No bicentenário da Independência, a pesquisa sobre o momento histórico é diversa e reflete várias linhas de pensamentos #AgênciaEscolaUFPR
Por Bruno Caron
Edição: Chirlei Kohls
O feriado de 7 de setembro tem um caráter especial neste ano: o bicentenário da Independência do Brasil. A data é uma oportunidade para refletir sobre a nossa emancipação de Portugal e como o país se formou a partir desse momento. Do ponto de vista da historiografia, a pesquisa em História, existem diversas leituras e interpretações possíveis do episódio, mas antes é preciso entender os processos que influenciaram para a independência.
A Revolução Francesa, Revolução Haitiana e os Estados Unidos, que já estava em um processo de independência no final do século 18, desencadearam movimentos similares em outros lugares do mundo. O professor e pesquisador Clóvis Gruner, do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, explica que Portugal se antecipou ao inevitável movimento de independência que vinha acontecendo nas colônias espanholas, como é o caso de Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela e Colômbia.
“Setores da elite brasileira desejavam a independência, mostrando a Portugal que o processo era resultado da crise do sistema colonial. A Inconfidência Mineira [revolta organizada pela elite socioeconômica da capitania de Minas Gerais contra o domínio colonial português] é um exemplo desse movimento”, explica Clóvis.
O professor e pesquisador Luiz Geraldo Silva, também do Departamento de História da UFPR, reforça que a crise do sistema colonial e o anseio da ordem aristocrática por uma monarquia constitucional foram responsáveis por aumentar a pressão pela independência.
Depois da Independência em 1822 houve um problema de unidade no Brasil, visto que a satisfação com a independência não era unânime. “Na tentativa de formação da unidade brasileira no pós-independência a luta da monarquia brasileira foi grande, porque houve diversas insurgências populares e revoltas contra a corte brasileira e com desejos alinhados aos interesses de Portugal”, relata Luiz.
Outro problema de unidade foi a opção por continuar o Brasil com uma monarquia e não como uma república. “A questão da monarquia constitucional tornou isso mais palatável”, explica o professor Luiz. Os primeiros anos de independência levaram tanto a conflitos internos quanto com Portugal. Reconhecida oficialmente apenas em 1825 pela corte portuguesa por intermédio da coroa britânica, a independência custou uma indenização de alto valor para os cofres brasileiros que foram pagos para Portugal.
O Brasil não tinha dinheiro em caixa, porque gastou com os três anos de conflitos com Portugal e por sua condição econômica anterior de colônia, enviando toda riqueza produzida para a metrópole. “Sem poder bancar o acordo, o Brasil pede dinheiro emprestado dos bancos ingleses. Então isso é uma curiosidade de que o preço da independência brasileira é o começo da nossa dívida externa”, explica Clóvis.
Várias histórias?
A perspectiva historiográfica sobre a independência é vasta e começa no próprio século 19, principalmente, a partir da produção do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Autores de um primeiro momento, como Francisco Adolfo de Varnhagen, que era Visconde de Porto Seguro, tinham visões monarquistas sobre a independência. “Essa é uma historiografia patrocinada pela monarquia. Portanto, são trabalhos extremamente comprometidos com a defesa da monarquia constitucional e conservadora”, comenta Luiz.
A visão conservadora e racista da época também se reflete nos primeiros trabalhos historiográficos sobre a independência. “A historiografia reiterou as posições subalternas das populações indígenas, africanas e afrodescendentes na sociedade brasileira. Particularmente em relação aos indígenas, [Francisco Adolfo de Varnhagen] era um defensor intransigente de uma repressão brutal às populações indígenas de forma explícita em sua obra”, explica o pesquisador Luiz.
No início do século, na comemoração do centenário da Independência, Oliveira Lima lança uma obra fundamental que apresenta novos problemas sobre a Independência, mas ainda dentro de uma visão da cultura europeia. “O ponto de vista de Oliveira Lima é de defesa da monarquia constitucional mesmo vivendo depois do império”, conta Luiz.
O trabalho de Caio Prado Júnior inaugura no país, na década de 1930, uma perspectiva marxista para a interpretação da Independência. A análise do autor foca na luta entre metrópole e colônia com ênfase nos setores populares. Na década seguinte, Sérgio Buarque de Holanda traz outras questões para a historiografia, como a relação entre independência e unidade. “Elas sempre estiveram em jogo, porque o Brasil esteve na iminência de se fracionar repetidas vezes. O Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco já ficaram fora do império, por exemplo”, finaliza Luiz.
Brasil independente, mas ainda escravista
O capitalismo iniciou um consumo de massa depois da Revolução Industrial que demandou por alimentos produzidos nas colônias dos países europeus, tal como açúcar, algodão e café. A grande procura por açúcar, por exemplo, no século 19, impulsionou a sociedade escravista da época. Não foi diferente com o Brasil, que mesmo depois da independência e de deixar de ser colônia, continuou com esse modelo exploratório de sociedade e exportando matéria-prima.
“As estimativas é de que foram trazidos 900 mil escravos para o Brasil no curto período de tempo entre 1831 e 1850”, explica Luiz. Clóvis complementa que o Brasil era um país agrário com uma economia baseada na escravidão. “Depois da independência a economia não mudou muito do que eram os últimos anos de colônia. O país era muito pouco industrializado, basicamente agrário e sustentado na mão de obra escravizada até o final do século 19”, conta Clóvis.
O que tirar desses 200 anos de independência
Para o professor Luiz, esses 200 anos de Independência do Brasil são a oportunidade de dissecar o movimento da independência e sepultá-lo. “A gente precisa superar um Brasil que se construiu para ser escravista. A gente precisa superar um Brasil que se constituiu para ser excludente. Durante os anos do império diminuíram o número de eleitores, ou seja, menos participação política da população”, explica o pesquisador em História.
O professor Clóvis também acredita na superação do passado como o caminho. “O país era uma economia agrária baseada na mão de obra escravizada e a independência lança as bases daquilo que o Brasil viria a ser, um país centrado na exportação de matéria-prima”, complementa o pesquisador em História. Houve também um isolamento perante os países vizinhos e uma preferência pelos Estados Unidos que nos levou a não nos sentirmos parte da América Latina.
“O plano arcaico, conservador e autoritário que favoreceu as elites em detrimento das forças populares gerou um isolamento geopolítico que se instaurou no processo de independência e atravessou as décadas. Isso é uma parte do nosso passado que nos alcança e que até certo ponto diz respeito ao nosso presente”, diz Clóvis.
Luiz defende que precisamos pensar um Brasil para o futuro que não seja pensado pelas mesmas bases de 200 anos atrás. “Precisamos mudar a visão de um país que foi centrado na escravidão e na exploração da natureza. A gente precisa enterrar essa herança para a construção de um país que tenha como seu principal o valor a vida humana”, finaliza.
Imagem destaque: Independência ou Morte, de Pedro Américo. Foto: Acervo Museu do Ipiranga