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Além da ficção: a arma invisível da investigação forense

Embora ainda pouco conhecida fora do meio científico, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi pioneira no uso da Ressonância Magnética Nuclear em investigações criminais no Brasil

 

Por Gabriel Costa 

Fotos: Gabriel Costa 

Supervisão: Maíra Gioia

 

Se já descobrimos que Ciências Forenses vão muito além de cenas de crime e mortes misteriosas, agora vamos ainda mais longe: você sabia que uma das ferramentas mais poderosas dessa área é a Ressonância Magnética Nuclear? Pois é, a mesma técnica usada na química e na medicina também é peça-chave na identificação de drogas sintéticas, fraudes e até em obras de arte.

A ressonância magnética nuclear (RMN) é uma técnica analítica que usa campos magnéticos para analisar a interação dos núcleos atômicos em rotação dentro de uma amostra. Apesar da definição parecer complicada, é o RMN que permite aos pesquisadores encontrar detalhes precisos sobre uma substância química, informação fundamental para a resolução de crimes, entre outras aplicações.

É no espectrômetro de ressonância magnética nuclear que essa “magia” acontece. O aparelho cria um campo magnético muito forte para estudar as propriedades dos núcleos dos átomos na amostra. Quando expostos a esse campo, esses núcleos “ressonam” em frequências específicas, que dependem da estrutura química do material. O espectrômetro capta essas informações e as transforma em um gráfico, chamado espectro. Esse espectro revela detalhes sobre a composição molecular, a disposição dos átomos e até a quantidade de substâncias presentes. Com isso, pesquisadores podem identificar drogas, analisar alimentos, estudar proteínas e até autenticar obras de arte.

Embora ainda pouco conhecida fora do meio científico, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi pioneira no uso da Ressonância Magnética Nuclear em investigações criminais no Brasil. A técnica passou a ser aplicada na área forense em 2008, a partir de iniciativas do Laboratório Multiusuário de RMN do Departamento de Química da Universidade, marcando o início de sua utilização na perícia criminal brasileira — quase 40 anos depois de já ser empregada na Europa. Desde então, a ferramenta se tornou uma das principais aliadas no combate ao tráfico de drogas e à identificação de fraudes.

O Laboratório Multiusuário de RMN da UFPR, que integra o Centro de Ciências Forenses, começou em 1995, com a doação de um espectrômetro Bruker AC80, de 80 MHz — uma novidade para a época. Em 1998, um projeto aprovado pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), coordenado pelo professor Antonio Salvio Mangrich, possibilitou a compra do espectrômetro Bruker AVANCE I 400. Só em 2001, após uma readequação do anfiteatro do Laboratório de Ensino de Orgânica II, os equipamentos foram instalados e começaram a funcionar.

Anderson Barizon operando o espectrômetro. Foto: Gabriel Costa

Desde então, já são dezenas de casos e histórias que evidenciam a importância da Ressonância Magnética Nuclear na resolução dos mais diversos tipos de crimes.

 

“É a principal ferramenta utilizada na investigação forense, praticamente para tudo”, afirma o professor Andersson Barison, associado ao Laboratório Multiusuário de RMN do Departamento de Química da UFPR.

 

“Desde a identificação de drogas psicoativas — especialmente as novas — até casos de falsificação de produtos. A gente já analisou de tudo aqui: azeite falsificado, álcool gel adulterado, até vinho. Sempre que há uma dúvida sobre a composição química de uma substância, a Ressonância Magnética Nuclear entra em cena”, complementa o cientista.

 

A relação entre o laboratório e as forças policiais é direta e frequente. Em alguns casos, o contato é feito por meio do Centro de Ciências Forenses; em outros, os próprios agentes da Polícia Federal comparecem ao laboratório, utilizam o espectrômetro de RMN e seguem com a análise. Nos últimos anos, no entanto, a frequência dessas visitas diminuiu, à medida que as polícias passaram a investir na aquisição de seus próprios equipamentos — inspirados pela UFPR. A Polícia Federal em Brasília, por exemplo, já conta com um espectrômetro próprio, o que reduziu o envio de amostras para Curitiba. Atualmente, o laboratório atende principalmente demandas locais, vindas de órgãos da própria região.

 

Identificação de novas substâncias psicoativas

Na luta contra o tráfico de drogas, o Laboratório é linha de frente, mas ainda enfrenta um desafio constante: a velocidade com que os criminosos inovam. De acordo com o professor Kahlil Salome, do Departamento de Química da UFPR, o sistema está sempre um passo atrás. Isso porque, assim que uma substância é proibida por lei, novas variantes começam a circular no mercado. Com uma simples modificação na estrutura da molécula — como a adição de um átomo —, os traficantes conseguem criar compostos que burlam os sistemas tradicionais de detecção, desde cães farejadores até métodos laboratoriais convencionais. 

