criativa, sem perder o rigor. E mais do que divulgar resultados de pesquisa, o documentário cria pontes emocionais e cognitivas entre universidade e comunidade. Ao transformar pesquisa em narrativa, a produção mostra que a ciência também pode emocionar e que, quando ganha som, cor e movimento, ela deixa de ser um tema restrito à academia para se tornar uma história que pertence a todos, servindo de exemplo de como as produções audiovisuais podem contribuir para amplificar o alcance do que é produzido nas universidades.









