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Estudo global com participação da UFPR revela impacto das mudanças climáticas nas florestas tropicais

Por João Vítor Corrêa 

Foto: arquivo pessoal e reprodução

Supervisão: Maíra Gioia

 

As marcas do tempo não se escondem apenas na casca de uma árvore. Guardados em linhas chamadas de anéis de crescimento, cada traço registra as condições ambientais enfrentadas ao longo da vida da árvore, de períodos de abundância a fases de dificuldade. Com base nesses registros silenciosos, um artigo de um grupo internacional de pesquisadores mostra como as mudanças climáticas já afetam o crescimento das florestas tropicais.

O artigo, publicado na Science, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo, envolveu mais de 150 cientistas de 124 instituições de todo o mundo. Entre os autores estão pesquisadores ligados à Universidade Federal do Paraná (UFPR), que contribuíram com cronologias de espécies brasileiras para a rede internacional de dados.

Sobre o artigo

Foram analisadas 483 séries de anéis de crescimento, de mais de 10 mil árvores, representando 163 espécies distribuídas pela América do Sul, América Central, África, Ásia e Oceania. A ideia foi observar como diferentes tipos de seca influenciam o desenvolvimento das árvores: quando chove menos, quando o ar demanda mais água ou quando há déficit hídrico no clima.

Secas intensas reduzem o crescimento das árvores impactando diretamente o sequestro de carbono e a resiliência das árvores. Foto: Jason Leung/ Unsplash

O impacto médio encontrado foi uma redução de 2,5% no crescimento do tronco nos anos mais secos desde 1930. Em 25% dos casos, a queda passou de 10%. Árvores como a araucária, uma gimnosperma, mostraram-se mais sensíveis do que espécies de angiospermas.

Apesar disso, a pesquisa também mostrou a capacidade de recuperação. Em muitos casos, logo após a seca as árvores voltaram a crescer, até de forma acelerada. Anos muito úmidos compensaram quase metade das perdas causadas por períodos de estiagem.

Os efeitos variam conforme o clima local: em regiões áridas e quentes, as secas têm mais impacto; já em áreas úmidas, como a Amazônia, o efeito foi pequeno ou até positivo. Mas os pesquisadores alertam: com o aquecimento global, a tendência é que as secas se tornem mais intensas e frequentes, reduzindo essa resiliência e comprometendo a função das florestas como sumidouros de carbono. 

Participação da UFPR

A contribuição da UFPR veio de diferentes pesquisas orientadas por Franklin Galvão, professor sênior no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal. O engenheiro florestal Tomaz Longhi, hoje professor da universidade, forneceu cronologias de peroba com cerca de 350 anos, desenvolvidas durante o doutorado. 

 

Tomaz analisando anéis de crescimento da Peroba. Foto: arquivo pessoal

 

Imagem de lupa de Peroba. Foto: arquivo pessoal

O pesquisador detalha que os anéis funcionam como registros históricos das condições ambientais. Em alguns casos, cicatrizes guardam até mesmo marcas de incêndios.

 

“As árvores que eu utilizei no doutorado, por exemplo, vieram de uma área que passou pelo grande incêndio de 1963, no Paraná. Muitas delas carregam cicatrizes desse momento”, afirma Tomaz.

 

Os doutores em Engenharia Florestal, egressos da UFPR, Amanda Koche Marcon e Eduardo Adenesky Filho, participaram do artigo com séries de cedro e araucária, frutos de suas teses de doutorado.

Mais do que a soma de dados individuais, a força do estudo está na rede formada. Pesquisadores de dezenas de países reuniram informações e métodos em uma base compartilhada, capaz de gerar um retrato global das florestas tropicais. Nessa articulação internacional, nomes como Pieter Zuidema (Wageningen University, Holanda) e Peter Groenendijk (Instituto de Biologia da Unicamp) tiveram papel central na concepção do estudo, organização dos dados e coordenação da rede. A participação da UFPR, integrada a esse esforço coletivo, reforça como a ciência se fortalece quando ultrapassa fronteiras e se conecta em escala global.

Ciência produzida na universidade

Tomaz pesquisa anéis de crescimento desde 2009. Como professor vinculado ao Departamento de Zootecnia, defende a importância de aproximar a ciência da sociedade.

“Quando mostramos visualmente como os anos de seca afetaram o crescimento de uma árvore, fica mais fácil para a população entender os impactos das mudanças climáticas. É uma forma de combater o negacionismo com evidência concreta”, explica.

 

Amostra de Peroba. Foto: arquivo pessoal

Franklin, que já orientou mais de oitenta trabalhos, comenta a satisfação de contribuir  com mais pesquisadores: “Sempre selecionei muito bem meus alunos. Muitos deles têm olhos mais brilhantes do que eu tive como doutorando. Quando fiz meu doutorado, uma das minhas promessas era dar oportunidade para que outras pessoas também pudessem fazer mestrado e doutorado. Hoje, já orientei 83 trabalhos e isso me deixa muito gratificado.”

O estudo reflete um aprendizado coletivo: compartilhar dados, padronizar análises e construir conclusões conjuntas. A divulgação de resultados em revistas de alcance internacional também é parte fundamental do processo, pois devolve à sociedade o conhecimento gerado com investimento público em pesquisa.

O conhecimento alerta

O estudo reforça a importância das florestas tropicais no equilíbrio do clima e pode servir de base para políticas de manejo sustentável. As informações ajudam a entender como eventos extremos deixam de ser fenômenos isolados e passam a impactar globalmente a vegetação — tema central em discussões internacionais, como a COP 30, que será realizada no Brasil.

Para Tomaz, os dados reforçam a urgência de políticas que levem em conta os efeitos já sentidos das mudanças climáticas.

 

“A redução das taxas de crescimento e o aumento da mortalidade são alarmantes. Isso impacta diretamente no sequestro de carbono, que por sua vez influencia o aquecimento global”, afirma.

 

Para os pesquisadores, cada anel de árvore é um testemunho do passado, mas também um alerta para o futuro. A ciência, feita em rede, dá a dimensão desse desafio: mudanças locais se tornam globais, e a resposta precisa ser igualmente coletiva.

 

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