Por serem substâncias inéditas, elas não têm padrão de referência, o que dificulta a identificação. É nesse cenário que a Ressonância Magnética Nuclear se destaca: sem precisar de padrões prévios, a técnica permite determinar a estrutura química de novas drogas, ajudando na compreensão de seus efeitos e na atualização da legislação.

Não são poucas as drogas que já foram identificadas no Laboratório. Um exemplo disso é o caso do Nbome, uma substância com efeito semelhante ao LSD. Inicialmente classificado como uma Nova Substância Psicoativa (NPS), o composto passou por sucessivas alterações. Foram criadas versões com átomos de iodo e depois de bromo, numa tentativa de escapar da legislação e da detecção. A partir das análises feitas no Laboratório da UFPR, foi possível identificar essas variações estruturais e auxiliar na formulação de normas mais robustas.

Em 2021, o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear da UFPR identificou uma substância inédita no mundo: um canabinoide sintético vindo da Holanda. A droga chegou pelos Correios e passou despercebida pela Polícia Federal porque os cães farejadores não reconheceram seu cheiro — ele ainda não fazia parte do banco de dados sensorial dos animais, o que gerou confusão até mesmo nos mais cachorros mais experientes. 

A amostra então foi enviada ao laboratório, onde os pesquisadores conseguiram caracterizar a estrutura da nova substância. A partir dessa identificação, a Receita Federal pôde treinar os cães para detectar o novo composto.

 

“O pessoal da Receita treina os cachorros com base na substância que identificamos. A partir disso, os animais passam a detectar esse composto com muito mais facilidade”, explica o professor Andersson Barison.

 

Após entrar oficialmente no banco de dados sensorial dos cães, a droga passou a ser interceptada com mais eficiência — e, de fato, novas apreensões ocorreram graças ao faro aguçado dos animais e ao trabalho dos cientistas.

 

Amostras de substâncias. Foto: Gabriel Costa

 

Cigarros eletrônicos

Recentemente, foi iniciado um trabalho para identificar com precisão as substâncias químicas presentes nos cigarros eletrônicos, e assim conhecer seus reais efeitos na saúde dos usuários.  Embora a comercialização desses dispositivos seja proibida no Brasil, eles continuam chegando ao mercado por meio de importações ilegais ou pela venda clandestina.

 

“O vape é muito complicado, porque é proibido no Brasil. Então, para a gente conseguir uma amostra, ela precisa ser apreendida, ou temos que passar por todo um processo de autorização para trazê-la legalmente”, explica o professor Kahlil Salome, do Departamento de Química da UFPR.

 

O que mais chamou a atenção da equipe, no entanto, foi a concentração de nicotina encontrada nesses dispositivos.

 

“É uma quantidade absurda. Se a ideia do vape é servir como substituto do cigarro, para quem quer parar de fumar, ele faz o efeito contrário”, afirma o professor.

 

“Como largar o vício da nicotina, se o vape entrega ainda mais nicotina do que o cigarro tradicional?”, questiona Salome.

 

Os estudos em relação aos cigarros eletrônicos ainda estão em andamento.

O Centro Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear tem muita história para contar. São mais de 15 anos atuando diretamente na resolução de crimes e em casos que antes pareciam sem solução.

 

Série: 

Além da ficção

Com um trabalho tão amplo, é impossível contar todos os casos, histórias e curiosidades do Centro de Ciências Forenses da UFPR em apenas uma reportagem. Por isso, a Agência Escola UFPR se debruçou sobre o tema em uma série repleta de momentos marcantes.

As histórias vão desde o projeto Fim do Luto de Famílias de Pessoas Desaparecidas, que trabalha com ossadas não reconhecidas, até uma pesquisa sobre as substâncias químicas presentes em cigarros eletrônicos.

Na próxima reportagem da série, vamos explorar um lado pouco conhecido das ciências forenses: a identificação e autenticação de medicamentos. Um trabalho silencioso, mas de grande importância, em que cientistas da UFPR atuam diretamente para garantir a segurança e melhorar a qualidade de vida da população.

Na primeira reportagem da série, você acompanha que laboratórios de diferentes setores se juntaram em ação inédita: a criação do primeiro centro de ciências forenses universitário de todo o Brasil.

 

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Sobre a Agência Escola UFPR

A Agência Escola UFPR, a AE, é um projeto criado pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (SACOD) para conectar ciência e sociedade. Desde 2018, possui uma equipe multidisciplinar de diversas áreas, cursos e programas que colocam em prática a divulgação científica. Para apresentar aos nossos públicos as pesquisas da UFPR, produzimos conteúdos em vários formatos, como matérias, reportagens, podcasts, audiovisuais, eventos e muito mais.

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