Por Alana Morzelli
Supervisão: Maíra Gioia
O estudo concluiu que a modalidade é moldada por uma combinação de fatores sociais, econômicos, culturais e ambientais
O fenômeno das corridas de rua tem ganhado força em Curitiba (PR), especialmente por ser uma atividade acessível e que não exige preparação prévia nem equipamentos especiais. Em 2023, o número de participantes no Circuito Adulto de Corridas de Rua, promovido pela Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude (SMELJ), aumentou 61% em comparação com 2016. Esse crescimento motivou uma pesquisa, desenvolvida pelo Departamento de Educação Física junto com o Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Um dos principais resultados é que a segurança é um fator de impacto direto. A orientadora do projeto, Talita Zotz, doutora em Educação Física pela UFPR, observa:
“Para o homem correr ele só coloca seu tênis e sua roupa e vai, já a mulher precisa pensar com cuidado o trajeto que vai fazer, qual roupa usar, pensando em sua segurança, e com quem seus filhos vão ficar, caso tenha filhos”, afirma.
Inicialmente, a pesquisa estava focada na avaliação musculoesquelética de corredores, tanto homens quanto mulheres. No entanto, com a pandemia de Covid-19, o projeto tomou novas direções. Durante a coleta de dados, a mestre em Saúde Coletiva pela UFPR Gessica Karine Santin Ribeiro e suas orientadoras, as professoras Talita Zotz e Ana Carolina Brandt, de Fisioterapia, que integram o Centro de Estudos em Prescrição Clínica do Exercício (CEPREX) da UFPR, decidiram investigar as características e as principais barreiras enfrentadas pelas corredoras de rua em Curitiba. A pesquisa analisou vários aspectos relacionados às corredoras através de um formulário, incluindo:
- Características físicas: estatura e peso corporal;
- Perfil sociodemográfico: origem e contexto das corredoras;
- Percepção das corredoras: opiniões sobre fatores ambientais, como condições climáticas e infraestrutura urbana;
- Treinamento: frequência e volume de treino semanal, número de sessões por dia, tempo dedicado à prática, ritmo de corrida e participação em provas nos últimos 12 meses;
- Aspectos do treino: turno preferido para treinar, distância preferida, motivação para correr, participação em grupos de corrida e presença ou ausência de uma treinadora, além da influência desta no desempenho;
- Ambiente familiar: composição familiar, presença de outras corredoras na família, prática esportiva na infância e suporte parental.
Os resultados mostraram que a maioria das mulheres que praticam corrida de rua têm, em média, 41 anos, são de ascendência branca, casadas, possuem pós-graduação, renda mensal superior a cinco salários-mínimos e trabalham em tempo integral, sendo financeiramente independentes. A maioria corre há mais de um ano, treina cerca de três vezes por semana, geralmente pela manhã, e prefere participar de provas de 5km e 10km. A principal motivação é “saúde e qualidade de vida”.
A análise revelou barreiras que podem dificultar a participação e a permanência das mulheres na corrida de rua. Embora a infraestrutura urbana seja geralmente adequada, muitas corredoras não têm acesso a parques ou praças próximos de suas residências. Além disso, muitas se sentem inseguras ao correr sozinhas e algumas já sofreram violência, principalmente de natureza sexual.
Quanto à composição dos lares das participantes, 86,3% residem com familiares, 11,8% moram sozinhas e 1,4% compartilham a residência com amigos ou colegas. A distribuição geográfica das corredoras da amostra do estudo está ilustrada no mapa abaixo.
Zotz destaca que as mulheres enfrentam maiores dificuldades para iniciar atividades físicas. Esse desafio é evidenciado pelo Diagnóstico Nacional do Esporte (Diesporte), divulgado em 2015 pelo Ministério do Esporte, que revela uma taxa de sedentarismo de 50,4% entre mulheres, em contraste com 41,2% entre homens.
A coorientadora Ana Carolina Brandt, doutora em Educação Física, acrescenta que as mulheres enfrentam barreiras relacionadas à segurança do ambiente, com poucos locais seguros para a corrida, e também ao horário, com muitas não se sentindo seguras para praticar atividades físicas em público à noite.
A pesquisa ressalta a correlação entre a dificuldade das mulheres em manter atividades físicas e um problema social relevante: a falta de redes de apoio e de segurança pública. Essa carência não apenas impede a adoção de hábitos saudáveis, mas também destaca a urgência de políticas públicas que garantam espaços seguros para as mulheres em todas as áreas da cidade, especialmente nas regiões de maior risco, que possuem poucas corredoras.
“As mulheres em regiões socialmente vulneráveis podem até ter condições de praticar atividades físicas, mas o local em que elas vivem não possuem condições de segurança que as permitem. Assim entram as políticas públicas”, defende a doutora em Educação Física.
O estudo concluiu que a participação feminina na corrida de rua é moldada por uma combinação de fatores sociais, econômicos, culturais e ambientais.